
POLO ATIVO: SILVANIA PAULA DA SILVA BRAGA
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: RONY PETERSON DALBON - GO33310-A e AMANDA SOARES DE QUEIROZ - GO42359-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR(A):RUI COSTA GONCALVES

Gab. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
R E L A T Ó R I O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES (RELATOR):
Trata-se de recurso de apelação interposto pela parte autora, Sra. SILVANIA PAULA DA SILVA BRAGA, em face de sentença que julgou improcedente o pedido de aposentadoria por idade de trabalhadora rural.
Em suas razões, a apelante sustenta, em síntese, que as provas apresentadas são suficientes para comprovação de trabalho rural pelo período de carência legal.
Requer a reforma da sentença, bem como o pagamento das prestações retroativas à data do requerimento administrativo.
Sem contrarrazões.
É o relatório.

Processo Judicial Eletrônico
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
V O T O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES (RELATOR):
Pressupostos e recebimento da apelação
Presente os pressupostos de admissibilidade, recebo a apelação em seu duplo efeito, nos termos dos arts. 1.011 e 1.012, ambos do CPC.
O efeito devolutivo da apelação consagra o princípio tantum devolutum quantum appellatum e transfere ao Tribunal apenas o exame da matéria impugnada no recurso, nos termos dos arts. 1.002 e 1.013 do CPC/2015.
Dos requisitos jurídicos
A concessão do benefício pleiteado pela parte autora exige a demonstração do trabalho rural, cumprindo-se o prazo de carência previsto no art. 142 da Lei n. 8.213/91, mediante início razoável de prova material, corroborada com prova testemunhal, ou prova documental plena. Como requisito etário, exige-se a idade de 60 anos para homem e 55 anos para mulher (art. 48, § 1º, da Lei de Benefícios).
Conquanto inadmissível a prova exclusivamente testemunhal (STJ, Súmula 149; TRF-1ª Região, Súmula 27), não é necessário que a prova documental cubra todo o período de carência, podendo ser “projetada” para tempo anterior ou posterior ao que especificamente se refira, desde que contemporânea à época dos fatos a provar (TNU, Súmula 34).
A jurisprudência pátria, considerando a situação peculiar do trabalhador rural e a dificuldade encontrada para se comprovar a atividade rural, em qualquer de suas formas, permite que outros documentos (dotados de fé pública), não especificados em lei, sejam considerados para fins de concessão do benefício previdenciário.
Ademais, é pacífica a jurisprudência do STJ e desta Corte no sentido de que o rol do art. 106 da Lei 8.213/91 é meramente exemplificativo (STJ AgRG no REsp 1073730/CE), sendo admissíveis, portanto, outros documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, além dos ali previstos.
Assim, são dotados de idoneidade para a comprovação do início de prova material do exercício de atividade rural, dentre outros documentos, as certidões de nascimento, casamento e óbito, bem como certidão da Justiça Eleitoral, carteira de associação ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais, ficha de inscrição em Sindicato Rural, contratos de parceria agrícola, nos casos em que a profissão de rurícola estiver expressamente mencionada, desde que amparados por convincente prova testemunhal (STJ, REsp 1.650.326/MT).
E, ainda, a ficha de alistamento militar, certificado de dispensa de incorporação (CDI), título eleitoral em que conste como lavrador a profissão do segurado (STJ, AgRG no REsp 939191/SC), certidão de casamento, carteira de sindicato rural com comprovantes de recolhimento de contribuições, boletim escolar de filhos que tenham estudado em escola rural (STJ, AgRG no REsp 967344/DF), certidão de casamento que atesta a condição de lavrador do cônjuge ou do próprio segurado (STJ, AR 1067/SP, AR 1223/MS).
De igual forma, são aceitos: certidões do INCRA, guias de recolhimento de ITR, documentos fiscais de venda de produtos rurais, recibos de pagamento a sindicato rural, certidão de registro de imóveis relativos à propriedade rural, contratos de parceria agrícola e todos outros que estabeleçam, indiquem ou apenas indiciem a ligação da parte autora com o trabalho no meio rural, bem como CTPS com anotações de trabalho rural da parte autora, que é considerada prova plena do período nela registrado e início de prova material para o restante do período de carência (REsp 310.264/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 6ª Turma, DJ 18.02.2002, p. 530; AC 2004.38.03.000757-8/MG, Rel. Desembargadora Federal Neuza Maria Alves da Silva, Segunda Turma, e-DJF1 p. 33 de 17/07/2008, AC 0004262-35.2004.4.01.3800/MG, Rel. Juiz Federal Miguel Ângelo de Alvarenga Lopes, 3ª Turma Suplementar, e-DJF1 p. 191 de 02/03/2011).
Consoante jurisprudência do colendo Superior Tribunal de Justiça: “os documentos trazidos aos autos pelo autor, caracterizados como início de prova material, podem ser corroborados por prova testemunhal firme e coesa, e estender sua eficácia tanto para períodos anteriores como posteriores aos das provas apresentadas.” (REsp 1.642.731/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 30/06/2017).
Além disso, ressalte-se o teor da Súmula 577 do Superior Tribunal de Justiça: “É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob contraditório.”
Também não há necessidade de contemporaneidade da prova material em relação a todo o período do exercício da atividade rural que se pretende provar. No entanto, deve haver ao menos um início razoável de prova material contemporânea aos fatos alegados, desde que complementada por prova testemunhal. Assim, conquanto inadmissível a prova exclusivamente testemunhal (STJ, Súmula 149; TRF-1ª Região, Súmula 27), não é necessário que a prova documental cubra todo o período de carência, podendo ser “projetada” para tempo anterior ou posterior ao que especificamente se refira, desde que contemporânea à época dos fatos a provar (TNU, Súmula 34).
Não configuram início de prova material os documentos confeccionados em momento próximo ao ajuizamento da ação ou ao implemento do requisito etário.
Destaque-se, ainda, que o elemento diferenciador da natureza da classificação do empregado (urbano ou rural) é o da prestação de seus serviços, eis que, consoante o art. 7º, "b", da CLT, não se aplicam os preceitos daquela Consolidação aos trabalhadores rurais, considerados aqueles que, exercendo funções diretamente ligadas ao campo, não executam atividades que, pelos métodos de execução ou pela finalidade, se classifiquem como industriais ou comerciais.
Assim, estando o trabalhador exercendo tarefas diretamente vinculadas à atividade campesina, é rurícola para todos os efeitos legais. Ademais, nos termos do art. 106, I, da Lei 8.213/91, os empregados rurais são abrangidos pelo regime previdenciário deferido aos segurados especiais, não cabendo impor-lhes o ônus de, em face da formalização do vínculo eminentemente rural, serem alijados dos benefícios deferidos à categoria (TRF1, 0036459-25.2016.4.01.9199; 0050435-41.2012.4.01.9199; 1011044-43.2019.4.01.9999; 0013410-28.2011.4.01.9199).
Da situação tratada
A autora alega, em síntese, que propôs requerimento administrativo em 23/1/2019 (id 174194565 – p. 115/116) sendo este indeferido pela Autarquia Previdenciária.
Conforme documento apresentado pela parte autora (id 174197516) constata-se que o requisito de idade mínima foi atendido em 6/1/2018 (nascida em 6/1/1963).
O início de prova material deve ser contemporâneo aos fatos e abranger, pelo menos parcela do período de carência legal, que, na situação tratada, é de 180 meses, nos termos do art. 142 e 143, ambos da Lei 8.213/91, podendo tal indício ter seus efeitos ampliados para período anterior ou posterior, a depender do conjunto probatório apresentado (demais documentais e provas testemunhais).
Assim, a parte autora deve apresentar início de prova material que demonstre o exercício de labor rural, ainda que descontínuo, em pelo menos parcela dos 180 meses anteriores ao implemento etário ou ao requerimento administrativo. Portanto, o início de prova material a ser comprovado deve abranger parte da carência, que, na situação é de 2003 a 2018 (considerando o implemento do requisito etário, hipótese passível de configuração do instituto do direito adquirido) ou 2004 a 2019 (levando em consideração o requerimento administrativo).
Os documentos apresentados pela parte autora, foram, dentre outros, os seguintes:
a) certidão de casamento (1984), sem registro de qualificação profissional dos nubentes;
b) Carteira de Trabalho e Previdência Social- CTPS do cônjuge da autora, com registro de vínculo laboral urbano (de 1973 a 1986);
c) escritura pública de cessão de direitos hereditários (1999), constando o cônjuge da autora como cessionário de parte de terras na Fazenda Cervo (área superior a 17 ha), bem como sua qualificação profissional como comerciante;
d) autodeclaração feita perante o INSS;
e) Documento de Arrecadação de Receitas Federais - DARF, referente ao ITR da Fazenda Soledade (1999, 2000, 2001, 2002, 2003, 2019):
f) declaração de ITR (2009 a 2018);
g) prontuário médico;
h) nota fiscal de aquisição de produtos agrícolas (aquisição de vacinas em 2011, 2014 2015);
i) receituário para compra de vacina (2016);
j) Notas de pedido de venda de produtos agrícolas, constando o cônjuge da autora como solicitante ou destinatário (2014 e 2015);
k) atesado de vacinação (2016, 2017 e 2019);
l) termo de visita técnica realizada pela Agência Goiana de Defesa Agropecuária - AGRODEFESA (2006); e
m) CNIS próprio sem registro de vínculos laborais.
Não obstante a parte autora tenha trazido aos autos, documentos que, em princípio consubstanciam início de prova material, tais documentos não foram corroborados pela prova testemunhal. Conforme informado pelo juízo de origem, em sentença, observa-se que (id 174194554 - p. 3):
"[...] Contudo, saliento que de acordo com as testemunhas arroladas em audiência (Gloraci Severino de Paula e Lecimar Nunes da Silva), que a autora e seu esposo viveram na cidade, constituindo empresas e que este último abriu uma empresa para comprar ração para peixe. Afirma ainda que a autora e seu esposo realizaram um loteamento, vindo a realizar a venda dos lotes. [...]".
Verifica-se ainda que, conforme registros em CTPS do cônjuge da autora, há vínculos laborais tão somente urbanos, no período compreendido entre 1973 e 1986.
O INSS, fez contraprova, trazendo aos autos documento obtido em consulta à Receita Federal, contando o registro de atividades empresariais exercidas pela autora no período de 1995 a 2014 (id 174194561 - p. 9).
A Autarquia anexou ainda o CNIS do cônjuge da autora contendo o registro de diversos vínculos laborais urbanos no período compreendido entre 1986 e 1990 (id 174194561 - p. 11/12), bem como seu registro de exercício de atividade empresarial (id 174194561 - p. 17/20) no período compreendido entre 1993 e 2005, e ainda entre 2001 e 2018, sendo que a empresa "Recanto de Pesca e Lazer Braga EIRELI" possui capital social de R$ 100.000,00 (cem mil reais), situação apta a afastar o alegado regime de economia familiar rural. Por fim, a Autarquia trouxe aos autos digitais, em consulta ao Denatran, o registro de propriedade de automóvel pelo cônjuge da autora, sendo declarado o endereço do cônjuge da autora como situado em área urbana.
Por derradeiro, o INSS trouxe aos autos prova da concessão do benefício de aposentadoria por idade urbana ao cônjuge da autora, no ramo de atividade comerciária (id 174194561 - p.21), fato suficiente a afastar a eficácia probatória dos documentos trazidos pela autora em nome de seu cônjuge.
Assim, não é possível o reconhecimento da qualidade de segurada da parte autora como trabalhador rural em regime de economia familiar na carência exigida ao tempo do requerimento administrativo.
Segundo a orientação do e. Superior Tribunal de Justiça, em julgamento sob a sistemática dos recursos repetitivos, “a ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários a tal iniciativa" (REsp 1.352.721, Tema 629).
Diante da ausência do requisito legal da prova da qualidade de segurada da parte autora, não é possível a concessão do benefício pleiteado. Portanto, deve ser reformada a sentença que julgou improcedente o pedido, para extinguir o processo, sem resolução de mérito, conforme entendimento do STJ no precedente citado.
Conclusão
Ante o exposto, de ofício, extingo o processo, sem resolução do mérito, e julgo prejudicada a apelação da parte autora.
É o voto.

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
GAB. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1034284-90.2021.4.01.9999
PROCESSO REFERÊNCIA: 5614502-51.2019.8.09.0021
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
APELANTE: SILVANIA PAULA DA SILVA BRAGA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADOR RURAL. INÍCIO DE PROVA MAERIAL. PROVA TESTEMUNHAL NÃO CORROBOROU. EXERCÍCIO DE ATIVIDADES EMPRESARIAIS. RECEBIMENTO DE APOSENTADORIA URBANA PELO CÔNJUGE. PERÍODO DE CARÊNCIA NÃO CONFIGURADO. SENTENÇA REFORMADA, DE OFÍCIO. EXTINÇÃO DO PROCESSO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PREJUDICADA.
1. A concessão do benefício de aposentadoria rural por idade exige a demonstração do trabalho rural, cumprindo-se o prazo de carência previsto no artigo 142 da Lei n. 8.213/91, mediante início razoável de prova material, corroborada com prova testemunhal, ou prova documental plena. Como requisito etário, exige-se a idade superior a 60 anos para homem e 55 anos para mulher (artigo 48, § 1º da Lei de Benefícios).
2. Na situação, o implemento etário ocorreu em 6/1/2018. A carência legal, por sua vez, é de 180 meses a contar do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo. Por fim, Os documentos apresentados pela parte autora, foram, dentre outros, os seguintes: a) certidão de casamento (1984), sem registro de qualificação profissional dos nubentes; b) Carteira de Trabalho e Previdência Social- CTPS do cônjuge da autora, com registro de vínculo laboral urbano (de 1973 a 1986); c) escritura pública de cessão de direitos hereditários (1999), constando o cônjuge da autora como cessionário de porção de terra situada em área rural, bem como sua qualificação profissional como comerciante; d) autodeclaração feita perante o INSS; e) Documento de Arrecadação de Receitas Federais - DARF, referente a cobrança de ITR (1999, 2000, 2001, 2002, 2003 e 2019): f) declaração de ITR (2009 a 2018); g) prontuário médico; h) nota fiscal de aquisição de produtos agrícolas (aquisição de vacinas em 2011, 2014 2015); i) receituário para compra de vacina (2016); j) Notas de pedido de venda de produtos agrícolas, constando o cônjuge da autora como solicitante ou destinatário (2014 e 2015); k) atestado de vacinação (2016, 2017 e 2019); l) termo de visita técnica realizada pela Agência Goiana de Defesa Agropecuária - AGRODEFESA (2006); e m) CNIS próprio sem registro de vínculos laborais.
3. O conjunto probatório revela o cumprimento do requisito etário, porém, mesma sorte não teve o início de prova material de exercício de atividade campesina, pois as provas trazidas ao autos tiveram sua eficácia afastada em razão do exercício de atividade empresarial da autora e de seu cônjuge, sendo que uma das empresas possui elevado capital social, situação apta a afastar o alegado regime de economia familiar. Por fim, o cônjuge da autora é beneficiário de aposentadoria por idade urbana, no ramo de comerciário, afastando a eficácia dos documentos trazidos pela autora em nome dele.
4. A prova testemunhal foi produzida, porém não corroborou o início de prova material.
5. Fica descaracterizada, na espécie, a condição de rurícola da parte autora, uma vez que não configurado o trabalho rural em regime de economia familiar, com mútua dependência entre os membros da família, por todo o período de carência, nos termos do art. 142 da Lei 8.213/91.
6. A orientação do STJ, em recurso repetitivo, é a de extinção do processo, sem resolução de mérito, quando ausente o conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, possibilitando ao autor intentar novamente a ação (Tema 629, REsp 1.352.721).
7. Ausência do preenchimento dos requisitos da Lei 8.213/91, inviável reconhecer o direito da parte autora à concessão do benefício de aposentadoria rural por idade pleiteado.
8. Processo extinto, sem resolução do mérito, em razão da ausência de início de prova material suficiente para o reconhecimento da qualidade de segurado; apelação da parte autora prejudicada.
A C Ó R D Ã O
Decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, extinguir, de ofício, o processo, sem resolução de mérito e julgar prejudicada a apelação, nos termos do voto do Relator.
Brasília, data da assinatura eletrônica.
Desembargador Federal RUI GONÇALVES
Relator
