
POLO ATIVO: ANTONIA SILVINO DA CONCEICAO
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: RENATO DIAS GOMES - MA11483-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
RELATOR(A):RUI COSTA GONCALVES

Gab. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
R E L A T Ó R I O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES (RELATOR):
Trata-se de recurso de apelação interposto pela parte autora, Sra. ANTONIA SILVINO DA CONCEIÇÃO, em face de sentença que julgou improcedente o pedido de aposentadoria por idade de trabalhadora rural.
Em suas razões, a apelante sustenta, em síntese, que as provas apresentadas são suficientes para comprovação de trabalho rural pelo período de carência legal e que sua qualidade de segurada especial não pode ser afastada em razão do fato de um dos integrantes do grupo familiar possuir vínculos laborais de natureza urbana. Afirma que a renda do companheiro sempre correspondeu a um salário mínimo e que ele também trabalhava na lavoura, tendo, inclusive, sua carteira trabalhista devidamente anotada.
Requer a reforma da sentença, bem como o pagamento das prestações retroativas à data do requerimento administrativo.
Com contrarrazões.
É o relatório.

Processo Judicial Eletrônico
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
V O T O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES (RELATOR):
Pressupostos e recebimento da apelação
Presente os pressupostos de admissibilidade, recebo a apelação em seu duplo efeito, nos termos dos arts. 1.011 e 1.012, ambos do CPC.
O efeito devolutivo da apelação consagra o princípio tantum devolutum quantum appellatum e transfere ao Tribunal apenas o exame da matéria impugnada no recurso, nos termos dos arts. 1.002 e 1.013 do CPC/2015.
Dos pressupostos jurídicos necessários para concessão da aposentadoria rural por idade
A concessão do benefício pleiteado pela parte autora exige a demonstração do trabalho rural, cumprindo-se o prazo de carência previsto no art. 142 da Lei n. 8.213/91, mediante início razoável de prova material, corroborada com prova testemunhal, ou prova documental plena. Como requisito etário, exige-se a idade de 60 anos para homem e 55 anos para mulher (art. 48, § 1º, da Lei de Benefícios).
Conquanto inadmissível a prova exclusivamente testemunhal (STJ, Súmula 149; TRF-1ª Região, Súmula 27), não é necessário que a prova documental cubra todo o período de carência, podendo ser “projetada” para tempo anterior ou posterior ao que especificamente se refira, desde que contemporânea à época dos fatos a provar (TNU, Súmula 34).
A jurisprudência pátria, considerando a situação peculiar do trabalhador rural e a dificuldade encontrada para se comprovar a atividade rural, em qualquer de suas formas, permite que outros documentos (dotados de fé pública), não especificados em lei, sejam considerados para fins de concessão do benefício previdenciário.
Ademais, é pacífica a jurisprudência do STJ e desta Corte no sentido de que o rol do art. 106 da Lei 8.213/91 é meramente exemplificativo (STJ AgRG no REsp 1073730/CE), sendo admissíveis, portanto, outros documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, além dos ali previstos.
Consoante jurisprudência do colendo Superior Tribunal de Justiça: “os documentos trazidos aos autos pelo autor, caracterizados como início de prova material, podem ser corroborados por prova testemunhal firme e coesa, e estender sua eficácia tanto para períodos anteriores como posteriores aos das provas apresentadas.” (REsp 1.642.731/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 30/06/2017).
Além disso, ressalte-se o teor da Súmula 577 do Superior Tribunal de Justiça: “É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob contraditório.”
Também não há necessidade de contemporaneidade da prova material em relação a todo o período do exercício da atividade rural que se pretende provar. No entanto, deve haver ao menos um início razoável de prova material contemporânea aos fatos alegados, desde que complementada por prova testemunhal. Assim, conquanto inadmissível a prova exclusivamente testemunhal (STJ, Súmula 149; TRF-1ª Região, Súmula 27), não é necessário que a prova documental cubra todo o período de carência, podendo ser “projetada” para tempo anterior ou posterior ao que especificamente se refira, desde que contemporânea à época dos fatos a provar (TNU, Súmula 34).
Da situação tratada
A autora alega, em síntese, que propôs requerimento administrativo em 20/9/2017 (rolagem única PJe/TRF-1 – p. 168) sendo este indeferido pela Autarquia Previdenciária.
Conforme documento apresentado pela parte autora (rolagem única PJe/TRF-1 – p. 14) constata-se que o requisito de idade mínima foi atendido em 15/9/2017 (nascida em 15/9/1962).
O início de prova material deve ser contemporâneo aos fatos e abranger, pelo menos parcela do período de carência legal, que, na situação tratada, é de 180 meses, nos termos do art. 142 e 143, ambos da Lei 8.213/91, podendo tal indício ter seus efeitos ampliados para período anterior ou posterior, a depender do conjunto probatório apresentado (demais documentais e provas testemunhais).
Assim, a parte autora deve apresentar início de prova material que demonstre o exercício de labor rural, ainda que descontínuo, em pelo menos parcela dos 180 meses anteriores ao implemento etário ou ao requerimento administrativo. Portanto, o início de prova material a ser comprovado deve abranger parte da carência, que, na situação é de 2002 a 2017.
Os documentos apresentados pela parte autora, em seu intuito de demonstrar o início de prova material de exercício de atividade campesina, foram, dentre outros, os seguintes:
a) certidão de inteiro teor de casamento (celebrado em 2011), constando o registro da qualificação profissional da autora como lavradeira (certidão emitida em 29 de agosto de 2017);
b) declaração de exercício de atividade rural emitida pelo Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de João Lisboa-MA, declarando o exercício de atividade rural pela autora na qualidade de segurada especial no período compreendido entre 5/9/1999 e 15/9/2017 (emitida em 4 de dezembro de 2017);
c) declaração do proprietário da terra (emitida em 15 de setembro de 2017), documentos comprobatórios de propriedade e recolhimentos do respectivo ITR;
d) certidão de inteiro teor referente ao nascimento de filha da autora, constando a profissão do cônjuge da requerente como lavrador (nascimento ocorrido em 1990 e certidão emitida em 29 de agosto de 2017);
e) certidões eleitoral constando a qualificação profissional da autora e de seu cônjuge como trabalhador rural (ambas emitidas na mesma data: em 24 de agosto de 2017);
f) ficha de matrícula escolar do filho da autora, contendo a qualificação profissional de ambos os genitores como lavradores (referentes aos anos de 2008 a 2011);
g) carteira de filiação expedida pelo Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de João Lisboa-MA (admissão em 2010) e recolhimentos de contribuições referentes a períodos pretéritos (porém tais recolhimentos se deram somente em 2017); e
h) CTPS sem anotações de vínculos laborais.
Em análise da documentação anexada, verifica-se que a parte autora embora tenha apresentado documentos que, a princípio, configurariam início de prova material, verifica-se que diversos desses documentos foram produzidos próximo ao implemento do requisito etário, o que afasta a eficácia de tais documentos para os fins probatórios almejados pela autora. Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA. SEGURADO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. BENEFÍCIO INDEVIDO. PRECEDENTES. APELAÇÃO DO INSS PROVIDA. 1. A controvérsia central reside quanto ao preenchimento dos requisitos autorizadores para o benefício de auxílio por incapacidade temporária. 2. Os requisitos indispensáveis para a concessão do benefício previdenciário de auxílio-doença/aposentadoria por invalidez são: a) a qualidade de segurado; b) a carência de 12 (doze) contribuições mensais, salvo nas hipóteses previstas no art. 26, II, e 39, I, da Lei 8.213/91; c) incapacidade para o trabalho ou atividade habitual por mais de 15 dias ou, na hipótese da aposentadoria por invalidez, incapacidade (permanente e total) para atividade laboral. O que diferencia ambos os benefícios são o nível da incapacidade e a possibilidade de reabilitação. 3. Quanto à comprovação da qualificação como segurado especial, a parte autora juntou documentos do sindicato de trabalhadores rurais, comprovante de residência rural, declarações de lojistas de que a parte autora é cliente da loja e é lavrador de 2019, escritura pública de compra e venda de imóvel rural em que consta como vendedor do bem em 1980 e declaração de vínculo rural como meeiro do proprietário de terras de 2018. 4. No entanto, não são considerados como início de prova material da atividade campesina, conforme jurisprudência pacífica desta Corte: a) documentos confeccionados em momento próximo do ajuizamento da ação ou do implemento do requisito etário; b) declaração de exercício de atividade, desprovida de homologação pelo órgão competente, a qual se equipara a prova testemunhal; c) carteira de sindicato e demais provas que não trazem segurança jurídica necessária à concessão do benefício. 5. Assim, ante a ausência de documentos que demonstrem a atividade rural da parte autora, não ficou caracterizada a sua condição de trabalhador rural e não se reconhece, portanto, sua condição de segurado especial, e consequentemente o direito ao benefício de auxílio por incapacidade temporária. 6. A coisa julgada na espécie deve produzir efeitos secundum eventum litis, de forma que, demonstrando a parte autora, em momento posterior, o atendimento dos requisitos, poderá postular a aposentadoria almejada. 7. Apelação do INSS provida.
(AC 1001115-78.2022.4.01.9999, DESEMBARGADORA FEDERAL CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM, TRF1 - SEGUNDA TURMA, PJe 18/09/2023 PAG.)
Ainda, o INSS anexou aos autos o CNIS do cônjuge da autora (rolagem única PJe/TRF-1 – p. 123) contendo o registro de diversos vínculos laborais urbanos (no período compreendido entre 1984 e 2017, de modo intermitente), situação que afasta a essencialidade do alegado labor rural para o regime de subsistência familiar. Não obstante a apelante tenha argumentado que o labor desempenhado por seu cônjuge seja rural e que sua renda gira em torno de R$ 900,00 (novecentos reais), não fez prova de tais alegações, não cumprindo o seu ônus probatório, nos termos do art. 373, I, do CPC.
Cabe salientar que, ausente início de prova material, não se admite prova meramente testemunhal, a teor do disposto nas Súmulas 149 do STJ e 27 do TRF da 1ª Região, razão pela qual não podem ser considerados, para concessão do benefício, apenas os depoimentos prestados (AgRg no REsp 944.486/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJe de 24/11/2008).
A conclusão que se impõe é a de que fica descaracterizada, na espécie, a condição de rurícola da parte autora, uma vez que não configurado o trabalho rural em regime de economia familiar, com mútua dependência entre os membros da família, por todo o período de carência, nos termos do art. 142 da Lei 8.213/91.
Diante da ausência do requisito legal da prova da qualidade de segurada da parte autora, não é possível a concessão do benefício pleiteado. Portanto, deve ser mantida a sentença que julgou improcedente o pedido.
Dos honorários recursais
Nos termos do julgamento do REsp n. 1865663/PR, que tramitou sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.059 do STJ), a majoração dos honorários de sucumbência pressupõe que o recurso tenha sido integralmente desprovido, como no caso dos autos, desse modo, conforme disposição o art. 85, § 11, do CPC, os quais ficam suspensos em caso de deferimento da gratuidade de justiça, nos termos do art. 98, §§ 2º e 3º do CPC/2015.
Conclusão
Ante o exposto, nego provimento à apelação da parte autora.
É o voto.

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
GAB. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1017814-81.2021.4.01.9999
PROCESSO REFERÊNCIA: 0801068-52.2018.8.10.0038
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
APELANTE: ANTONIA SILVINO DA CONCEICAO
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADOR RURAL. DOCUMENTOS PRODUZIDOS PRÓXIMO AO IMPLEMENTO DO REQUISITO ETÁRIO. VÍNCULOS LABORAIS URBANOS DO CÔNJUGE DA AUTORA. APELAÇÃO NÃO PROVIDA.
1. A concessão do benefício pleiteado pela parte autora exige a demonstração do trabalho rural, cumprindo-se o prazo de carência previsto no art. 142 da Lei n. 8.213/91, mediante início razoável de prova material, corroborada com prova testemunhal, ou prova documental plena. Como requisito etário, exige-se a idade de 60 anos para homem e 55 anos para mulher (art. 48, § 1º, da Lei de Benefícios).
2. O reconhecimento da qualidade de segurado especial, trabalhador rural, exige o preenchimento dos requisitos fundamentais da existência de início de prova material da atividade rural exercida e a corroboração da prova oral.
3. A parte autora juntou, dentre outros, os seguintes documentos: a) certidão de inteiro teor de casamento, constando o registro da qualificação profissional da autora como lavradeira; b) declaração de exercício de atividade rural emitida por sindicato de trabalhadores rurais; c) declaração do proprietário da terra; d) certidão de inteiro teor referente ao nascimento de filha da autora, constando a profissão do cônjuge da requerente como lavrador; e) certidões eleitoral constando a qualificação profissional da autora e de seu cônjuge como trabalhador rural; f) ficha de matrícula escolar do filho da autora; g) carteira de filiação a sindicato de trabalhadores rurais e recolhimentos de contribuições referentes a períodos pretéritos e h) CTPS sem anotações de vínculos laborais.
4. Não são considerados como início de prova material da atividade campesina, documentos confeccionados em momento próximo do ajuizamento da ação ou do implemento do requisito etário.
5. Consta no CNIS do cônjuge da autora registro de vínculos laborais urbanos por quase todo o período de carência. Assim, restou ausente a comprovação de essencialidade do labor rural para os fins de subsistência familiar, bem como afastada a eficácia probatória dos documentos juntados pela autora (em nome do seu cônjuge).
6. Ausentes, portanto, elementos probatórios quanto ao desempenho de atividade rural pelo período mínimo de carência. Assim, não é possível o reconhecimento da qualidade de segurada da parte autora como trabalhadora rural em regime de economia familiar na carência exigida ao tempo do requerimento administrativo.
7. Ausência do preenchimento dos requisitos da Lei 8.213/91, inviável reconhecer o direito da parte autora à concessão do benefício pleiteado.
8. Honorários de advogado majorados em dois pontos percentuais, nos termos do art. 85, §11, do CPC/2015 e da tese fixada no Tema 1.059/STJ, os quais ficam suspensos em caso de deferimento da gratuidade de justiça, conforme art. 98, §§ 2º e 3º do CPC/2015.
9. Apelação da parte autora não provida.
A C Ó R D Ã O
Decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator.
Brasília/DF, data da assinatura eletrônica.
Desembargador Federal RUI GONÇALVES
Relator
