
POLO ATIVO: MARIA RAIMUNDA SOARES DE SOUZA LUZ
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: EUDES ROMAR VELOSO DE MORAIS SANTOS - TO4336-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR(A):RUI COSTA GONCALVES

Gab. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
R E L A T Ó R I O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pela parte autora em face de sentença que julgou improcedente o pedido de concessão do benefício previdenciário de aposentadoria rural por idade.
Em suas razões recursais, a apelante arguiu ter comprovado a sua qualidade de segurada especial com o início de prova material corroborada por prova testemunhal produzida nos autos. Requereu a reforma da sentença para que seja julgado procedente o pedido inicial.
Sem contrarrazões do INSS.
É o relatório.

Processo Judicial Eletrônico
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
V O T O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES (RELATOR):
Pressupostos e recebimento da apelação
Presente os pressupostos de admissibilidade, recebo a apelação em seu duplo efeito, nos termos dos arts. 1.011 e 1.012, ambos do CPC.
O efeito devolutivo da apelação consagra o princípio tantum devolutum quantum appellatum e transfere ao Tribunal apenas o exame da matéria impugnada no recurso, nos termos dos arts. 1.002 e 1.013 do CPC/2015.
Requisitos jurídicos
Os requisitos para a concessão de aposentadoria por idade de trabalhador rural estão dispostos no art. 48, §§ 1º e 2º, da Lei 8.213/91, quais sejam: contar com 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher, e 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondentes à carência do benefício pretendido.
Além disso, a concessão do benefício independe do recolhimento de contribuição previdenciária, nos termos do art. 26, III c/c art. 39, da Lei 8.213/91; porém, quanto ao tempo de exercício de atividade rural, exige-se início razoável de prova material, completada por prova testemunhal idônea, não se admitindo, portanto, prova meramente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito (art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, Súmulas 149 e 27 do STJ e TRF da 1ª Região, respectivamente).
Conquanto inadmissível a prova exclusivamente testemunhal (STJ, Súmula 149; TRF-1ª Região, Súmula 27), não é necessário que a prova documental cubra todo o período de carência, podendo ser “projetada” para tempo anterior ou posterior ao que especificamente se refira, desde que contemporânea à época dos fatos a provar (TNU, Súmula 34).
É pacífica a jurisprudência do STJ e desta Corte no sentido de que o rol do art. 106 da Lei 8.213/91 é meramente exemplificativo (STJ AgRG no REsp 1073730/CE), sendo admissíveis, portanto, outros documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, além dos ali previstos.
Não configuram início de prova material os documentos confeccionados em momento próximo ao ajuizamento da ação ou ao implemento do requisito etário e demais provas que não trazem a segurança jurídica necessária à concessão do benefício.
Da situação tratada
A parte autora alega, em síntese, que interpôs requerimento administrativo em 13/3/2017 (rolagem única Pje/TRF-1, p. 47/48) sendo este indeferido pela Autarquia Previdenciária.
Conforme documento apresentado pela parte autora (rolagem única Pje/TRF-1, p. 67) constata-se que o requisito de idade mínima foi atendido em 23/6/2015, pois contava com idade superior à exigida quando do ajuizamento da ação (nascida em 23/6/1960).
O início de prova material deve ser contemporâneo aos fatos e abranger, pelo menos parcela do período de carência legal, que, na situação tratada é de 180 meses, nos termos do art. 142 e 143, ambos da Lei 8.213/91, podendo tal indício ter seus efeitos ampliados para período anterior ou posterior, a depender do conjunto probatório apresentado (demais documentais e provas testemunhais).
Assim, a parte autora deve apresentar início de prova material que demonstre o exercício de labor rural, ainda que descontínuo, em pelo menos parcela dos 180 meses anteriores ao implemento etário ou ao requerimento administrativo. Portanto, o início de prova material a ser comprovado deve abranger parte da carência, que, na situação é de 2000 a 2015 (considerando o implemento do requisito etário, hipótese passível de configuração do instituto do direito adquirido) ou 2002 a 2017 (levando em consideração o requerimento administrativo).
Os documentos apresentados pela parte autora, em seu intuito de demonstrar o início de prova material de exercício de atividade campesina, foram, dentre outros, os seguintes:
a) declaração do proprietário da terra (3/2017);
b) certidão de nascimento do filho Sérgio Souza Luiz (1991), contendo o registro de qualificação profissional do genitor como lavrador;
c) certidão de nascimento da filha Adriana Souza Luiz (1992), contendo o registro de qualificação profissional do genitor como lavrador;
d) certidão de nascimento da filha Adrieni Souza Luiz (2/2000), contendo o registro de qualificação profissional do genitor como lavrador;
e) certidão de casamento (12/2000), com registro de qualificação profissional do cônjuge da autora como vaqueiro;
f) recibo de inscrição de imóvel rural no CAR em nome do cônjuge da autora (cadastro em 2016); e
g) termo de outorga de título definitivo de transmissão de domínio pelo INCRA a terceiro.
Em análise da documentação anexada, verifica-se que a parte autora não logrou êxito em comprovar o início de prova material perseguido, pois as provas trazidas apresentam as seguintes características: são extemporâneas (itens 'a', 'b', 'c' e 'd') pois se referem a momentos ocorridos fora do período de carência, ou não revestidas de formalidades suficientes a ensejar segurança jurídica (itens 'f'), ou produzidas próximo ao ajuizamento da ação ou implemento do requisito etário (itens ‘e’). Ressalta-se que a ausência de registro de vínculos no CNIS da parte autora não prova o labor rural, mas tão somente a ausência de registros.
Os documentos anexados pela parte autora estão em nome de seu cônjuge, tendo o INSS juntado aos autos o CNIS dele (rolagem única Pje/TRF-1, p. 17/24) em que consta a existência de vínculos laborais urbanos, por período considerável da carência legal exigida, situação apta a afastar a eficácia probatória pretendida. Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADOR RURAL. DESCARACTERIZAÇÃO. AGRAVO RETIDO. RITO SUMÁRIO. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. VÍNCULOS URBANOS. PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL. IMPOSSIBILIDADE. 1. Admite-se o processamento de ações relativas à concessão de aposentadoria por idade de trabalhador rural pelo procedimento sumário. Precedentes desta Corte. 2. Para a aposentadoria de rurícola, a lei exige idade mínima de 60 (sessenta) anos para o homem e 55 (cinquenta e cinco) anos para a mulher, requisito que, in casu, está comprovado nos autos. 3. Ausência de comprovação do exercício de atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício (art. 48, §§ 1º e 2º, da Lei n. 8.213/91), tendo em vista que consta dos autos documentos (CNIS - Cadastro Nacional de Informações Sociais) no sentido de que o cônjuge da autora exerceu atividades tipicamente urbanas por período considerável, ocasionando a impossibilidade de concessão do benefício pleiteado, uma vez que apresentou documentos em nome do marido, e o único, em nome da autora, não é contemporâneo aos fatos alegados. 4. A juntada de documentos pelo INSS na fase recursal não gera preclusão, uma vez que não houve ofensa ao devido processo legal e a parte teve a oportunidade de se manifestar após a sua juntada. 5. Não se admite prova exclusivamente testemunhal para a comprovação do exercício de atividade rural (Súmulas 149/STJ e 27/TRF da 1ª Região). 6. Agravo retido não provido. 7. Apelação do INSS e remessa oficial providas.
(AC 0002098-31.2006.4.01.9199, JUÍZA FEDERAL ANAMARIA REYS RESENDE (CONV.), TRF1 - SEGUNDA TURMA, e-DJF1 06/08/2009 PAG 270.)
Cabe salientar que, ausente início de prova material, não se admite prova meramente testemunhal, a teor do disposto nas Súmulas 149 do STJ e 27 do TRF da 1ª Região, razão pela qual não podem ser considerados, para concessão do benefício, apenas os depoimentos prestados (AgRg no REsp 944.486/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJe de 24/11/2008).
A conclusão que se impõe é a de que fica descaracterizada, na espécie, a condição de rurícola da parte autora, uma vez que não configurado o trabalho rural em regime de economia familiar, com mútua dependência entre os membros da família, por todo o período de carência, nos termos do art. 142 da Lei 8.213/91.
Segundo a orientação do e. Superior Tribunal de Justiça, em julgamento sob a sistemática dos recursos repetitivos, “a ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários a tal iniciativa" (REsp 1.352.721, Tema 629).
Diante da ausência do requisito legal da prova da qualidade de segurada da parte autora, não é possível a concessão do benefício pleiteado. Portanto, deve ser reformada a sentença que julgou improcedente o pedido, para extinguir o processo, sem resolução de mérito, conforme entendimento do STJ no precedente citado.
Conclusão
Ante o exposto, de ofício, extingo o processo, sem resolução do mérito, e julgo prejudicada a apelação da parte autora.
É o voto.

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
GAB. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1012939-34.2022.4.01.9999
PROCESSO REFERÊNCIA: 0005196-49.2018.8.27.2731
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
RECORRENTE: MARIA RAIMUNDA SOARES DE SOUZA LUZ
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADOR RURAL. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL. IMPOSSIBILIDADE DA PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL. PERÍODO DE CARÊNCIA NÃO CONFIGURADO. SENTENÇA REFORMADA, DE OFÍCIO. EXTINÇÃO DO PROCESSO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PREJUDICADA.
1. A concessão do benefício de aposentadoria rural por idade exige a demonstração do trabalho rural, cumprindo-se o prazo de carência previsto no artigo 142 da Lei n. 8.213/91, mediante início razoável de prova material, corroborada com prova testemunhal, ou prova documental plena. Como requisito etário, exige-se a idade superior a 60 anos para homem e 55 anos para mulher (artigo 48, § 1º da Lei de Benefícios).
2. Na situação, o implemento etário ocorreu em 2015. A carência legal, por sua vez, é de 180 meses. A parte autora, em seu intuito de demonstrar o início de prova material de exercício de atividade campesina, anexou aos autos os seguintes documentos: a) declaração do proprietário da terra (3/2017); b) certidão de nascimento do filho Sérgio Souza Luiz (1991), contendo o registro de qualificação profissional do genitor como lavrador; c) certidão de nascimento da filha Adriana Souza Luiz (1992), contendo o registro de qualificação profissional do genitor como lavrador; d) certidão de nascimento da filha Adrieni Souza Luiz (2/2000), contendo o registro de qualificação profissional do genitor como lavrador; e) certidão de casamento (12/2000), com registro de qualificação profissional do cônjuge da autora como vaqueiro; f) recibo de inscrição de imóvel rural no CAR em nome do cônjuge da autora (cadastro em 2016); e g) termo de outorga de título definitivo de transmissão de domínio pelo INCRA a terceiro.
3. O conjunto probatório revela o cumprimento do requisito etário, porém, mesma sorte não teve o início de prova material de exercício de atividade campesina, pois as provas anexadas aos autos são extemporâneas ou não revestidas de formalidade suficientes à ensejar segurança jurídica.
4. Ausente início de prova material, não se admite prova meramente testemunhal, a teor do disposto nas Súmulas 149 do STJ e 27 do TRF da 1ª Região, razão pela qual não podem ser considerados, para concessão do benefício, apenas os depoimentos prestados (AgRg no REsp 944.486/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJe de 24/11/2008).
5. Fica descaracterizada, na espécie, a condição de rurícola da parte autora, uma vez que não configurado o trabalho rural em regime de economia familiar, com mútua dependência entre os membros da família, por todo o período de carência, nos termos do art. 142 da Lei 8.213/91.
6. A orientação do STJ, em recurso repetitivo, é a de extinção do processo, sem resolução de mérito, quando ausente o conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, possibilitando ao autor intentar novamente a ação (Tema 629, REsp 1.352.721).
7. Ausência do preenchimento dos requisitos da Lei 8.213/91, inviável reconhecer o direito da parte autora à concessão do benefício de aposentadoria rural por idade pleiteado.
8. Processo extinto, sem resolução do mérito, em razão da ausência de início de prova material suficiente para o reconhecimento da qualidade de segurado; apelação da parte autora prejudicada.
A C Ó R D Ã O
Decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, extinguir, de ofício, o processo, sem resolução de mérito e julgar prejudicada a apelação, nos termos do voto do Relator.
Brasília, data da assinatura eletrônica.
Desembargador Federal RUI GONÇALVES
Relator
