
POLO ATIVO: FRANCISCO DE JESUS
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: TERENCIO CAVALCANTE TONHA - BA8648-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR(A):RUI COSTA GONCALVES

Gab. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
R E L A T Ó R I O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSS em face de sentença que julgou procedente o pedido autoral de concessão do benefício previdenciário de aposentadoria rural por idade.
Em suas razões recursais, a Autarquia arguiu que a parte autora não logrou êxito em comprovar a sua qualidade de segurada especial com o início de prova material corroborada por prova testemunhal produzida nos autos. Requereu o recebimento do recurso em seu duplo efeito e a reforma da sentença para que seja julgado improcedente o pedido inicial. Subsidiariamente, pleiteou a correção da sentença quanto aos juros de mora fixado.
Com contrarrazões.
É o relatório.

Processo Judicial Eletrônico
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
V O T O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES (RELATOR):
Pressupostos e recebimento da apelação
Presente os pressupostos de admissibilidade, recebo a apelação em seu duplo efeito, nos termos dos arts. 1.011 e 1.012, ambos do CPC.
O efeito devolutivo da apelação consagra o princípio tantum devolutum quantum appellatum e transfere ao Tribunal apenas o exame da matéria impugnada no recurso, nos termos dos arts. 1.002 e 1.013 do CPC/2015.
Requisitos jurídicos
Os requisitos para a concessão de aposentadoria por idade de trabalhador rural estão dispostos no art. 48, §§ 1º e 2º, da Lei 8.213/91, quais sejam: contar com 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher, e 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondentes à carência do benefício pretendido.
Além disso, a concessão do benefício independe do recolhimento de contribuição previdenciária, nos termos do art. 26, III c/c art. 39, da Lei 8.213/91; porém, quanto ao tempo de exercício de atividade rural, exige-se início razoável de prova material, completada por prova testemunhal idônea, não se admitindo, portanto, prova meramente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito (art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, Súmulas 149 e 27 do STJ e TRF da 1ª Região, respectivamente).
Conquanto inadmissível a prova exclusivamente testemunhal (STJ, Súmula 149; TRF-1ª Região, Súmula 27), não é necessário que a prova documental cubra todo o período de carência, podendo ser “projetada” para tempo anterior ou posterior ao que especificamente se refira, desde que contemporânea à época dos fatos a provar (TNU, Súmula 34).
É pacífica a jurisprudência do STJ e desta Corte no sentido de que o rol do art. 106 da Lei 8.213/91 é meramente exemplificativo (STJ AgRG no REsp 1073730/CE), sendo admissíveis, portanto, outros documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, além dos ali previstos.
Não configuram início de prova material os documentos confeccionados em momento próximo ao ajuizamento da ação ou ao implemento do requisito etário e demais provas que não trazem a segurança jurídica necessária à concessão do benefício.
Da situação tratada
A parte autora alega, em síntese, que interpôs requerimento administrativo em à 3/4/2007 (rolagem única Pje/TRF-1, p. 59) sendo este indeferido pela Autarquia Previdenciária. Aduz que teve o benefício previdenciário concedido posteriormente, em 2012, porém, afirma serem devidas as parcelas entre a data do primeiro requerimento do benefício e a da concessão, pois entende que os requisitos jurídicos necessários para concessão da aposentadoria já estavam preenchidos em 2007.
Conforme documento apresentado pela parte autora (ID 54862532, p. 9) constata-se que o requisito de idade mínima foi atendido em 15/7/2006, pois contava com idade superior à exigida quando do ajuizamento da ação (nascida em 15/7/1946).
O início de prova material deve ser contemporâneo aos fatos e abranger, pelo menos parcela do período de carência legal, que, na situação tratada é de 150 meses, nos termos do art. 142 e 143, ambos da Lei 8.213/91, podendo tal indício ter seus efeitos ampliados para período anterior ou posterior, a depender do conjunto probatório apresentado (demais documentais e provas testemunhais).
Assim, a parte autora deve apresentar início de prova material que demonstre o exercício de labor rural, ainda que descontínuo, em pelo menos parcela dos 150 meses anteriores ao implemento etário ou ao requerimento administrativo. Portanto, o início de prova material a ser comprovado deve abranger parte da carência, que, na situação é de 1993 a 2006 (considerando o implemento do requisito etário, hipótese passível de configuração do instituto do direito adquirido) ou 1994 a 2007 (levando em consideração o requerimento administrativo).
Os documentos apresentados pela parte autora, em seu intuito de demonstrar o início de prova material de exercício de atividade campesina, foram, dentre outros, os seguintes:
a) carteira de filiação junto a sindicato de trabalhadores rurais (admissão em 2007);
b) certidão de nascimento dos filhos do autor (1969, 1988), sem registro de qualificação profissional dos genitores;
c) certidão de casamento de terceiros (2003, 2004), constando o registro de qualificação profissional dos consortes como lavradores;
d) certidão eleitoral, sem declaração de ocupação;
e) contrato particular de meação agrícola em que o autor passa a ser meeiro lavrador em parte de terreno rural, no período compreendido entre 11/8/1977 e 2/3/1983;
f) declaração do proprietário da terra;
g) ITR em nome de terceiro;
h) ITR constando o autor como contribuinte (1992 a 1997); e
i) documento de informação e atualização cadastral do ITR - DIAC (2005).
Não obstante a parte autora tenha anexado aos autos documentos que, em princípio possam consubstanciar início de prova material de exercício de atividade campesina, constata-se que, em consulta realizada por este Gabinete, consta em seu CNIS o registro de vínculo laboral urbano, por período de tempo considerável da carência (entre 1/9/199 e 7/2005), o que afasta a qualidade de segurado-especial almejada pelo autor. Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ/AUXÍLIO-DOENÇA RURAL. AUSÊNCIA DE INÍCIO RAZOÁVEL DE PROVA MATERIAL. QUALIDADE DE SEGURADO ESPECIAL. NÃO COMPROVAÇÃO. BENEFÍCIO NÃO DEVIDO. RECURSO PREJUDICADO. 1. A controvérsia central reside no preenchimento dos requisitos para a concessão dos benefícios por incapacidade rural, haja vista o Juízo a quo ter negado por entender estar ausente a qualidade de segurada especial . 2. A concessão do benefício especial de aposentadoria rural por invalidez desafia, pois, o preenchimento de dois requisitos fundamentais: a existência de início de prova material da atividade rural exercida, com a corroboração dessa prova indiciária por robusta prova testemunhal e, finalmente, a comprovação da incapacidade do segurado para o exercício de atividade laboral. 3. Cumpre registrar que o eg. Superior Tribunal de Justiça adotou, em matéria previdenciária, a solução pro misero, dada a notória dificuldade dos trabalhadores rurais em comprovar todo o período de atividade. 4. Assim sendo, não há um rol taxativo dos documentos necessários, sendo possível aceitar como início razoável de prova material documentos públicos como, por exemplo, Certidão de Casamento, Certidão de Óbito do cônjuge, Certidão de Nascimento de filhos, Certificado de Reservista etc, nos quais esteja especificada a profissão da parte autora ou de seu cônjuge como trabalhador rural. 5. Saliente-se que documentos que, em regra, são aceitos como início de prova documental, como certidões de casamento com anotação da profissão da parte autora ou de seu cônjuge, podem ter sua eficácia afastada pelo conjunto probatório dos autos como na hipótese em que comprovada a existência de vínculos urbanos de longa duração da parte ou de seu cônjuge, o que ilide a condição de trabalhador rural em regime de economia familiar ou quando demonstrada a condição de produtor rural de relevante quilate, que não se coaduna com a pretensa vulnerabilidade social do trabalhador nas lides campesinas. 6. No caso em tela, o Juízo a quo julgou improcedente o pedido autoral sob o argumento de que não há nenhuma prova suficiente para comprovar que o requerente exerceu labor rural em regime individual ou em regime de economia familiar, na condição de segurada especial. 7. Por sua vez, a parte autora não se desincumbiu de comprovar a sua qualidade de segurada especial. Não juntou aos autos documentos que, em tese, poderiam configurar início de prova material do labor rural. 8. A certidão de nascimento acostada, datada em 2019, na qual consta como profissão do pai "lavrador", bem como declaração de imóvel cedido, datado de 2019, não têm o condão, por si só, de comprovarem a atividade campesina. 9. Ademais, o art. 55, parágrafo 3º da Lei 8213-9, indica que a prova da atividade rural deve ser embasada em prova material, a ser corroborada por prova testemunhal. Esse é o entendimento do STJ, Tema 297: "a prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário"?. 10. Assim, ante a ausência de documentos que demonstrem a atividade rural do autor, não restou caracterizada a sua condição de trabalhador rural e não se reconhece, portanto, o direito ao benefício de aposentadoria rural por invalidez/auxílio-doença. 11. Processo extinto, de ofício, sem resolução do mérito, em razão da ausência de início de prova material suficiente para o reconhecimento da qualidade de segurado. 12. Apelação da parte autora prejudicada.
(AC 1045013-05.2021.4.01.0000, DESEMBARGADORA FEDERAL CANDICE LAVOCAT GALVAO JOBIM, TRF1 - SEGUNDA TURMA, PJe 24/08/2023 PAG.)
Ademais, não é possível a comprovação da atividade laborativa do trabalhador rural com base em prova exclusivamente testemunhal, nos termos da Súmula 149, do STJ.
Cumpre salientar que a atividade de trabalhador rural em regime de economia familiar pressupõe uma forma rudimentar de trabalho rural, onde os membros da família realizam trabalho indispensável à própria subsistência e mútua colaboração, conforme prescreve o art. 11, § 1º, da Lei nº 8.213/91, in verbis: "Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes".
Assim, verifica-se que o INSS apresentou provas acerca da existência de fato impeditivo, extintivo ou modificativo do direito do autor, exercendo seu ônus probatório, nos termos do art. 373, II, do CPC.
Portanto, não é possível o reconhecimento da qualidade de segurado da parte autora como trabalhador rural em regime de economia familiar na carência exigida ao tempo do requerimento administrativo.
A conclusão que se impõe é a de que fica descaracterizada, na espécie, a condição de rurícola da parte autora, uma vez que não configurado o trabalho rural em regime de economia familiar, com mútua dependência entre os membros da família, no período de carência, nos termos do art. 142 da Lei 8.213/91.
Ante o exposto, verifica-se que o autor não fazia jus ao benefício previdenciário quando da ocasião do primeiro requerimento administrativo em 3/4/2007, e, portanto, não faz jus as parcelas pretendidas.
Da modificação do quadro sucumbencial
Inverto os honorários sucumbenciais arbitrados pelo juízo a quo, a teor do disposto no art. 85, §§ 2º, 3º e 11º do CPC, suspendendo sua exigibilidade em face da gratuidade concedida à parte autora.
Honorários recursais
Nos termos do julgamento do REsp 1.864.633/RS, que tramitou sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.059 do STJ), a majoração dos honorários de sucumbência pressupõe que o recurso tenha sido integralmente desprovido ou não conhecido pelo tribunal, desse modo, não se aplica o art. 85, § 11, do CPC ao caso dos autos.
Conclusão
Ante o exposto, dou provimento à apelação do INSS para indeferir o pedido de parcelas pretéritas feito pelo autor.
É o voto.

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
GAB. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1011530-91.2020.4.01.9999
PROCESSO REFERÊNCIA: 0000218-65.2010.8.05.0227
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
APELANTE: FRANCISCO DE JESUS
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADOR RURAL. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE URBANA. LAPSO TEMPORAL CONSIDERÁVEL DA CARÊNCIA LEGAL. ESSENCIALIDADE DO LABOR RURAL AFASTADA. APELAÇÃO DO INSS PROVIDA.
1. Sentença proferida sob a égide do CPC/2015.
2. A concessão do benefício pleiteado pela parte autora exige a demonstração do trabalho rural, cumprindo-se o prazo de carência previsto no art. 142 da Lei n. 8.213/91, mediante início razoável de prova material, corroborada com prova testemunhal, ou prova documental plena. Como requisito etário, exige-se a idade de 60 anos para homem e 55 anos para mulher (art. 48, § 1º, da Lei de Benefícios).
3. Na situação, o implemento etário ocorreu em 2006. A carência legal, por sua vez, é de 150 meses. A parte autora, em seu intuito de demonstrar o início de prova material de exercício de atividade campesina, anexou aos autos os seguintes documentos: a) carteira de filiação junto a sindicato de trabalhadores rurais (admissão em 2007); b) certidão de nascimento dos filhos do autor (1969, 1988), sem registro de qualificação profissional dos genitores; c) certidão de casamento de terceiros (2003, 2004), constando o registro de qualificação profissional dos consortes como lavradores; d) certidão eleitoral, sem declaração de ocupação; e) contrato particular de meação agrícola em que o autor passa a ser meeiro lavrador em parte de terreno rural, no período compreendido entre 11/8/1977 e 2/3/1983; f) declaração do proprietário da terra; g) ITR em nome de terceiro; h) ITR constando o autor como contribuinte (1992 a 1997); e i) documento de informação e atualização cadastral do ITR - DIAC (2005).
4. Não obstante a parte autora tenha anexado aos autos documentos que, em princípio possam consubstanciar início de prova material de exercício de atividade campesina, constata-se que consta em seu CNIS o registro de vínculo laboral urbano, por período de tempo considerável da carência, o que afasta a qualidade de segurado-especial almejada pelo autor.
5. A atividade de trabalhador rural em regime de economia familiar pressupõe uma forma rudimentar de trabalho rural, onde os membros da família realizam trabalho indispensável à própria subsistência e mútua colaboração, conforme prescreve o art. 11, § 1º, da Lei nº 8.213/91, in verbis: "Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes".
6. Não se aplica o art. 85, § 11, do CPC ao caso dos autos, tendo em vista o que foi decidido no Tema 1.059/STJ.
7. Apelação do INSS provida para julgar improcedente o pedido autoral de concessão das parcelas pretéritas pleiteadas pelo autor.
ACÓRDÃO
Decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator.
Brasília/DF, data da assinatura eletrônica.
Desembargador Federal RUI GONÇALVES
Relator
