
POLO ATIVO: MARIA PEREIRA
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: FELIPE SOARES DIAS FREITAS - PI12455-A e EDINA GOMES VIEIRA - PI10154
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR(A):JOAO LUIZ DE SOUSA
Gab. 06 - DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO LUIZ DE SOUSA
Processo Judicial Eletrônico
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação interposta pela parte autora em desfavor de sentença que julgou improcedente o pedido de concessão do benefício de aposentadoria rural por idade.
Nas razões de recurso, a parte autora alegou, em síntese, que os documentos apresentados servem como início de prova material, que aliados à prova testemunhal produzida, confirmam a atividade rurícola exercida no período de carência.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 6 - DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO LUIZ DE SOUSA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1005710-52.2024.4.01.9999
VOTO
O EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO LUIZ DE SOUSA (RELATOR):
Presentes os pressupostos de admissibilidade, recebo a apelação do INSS nos efeitos devolutivo e suspensivo (art. 1012 do CPC).
Os requisitos para a concessão de aposentadoria por idade de trabalhador rural estão dispostos no art. 48, §§ 1º e 2º, da Lei 8.213/91, quais sejam: contar com 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher, e 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondentes à carência do benefício pretendido.
Na forma do entendimento jurisprudencial do STJ, é desnecessária a contemporaneidade da prova material durante todo o período em que se pretende comprovar o exercício de atividade rural, devendo haver, no entanto, ao menos um início razoável de prova material contemporânea aos fatos alegados, desde que complementada mediante depoimentos de testemunhas. A propósito: STJ, REsp 1.466.842/PR, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJe de 27/03/2018; AREsp n. 1.550.603/PR, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 3/10/2019, DJe de 11/10/2019 e AgInt no AREsp n. 1.763.886/MT, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 14/8/2023, DJe de 21/8/2023.
Com efeito, no caso presente, a parte autora conta com a idade mínima exigida para a obtenção do benefício, conforme comprovam os documentos pessoais acostados aos autos, eis que completou 55 anos em 2010.
No tocante à prova do labor rural, cumpre registrar que o eg. Superior Tribunal de Justiça adotou, em matéria previdenciária, a solução pro misero, dada a notória dificuldade dos trabalhadores rurais em comprovar todo o período de atividade.
Assim sendo, não há um rol taxativo dos documentos necessários, sendo possível aceitar como início razoável de prova material documentos públicos como, por exemplo, Certidão de Casamento, Certidão de Óbito do cônjuge, Certidão de Nascimento de filhos, Certificado de Reservista etc, nos quais esteja especificada a profissão da parte autora ou de seu cônjuge como trabalhador rural.
Neste sentido o entendimento manifestado no julgamento REsp 267.355/MS, relatado pelo Ministro Jorge Scartezzini, publicado no DJ 20.11.2000, do seguinte teor: “A qualificação profissional de lavrador ou agricultor do marido, constante dos assentamentos de registro civil, é extensível à esposa, e constitui indício aceitável de prova material do exercício da atividade rural...”.
Muito embora a jurisprudência tenha flexibilizado o posicionamento no tocante aos documentos que podem servir como início de prova documental, a jurisprudência já firmou entendimento de que não possuem integridade probante documentos confeccionados em momento próprio ao ajuizamento da ação ou ao implemento do requisito etário, produzidos tão somente com o intuito de servir como meio de prova em ações de índole previdenciária. Não são aceitos como início de prova material, assim, certidões de cartório eleitoral com anotação da profissão da parte autora, prontuários médicos, certidões relativas à filiação à sindicatos de trabalhadores rurais etc contemporâneos ao ajuizamento da ação.
Saliente-se, ainda, que documentos que, em regra são aceitos como início de prova documental, como certidões de casamento com anotação da profissão da parte autora ou de seu cônjuge, podem ter sua eficácia afastada pelo conjunto probatório dos autos, nos casos em que comprovada a existência de vínculos urbanos de longa duração da parte ou de seu cônjuge, o que ilide a condição de trabalhador rural em regime de economia familiar ou quando demonstrada a condição de produtor rural de relevante quilate, que não se coaduna com a pretensa vulnerabilidade social do trabalhador nas lides campesinas.
O Juízo a quo julgou improcedente o pedido da autora por falta de prova material no período de carência.
Na hipótese, a parte autora cumpriu o requisito etário, eis que completou 55 anos em 2010 (nascimento em 09/06/1955), devendo comprovar 174 meses de exercício de atividade rural (art. 142 da Lei 8.213/91) para a subsistência no período imediatamente anterior ao implemento do requisito etário (09/06/2010 – carência de 1995 a 2010) ou 180 meses anterior à data do requerimento administrativo (06/04/2022 – carência de 2007 a 2022). Na hipótese, os documentos carreados aos autos pela autora representam início razoável de prova material para a comprovação da sua qualidade de segurada especial: cadastro no Cadúnico, em 2022, constando sua ocupação como trabalhadora rural; ficha institucional assinada e carimbada por agente comunitário de saúde, datada de 2022, constando a ocupação da autora como agricultora; registro de compra de terra rural pelo marido da autora, em 1973 – no documento o marido da autora está qualificado como lavrador; certidão de casamento, ocorrido, em 1974, no lugar de Japecanga (zona rural do município de Cristino Castro); certidão de óbito do marido da autora, ocorrido, em 1983, no lugar de Japecanga (zona rural do município de Cristino Castro); percebimento de pensão por morte rural do marido falecido com DIB em 1983.
As provas testemunhais produzidas, juntamente com o depoimento pessoal da autora, são uníssonas em provar que a autora exerceu, e ainda exerce, atividade rural de subsistência. A testemunha Zezito asseverou conhecer a autora desde 1981, trabalhando na carranca, juntamente com seu marido; que a autora se afastou das lides rurais, entre 98 e 99, pois foi residir em Brasília; que no retorno, a autora foi viver em Alvorada e passou a trabalhar na roça dele e na de um vizinho. A testemunha Fátima informa conhecer a autora desde 2000, pois é sua vizinha em Alvorada. Que desde então, a autora trabalha em atividades agrícolas; que nunca trabalhou na cidade, na Prefeitura ou fazendo limpezas; que o filho dela, às vezes, vai com ela para ajudar na roça; que a autora trabalha nas terras do marido da testemunha, que é colono do Dnocs, ou para o Zezito. Tais provas são harmônicas com a prova material apresentada.
Assim sendo, demonstrado o efetivo trabalho rural pelas provas apresentadas, deve ser reconhecido o direito à obtenção do benefício de aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo vigente em cada competência.
DAS QUESTÕES ACESSÓRIAS
a) O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo e, na sua ausência, a partir da citação da ré. Fixo a DIB na DER.
b) A prescrição, no caso, atinge as prestações anteriores a cinco anos da data em que deveriam ter sido pagas, conforme regra do parágrafo único do art. 103 da Lei 8.213/91.
c) Juros moratórios e correção monetária nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal.
d) Saliento que eventual determinação de pagamento das parcelas vencidas de uma só vez não exclui a adoção do procedimento legal previsto para sua cobrança (§§ 1º e 2º do art. 100 da Constituição Federal).
e) Honorários advocatícios em favor da parte autora, fixando-se em 10% (dez por cento) sobre o valor das diferenças vencidas até a data da prolação deste acórdão, a teor do disposto no art. 85, §§ 2º e 3º e 11 do CPC.
f) Nos feitos processados perante a Justiça Estadual, no exercício de jurisdição federal, o INSS é isento do pagamento de custas (inclusive despesas com oficial de justiça) quando prevista a referida isenção em lei estadual específica, a exemplo do que ocorre nos Estados do Acre, Tocantins, Minas Gerais, Goiás, Rondônia, Mato Grosso e Piauí.
g) Insta considerar, por oportuno, que a eventual aplicação prévia de multa diária contra a Fazenda Pública, afigura-se plausível apenas na hipótese de comprovada recalcitrância do ente público no cumprimento do comando relativo à implantação ou restabelecimento do benefício previdenciário.
Posto isso, dou provimento à apelação e reformo a sentença, condenando o INSS a conceder à parte-autora o benefício da aposentadoria rural por idade.
É como voto.
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 6 - DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO LUIZ DE SOUSA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1005710-52.2024.4.01.9999
APELANTE: MARIA PEREIRA
Advogados do(a) APELANTE: EDINA GOMES VIEIRA - PI10154, FELIPE SOARES DIAS FREITAS - PI12455-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. RURÍCOLA. IDADE E ATIVIDADE RURAL COMPROVADAS. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADO POR PROVA TESTEMUNHAL.
1. Os requisitos para a concessão de aposentadoria por idade de trabalhador rural estão dispostos no art. 48, §§ 1º e 2º, da Lei 8.213/91, quais sejam: contar com 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher, e 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondentes à carência do benefício pretendido
2. Na hipótese, a parte autora cumpriu o requisito etário, eis que completou 55 anos em 2010 (nascimento em 09/06/1955), devendo comprovar 174 meses de exercício de atividade rural (art. 142 da Lei 8.213/91) para a subsistência no período imediatamente anterior ao implemento do requisito etário (09/06/2010 – carência de 1995 a 2010) ou 180 meses anterior à data do requerimento administrativo (06/04/2022 – carência de 2007 a 2022). Na hipótese, os documentos carreados aos autos pela autora representam início razoável de prova material para a comprovação da sua qualidade de segurada especial: cadastro no Cadúnico, em 2022, constando sua ocupação como trabalhadora rural; ficha institucional assinada e carimbada por agente comunitário de saúde, datada de 2022, constando a ocupação da autora como agricultora; registro de compra de terra rural pelo marido da autora, em 1973 – no documento o marido da autora está qualificado como lavrador; certidão de casamento, ocorrido, em 1974, no lugar de Japecanga (zona rural do município de Cristino Castro); certidão de óbito do marido da autora, ocorrido, em 1983, no lugar de Japecanga (zona rural do município de Cristino Castro); percebimento de pensão por morte rural do marido falecido com DIB em 1983.
3. As provas testemunhais produzidas, juntamente com o depoimento pessoal da autora, são uníssonas em provar que a autora exerceu, e ainda exerce, atividade rural de subsistência. A testemunha Zezito asseverou conhecer a autora desde 1981, trabalhando na carranca, juntamente com seu marido; que a autora se afastou das lides rurais, entre 98 e 99, pois foi residir em Brasília; que no retorno, a autora foi viver em Alvorada e passou a trabalhar na roça dele e na de um vizinho. A testemunha Fátima informa conhecer a autora desde 2000, pois é sua vizinha em Alvorada. Que desde então, a autora trabalha em atividades agrícolas; que nunca trabalhou na cidade, na Prefeitura ou fazendo limpezas; que o filho dela, às vezes, vai com ela para ajudar na roça; que a autora trabalha nas terras do marido da testemunha, que é colono do Dnocs, ou para o Zezito. Tais provas são harmônicas com a prova material apresentada.
4. Demonstrado o efetivo trabalho rural pelas provas apresentadas, deve ser reconhecido o direito à obtenção do benefício de aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo vigente em cada competência. Fixa-se a DIB na DER.
5. Honorários advocatícios em favor da parte autora, fixando-se em 10% (dez por cento) sobre o valor das diferenças vencidas até a data da prolação deste acórdão, a teor do disposto no art. 85, §§ 2º e 3º e 11 do CPC.
6. Apelação provida, nos termos do item 4.
ACÓRDÃO
Decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do voto do relator.
Brasília - DF.
ASSINADO DIGITALMENTE
Desembargador Federal João Luiz de Sousa
Relator