
POLO ATIVO: JANDIRA DIAS DE AGUIAR
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: LUCAS FRATARI DA SILVEIRA TAVARES - MT11445-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR(A):MARCELO VELASCO NASCIMENTO ALBERNAZ

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 03 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1005790-50.2023.4.01.9999
APELANTE: JANDIRA DIAS DE AGUIAR
Advogado do(a) APELANTE: LUCAS FRATARI DA SILVEIRA TAVARES - MT11445-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta por JANDIRA DIAS DE AGUIAR contra sentença na qual foi julgado improcedente o pedido de aposentadoria por idade rural, por não ter sido verificado início de prova material da condição de segurado especial.
O recorrente sustenta em suas razões que restou comprovado o exercício de atividade rural pelo tempo necessário ao deferimento do benefício. Assim, requer a reforma da sentença com a concessão do benefício pleiteado.
Contrarrazões não apresentadas.
É o relatório.
Desembargador Federal MARCELO ALBERNAZ
Relator

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 03 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1005790-50.2023.4.01.9999
APELANTE: JANDIRA DIAS DE AGUIAR
Advogado do(a) APELANTE: LUCAS FRATARI DA SILVEIRA TAVARES - MT11445-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ (RELATOR):
Preliminarmente, consigno que o recurso preenche os requisitos subjetivos e objetivos de admissibilidade.
DO MÉRITO
A concessão do benefício de aposentadoria por idade ao trabalhador rural exige o preenchimento da idade mínima de 60 anos para homens e 55 anos para mulher, bem como a efetiva comprovação de exercício em atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido (art. 48, §§ 1º e 2º, e art. 142, ambos da Lei nº 8.213/91).
O efetivo exercício da atividade campesina deve ser demonstrado através do início de prova material corroborado por prova oral.
O art. 106 da Lei nº 8.213/91 elenca diversos documentos aptos à comprovação do exercício de atividade rural, sendo pacífico na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que tal rol é meramente exemplificativo (REsp 1.719.021/SP, Segunda Turma, Relator Ministro Herman Benjamin, julgado em 1º/3/2018, DJe 23/11/2018).
Assim, a fim de comprovar o tempo de serviço rural, a jurisprudência admite outros documentos além dos previstos na norma legal, tais com a certidão de casamento, a carteira de sindicato rural com comprovantes de recolhimento de contribuições, o boletim escolar de filhos que tenham estudado em escola rural (STJ AgRG no REsp 967344/DF), certidão de casamento que atesta a condição de lavrador do cônjuge ou do próprio segurado (STJ, AR 1067/SP, AR1223/MS); declaração de Sindicato de Trabalhadores Rurais, devidamente homologada pelo Ministério Público (STJ, AR3202/CE), desde que contemporâneos ao período que se pretende comprovar.
Registra-se, na oportunidade, não ser necessário que o início de prova material corresponda a todo o período equivalente à carência do benefício, conforme disposto na Súmula 14 da TNU, nem que o exercício de atividade rural seja integral ou contínuo (art. 48, §§ 1º e 2º, da Lei nº 8.213/91).
Por fim, convém registrar que documentos tais como declarações de sindicatos sem a devida homologação do INSS e do Ministério Público; a certidão eleitoral com anotação indicativa da profissão de lavrador; declarações escolares, de Igrejas, de ex-empregadores e afins; prontuários médicos em que constem as mesmas anotações; além de outros que a esses possam se assemelhar etc., não são aptos a demonstrar o início de prova material na medida em que não se revestem de maiores formalidades.
Fixadas essas premissas, passo à análise do caso concreto.
No caso dos autos, a parte autora, nascida em 11/06/1966, preencheu o requisito etário em 11/06/2021 (55 anos) e requereu administrativamente o benefício de aposentadoria por idade na qualidade de segurado especial em 29/09/2021, o qual restou indeferido por ausência de comprovação de efetivo exercício de atividade rural. Ajuizou a presente ação em 31/01/2022, pleiteando a concessão do benefício supracitado a contar do requerimento administrativo.
Assim, como atingiu a idade em 2021, para ter direito ao benefício postulado, deve comprovar o exercício de atividade campesina por 180 meses, no período imediatamente anterior à data do requerimento administrativo ou à data do implemento da idade mínima (Súmula 54 da TNU).
Para comprovar sua qualidade de segurado especial e o exercício de atividade rural pelo prazo de carência, a parte autora trouxe aos autos os seguintes documentos: certidão de casamento, em 1982, sem indicação da qualificação profissional; certidão de nascimento do filho, em 1986, constando a qualificação do genitor como agricultor; certidão de nascimento do filho, em 1989, constando a qualificação do genitor como lavrador; carta de anuência do INCRA com autorização para exploração de terra pelo cônjuge, em 1995; contrato de compra e venda de grãos, sem firma reconhecida; relatório de execução de projeto em nome do cônjuge; cadastro agropecuário do cônjuge, em 1997; declaração anual de estoque de produtor em nome do cônjuge, em 1997; cédula rural pignoratícia em nome do esposo, em 1997; cédula de produtor rural, em 1998; contrato de abertura de crédito fixo em nome do cônjuge, em 11/08/1999 e em 10/03/2000; auto de infração por atraso na declaração do ITR, datado de 2002, em nome do esposo da autora; guia municipal de produtor em nome do esposo, datada de 2002; notificação de atraso no pagamento das contribuições sindicais entre 1998 e 2003; certidão do INCRA informando que o esposo da autora é assentado no PA Eldorado I desde 1995; Espelho de Unidade familiar indicando que o seu esposo é assentado desde 1995 e titulado desde 1999.
Da análise dos documentos apresentados, vê-se que as certidões de casamento (1982) e de nascimento do filho (1986), constando a profissão do esposo como lavrador (extensível à requerente pela regra de experiência comum), a carta de anuência do INCRA com autorização para exploração de terra pelo cônjuge, em 1995, a certidão do INCRA informando que o esposo da autora é assentado no PA Eldorado I desde 1995; Espelho de Unidade familiar indicando que o seu esposo é assentado desde 1995 e titulado desde 1999; o cadastro agropecuário do cônjuge, em 1997; a declaração anual de estoque de produtor em nome do cônjuge, em 1997; a cédula rural pignoratícia em nome do esposo, em 1997; a cédula de produtor rural, em 1998; os contratos de abertura de crédito fixo em nome do cônjuge, em 11/08/1999 e em 10/03/2000, e a guia municipal de produtor em nome do esposo, datada de 2002, representam início razoável de prova material do labor rural pela requerente desde a data da celebração do casamento em 1982.
Não obstante, o INSS trouxe aos autos o CNIS do esposo da autora, no qual consta o registro de vínculo urbano no período de 16/11/2005 a 23/04/2008, posterior à concessão de terra pelo INCRA e dentro do período de carência da parte autora.
Também há registro de vínculos urbanos da própria autora no seu extrato previdenciário, no período de 01/04/2016 a 03/2019, anterior ao requerimento administrativo e ao implemento do requisito etário.
Assim, a qualificação como rurícola do esposo da autora, constante de documentos, não produz efeito durante todo o período de carência da parte autora, a partir do momento em que este, comprovadamente, passou a exercer atividades urbanas entre 2005 e 2008 e a própria autora manteve vínculo urbano entre 2016 e 2019, o que descaracteriza a sua alegação de que laborou como segurada especial em regime de economia familiar no período imediatamente anterior ao implemento do requisito etário e ao requerimento administrativo (Tema 533/STJ).
Registra-se, ainda, que em pesquisa externa o INSS demonstrou que o seu esposo manteve empresa ativa entre 1990 e 2021, cujo nome fantasia era: “Borracharia Piuvinha”.
Importante ressaltar que a própria autora declarou em seu depoimento pessoal que manteve vínculo urbano até 2021, quando implementou os requisitos para a concessão do benefício pleiteado, e que seu esposo atuou como “borracheiro” e “frentista” por oito anos. Veja-se trecho de sentença:
“Além disso, merece relevo que a autora, em depoimento pessoal prestado em audiência, confessou que reside há 20 anos no meio urbano, para o qual mudou para garantir o estudo dos filhos, além de informar que seu esposo fora frentista e borracheiro por oito anos, assim como que ela exerceu atividade remunerada urbana (com vínculo registrado em CLT) por mais de três anos, informando, ainda, que somente findou tal vínculo empregatício ao final de 2021, ou seja, trabalhava no meio urbano quando do preenchimento do requisito etário e requerimento administrativo de aposentadoria por idade rural.”
Portanto, uma vez que os documentos juntados pela apelante não foram aptos a demonstrar o início de prova material pelo tempo necessário à concessão do benefício, a prova testemunhal carreada nos autos, por conseguinte, também não se mostra bastante para a comprovação da atividade rural por força do art. 55, §3º, da Lei nº 8.213/91, bem como da Súmula 149 do Superior Tribunal de Justiça, a qual dispõe que “a prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário”.
O Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do REsp 1.352.721 na sistemática dos recursos repetitivos (Tema 629), firmou a tese de que “a ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa”.
A parte autora ainda não implementou o requisito etário para fins de concessão de aposentadoria por idade híbrida, o que impede a sua análise neste momento.
Logo, faz-se necessária a extinção do processo sem julgamento do mérito.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS E CUSTAS PROCESSUAIS
Ressalvando meu ponto de vista pessoal sobre a questão, “é cabível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais (art. 85, § 11, do CPC), impondo-se a majoração do percentual já fixado, relativo aos honorários advocatícios, independentemente de comprovação do efetivo trabalho adicional pelo advogado da parte recorrida, sendo devida mesmo quando não apresentadas contrarrazões” (AgInt nos EDcl nos EDcl no AREsp n. 2.236.428/SP, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 23/10/2023, DJe de 26/10/2023).
Honorários advocatícios majorados na fase recursal em R$2.000,00 (dois mil reais), além do montante já fixado pelo Juízo de origem (art. 85, §11, CPC). Suspensa a exigibilidade em caso de gratuidade de justiça.
CONCLUSÃO
Ante o exposto, JULGO EXTINTO O PROCESSO, DE OFÍCIO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, em razão da ausência de início de prova material suficiente para o reconhecimento da qualidade de segurado, e JULGO PREJUDICADA a apelação da parte autora.
É como voto.
Desembargador Federal MARCELO ALBERNAZ
Relator

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 03 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1005790-50.2023.4.01.9999
APELANTE: JANDIRA DIAS DE AGUIAR
Advogado do(a) APELANTE: LUCAS FRATARI DA SILVEIRA TAVARES - MT11445-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. SEGURADO ESPECIAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL INSUFICIENTE. REGISTRO DE VÍNCULO URBANO. IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS MAJORADOS. APELAÇÃO PREJUDICADA.
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A concessão do benefício de aposentadoria por idade rural requer a comprovação de que o segurado exerceu atividade rural pelo tempo necessário à carência prevista na legislação (art. 48, §§ 1º e 2º, e art. 142 da Lei nº 8.213/91).
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A qualidade de segurado especial pode ser comprovada por início de prova material, corroborada por prova testemunhal idônea, conforme a jurisprudência pacificada do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
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No caso concreto, embora a parte autora tenha apresentado documentos que poderiam configurar início de prova material, tais como certidões e documentos do cônjuge lavrador, constatou-se a existência de vínculos urbanos, tanto do cônjuge quanto da própria autora, em períodos que descaracterizam a condição de segurada especial.
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O exercício de atividades urbanas pela autora e pelo cônjuge, além da existência de empresa em nome do esposo, descaracterizam o regime de economia familiar, conforme o Tema 533 do STJ.
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A prova exclusivamente testemunhal não é suficiente para comprovar o exercício da atividade rural, conforme disposto no art. 55, § 3º da Lei nº 8.213/91 e na Súmula 149 do STJ.
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Em casos de ausência de prova material suficiente, o processo deve ser extinto sem resolução do mérito, conforme a tese firmada no Tema 629 do STJ.
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Honorários advocatícios majorados em R$2.000,00 (dois mil reais), além do valor já fixado pelo juízo de origem, nos termos do art. 85, § 11, do CPC. Suspensa a exigibilidade em caso de concessão da gratuidade da justiça.
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Processo extinto sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, IV do CPC.
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Apelação prejudicada.
Tese de julgamento:
"1. O vínculo urbano do segurado ou de seu cônjuge, concomitante com o período de carência, pode descaracterizar a condição de segurado especial para fins de concessão de aposentadoria rural por idade."
Legislação relevante citada:
Lei nº 8.213/91, art. 48, §§ 1º e 2º; art. 55, § 3º; art. 106
Código de Processo Civil (CPC), art. 85, § 11
Jurisprudência relevante citada:
STJ, REsp 1.719.021/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 23/11/2018
STJ, REsp 1.352.721, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Corte Especial, DJe 28/4/2016 (Tema 629)
ACÓRDÃO
Decide a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, extinguir o processo, de ofício, sem resolução do mérito, e julgar prejudicada a apelação, nos termos do voto do Relator.
Brasília/DF.
Desembargador Federal MARCELO ALBERNAZ
Relator
