
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:MARIA REGINA DA SILVA
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: LUCIMARA GOMES SANTANA DE CASTRO RIGOLON - RO6550-A
RELATOR(A):RUI COSTA GONCALVES

Gab. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
R E L A T Ó R I O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSS em face de sentença que julgou procedente o pedido autoral de concessão do benefício previdenciário de aposentadoria rural por idade.
Em suas razões recursais, a Autarquia arguiu que a parte autora não logrou êxito em comprovar a sua qualidade de segurada especial com o início de prova material corroborada por prova testemunhal produzida nos autos. Requereu a reforma da sentença para que seja julgado improcedente o pedido inicial.
Com contrarrazões.
É o relatório.

Processo Judicial Eletrônico
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
V O T O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES (RELATOR):
Pressupostos e recebimento da apelação
Presente os pressupostos de admissibilidade, recebo a apelação em seu duplo efeito, nos termos dos arts. 1.011 e 1.012, ambos do CPC.
O efeito devolutivo da apelação consagra o princípio tantum devolutum quantum appellatum e transfere ao Tribunal apenas o exame da matéria impugnada no recurso, nos termos dos arts. 1.002 e 1.013 do CPC/2015.
Requisitos jurídicos
Os requisitos para a concessão de aposentadoria por idade de trabalhador rural estão dispostos no art. 48, §§ 1º e 2º, da Lei 8.213/91, quais sejam: contar com 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher, e 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondentes à carência do benefício pretendido.
Além disso, a concessão do benefício independe do recolhimento de contribuição previdenciária, nos termos do art. 26, III c/c art. 39, da Lei 8.213/91; porém, quanto ao tempo de exercício de atividade rural, exige-se início razoável de prova material, completada por prova testemunhal idônea, não se admitindo, portanto, prova meramente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito (art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, Súmulas 149 e 27 do STJ e TRF da 1ª Região, respectivamente).
Conquanto inadmissível a prova exclusivamente testemunhal (STJ, Súmula 149; TRF-1ª Região, Súmula 27), não é necessário que a prova documental cubra todo o período de carência, podendo ser “projetada” para tempo anterior ou posterior ao que especificamente se refira, desde que contemporânea à época dos fatos a provar (TNU, Súmula 34).
É pacífica a jurisprudência do STJ e desta Corte no sentido de que o rol do art. 106 da Lei 8.213/91 é meramente exemplificativo (STJ AgRG no REsp 1073730/CE), sendo admissíveis, portanto, outros documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, além dos ali previstos.
Não configuram início de prova material os documentos confeccionados em momento próximo ao ajuizamento da ação ou ao implemento do requisito etário e demais provas que não trazem a segurança jurídica necessária à concessão do benefício.
Da situação tratada
A parte autora alega, em síntese, que interpôs requerimentos administrativos em 30/07/2021 e 16/8/2021 (rolagem única Pje/TRF-1, p. 90 e p. 209/210) sendo estes indeferidos pela Autarquia Previdenciária. Pleiteou o benefício em razão do requerimento realizado em 16/8/2021.
Conforme documento apresentado pela parte autora (rolagem única Pje/TRF-1, p. 165/166) constata-se que o requisito de idade mínima foi atendido em 13/7/2016, pois contava com idade superior à exigida quando do ajuizamento da ação (nascida em 13/7/1961).
O início de prova material deve ser contemporâneo aos fatos e abranger, pelo menos parcela do período de carência legal, que, na situação tratada é de 180 meses, nos termos do art. 142 e 143, ambos da Lei 8.213/91, podendo tal indício ter seus efeitos ampliados para período anterior ou posterior, a depender do conjunto probatório apresentado (demais documentais e provas testemunhais).
Assim, a parte autora deve apresentar início de prova material que demonstre o exercício de labor rural, ainda que descontínuo, em pelo menos parcela dos 180 meses anteriores ao implemento etário ou ao requerimento administrativo. Portanto, o início de prova material a ser comprovado deve abranger parte da carência, que, na situação é de 2001 a 2016 (considerando o implemento do requisito etário, hipótese passível de configuração do instituto do direito adquirido) ou 2005 a 2021 (levando em consideração o requerimento administrativo).
Os documentos apresentados pela parte autora, em seu intuito de demonstrar o início de prova material de exercício de atividade campesina, foram, dentre outros, os seguintes:
a) Escritura pública de compra e venda de imóvel rural, constando a profissão da autora como “do lar” (2013);
b) Memorial descritivo do imóvel rural;
c) Nota técnica emitida pelo CREA-RO, constando terceiro como contratante (2002);
d) Cadastro de marcas do produtor emitido pela Agência de Defesa Sanitária Agrosivopastoril do Estado de Rondônia – IDARON (2003);
e) Guias de Trânsito Animal – GTA – referente ao transporte de 20 (dezoito) bovinos (2003);
f) Guia de Trânsito Animal – GTA – referente ao transporte de 16 (dezesseis) bovinos (2004);
g) Guia de Trânsito Animal – GTA – referente ao transporte de 13 (treze) bovinos (2005);]
h) Certificado de Origem de Organismos Aquáticos de Cativeiro, com fins Comerciais (validade entre 20 e 25 de abril de 2011), constando a autora como vendedora de 6 kg de tambaqui;
i) Nota fiscal de aquisição de 3000 (três mil sacos) para peixes, totalizando o valor de R$ 100.500,12 (cem mil e quinhentos reais e doze centavos);
j) Nota fiscal referente a venda de bezerros, totalizando R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais); e
k) Nota fiscal referente a aquisição de óleo diesel, totalizando R$ 16.000.00 (dezesseis mil reais).
Cumpre salientar que a atividade de trabalhador rural em regime de economia familiar pressupõe uma forma rudimentar de trabalho rural, onde os membros da família realizam trabalho indispensável à própria subsistência e mútua colaboração, conforme prescreve o art. 11, § 1º, da Lei nº 8.213/91, in verbis: "Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes".
Dessa forma, verifica-se que o conjunto probatório dos autos indica que a parte autora é uma agropecuarista, grande produtora, restando afastada a condição de trabalhadora rural em regime de economia familiar.
Assim, não é possível o reconhecimento da qualidade de segurada especial da parte autora, como trabalhadora rural em regime de economia familiar, na carência exigida ao tempo do requerimento administrativo.
A conclusão que se impõe é a de que fica descaracterizada, na espécie, a condição de rurícola da parte autora, uma vez que não configurado o trabalho rural em regime de economia familiar, com mútua dependência entre os membros da família, no período de carência, nos termos do art. 142 da Lei 8.213/91. Nesse sentido:
“PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADOR RURAL. QUALIDADE DE SEGURADO ESPECIAL NÃO COMPROVADA. GRANDE AGROPECUARISTA. REQUISITOS DA LEI 8.213/91 NÃO ATENDIDOS. BENEFÍCIO INDEVIDO. SENTENÇA MANTIDA.
1. A concessão de aposentadoria por idade de trabalhador rural está condicionada à presença dos seguintes requisitos: contar 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher, e 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondentes à carência do benefício pretendido (art. 48, §§ 1º e 2º, da Lei 8.213/91). 2. Considera-se segurado especial a pessoa física residente em imóvel rural que, em regime de economia familiar, na condição de produtor (proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais) que explore atividade agropecuária em área de até 04 módulos fiscais. E como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes. (Lei 8.213/1991, art. 11, VII; e § 1º). 3. No caso dos autos, inobstante preenchido o requisito etário em 2016 (nascimento em 08/07/1961 - fls. 07/v), não há prova do exercício da atividade rural em regime de economia familiar, nos moldes da Lei 8.213/91. De fato, da análise dos autos verifica-se da documentação carreada com a inicial que a atividade desenvolvida pela autora, embora rural, não se coaduna com as características traçadas pela norma para identificar o segurado especial. Isto porque, em que pese a qualificação de lavrador do cônjuge da requerente constante dos documentos acostados aos autos (contrato de compromisso de compra e venda de imóvel rural em 31/08/1998 - fls.08v/09; informações da exploração agropecuária para fins de imposto de renda, ano calendário 2007/20082009/2010/2013 - fls. 10/v/11, 12v/13, 14v/15, 16 e 20, além de notas fiscais, em nome de Cláudio Fernando Meschial) e outros documentos, essa qualificação restou descaracterizada diante da condição de pecuarista constante dos referidos documentos, e confirmada durante a instrução. Nos termos destacado pelo magistrado a quo, "conforme testemunho do Sr. ArnoldoTomas da Silva este estava sempre prestando serviço para o esposo da requerente assim como sempre houve diarista trabalhando na propriedade dele. Ou seja, não se trata de esporadicamente haver alguém fora da família trabalhando, mas sim empregados dentro da propriedade trabalhando na construção da casa, currais e demais serviços dentro do sítio. Não fosse só isso, consta nos autos fichas de exploração pecuária, em nome do ex-esposo da requerente, nas quais averigua-se o saldo de bovinos sempre superior a 1.000 bovinos, ou seja, quantidade de animais muito maior do que se poderia criar em 04 módulos fiscais. Ademais, há processo de inventário do ex-esposo da requerente, Sr. Cláudio Fernandes Meschial, em trâmite neste juízo sob o nº. 0000814-37.2012.8.22.0023, no qual pleiteia-se a partilha de bens de elevada monta, que soma a propriedade de grande proporção de terras, semoventes, automóveis, entre outros. Nesta senda, é evidente que a autora, apesar de preencher o requisito etário, não preenche o requisito de atividade em regime de economia familiar. Cumpre salientar que, embora reconheça a atividade do campo, com moradia em área rural, estes não são requisitos suficientes para a concessão do benefício pleiteado, visto que, conforme já mencionado, trata-se de grande agropecuarista...". Portanto, incabível a concessão do benefício. 4. Apelação a que se nega provimento (AC 0006364-41.2018.4.01.9199, 1ª CÂMARA REGIONAL PREVIDENCIÁRIA DA BAHIA, publicação 15/03/2019, julgamento 17/08/2018, Relator JUIZ FEDERAL SAULO JOSÉ CASALI BAHIA)”
Dessa forma, ausentes elementos probatórios quanto ao desempenho de atividade rural em regime de economia familiar, não há como conceder o benefício pretendido pela parte autora, sendo adequada a reforma da sentença.
Cabe salientar que, ausente início de prova material, não se admite prova meramente testemunhal, a teor do disposto nas Súmulas 149 do STJ e 27 do TRF da 1ª Região, razão pela qual não podem ser considerados, para concessão do benefício, apenas os depoimentos prestados (AgRg no REsp 944.486/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJe de 24/11/2008).
Assim, não é possível o reconhecimento da qualidade de segurada da parte autora como trabalhador rural em regime de economia familiar na carência exigida ao tempo do requerimento administrativo.
Dos honorários sucumbenciais
Inverto os honorários sucumbenciais arbitrados pelo juízo a quo, a teor do disposto no art. 85, §§ 2º, 3º e 11º do CPC, devendo-se observar teor da súmula 111, do STJ.
Honorários recursais
Nos termos do julgamento do REsp 1.864.633/RS, que tramitou sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.059 do STJ), a majoração dos honorários de sucumbência pressupõe que o recurso tenha sido integralmente desprovido, como no caso dos autos, desse modo, conforme disposição o art. 85, § 11, do CPC, os honorários devem ser majorados em dois pontos percentuais, os quais ficam suspensos em caso de deferimento da gratuidade de justiça, nos termos do art. 98, §§ 2º e 3º do CPC/2015.
Conclusão
Ante o exposto, dou provimento à apelação do INSS, para reformar à sentença e julgar improcedente o pedido autoral.
É o voto.

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
GAB. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1006686-93.2023.4.01.9999
PROCESSO REFERÊNCIA: 7002379-28.2022.8.22.0002
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA REGINA DA SILVA
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADOR RURAL. PRODUÇÃO EM LARGA ESCALAR. INÍCIO DE PROVA MATERIAL AFASTADO. PERÍODO DE CARÊNCIA NÃO CONFIGURADO. APELAÇÃO DO INSS PROVIDA.
1. A concessão do benefício de aposentadoria rural por idade exige a demonstração do trabalho rural, cumprindo-se o prazo de carência previsto no artigo 142 da Lei n. 8.213/91, mediante início razoável de prova material, corroborada com prova testemunhal, ou prova documental plena. Como requisito etário, exige-se a idade superior a 60 anos para homem e 55 anos para mulher (artigo 48, § 1º da Lei de Benefícios).
2. Na situação, o implemento etário ocorreu em 2016. A carência legal, por sua vez, é de 180 meses. A parte autora, em seu intuito de demonstrar o início de prova material de exercício de atividade campesina, anexou aos autos os seguintes documentos: a) Escritura pública de compra e venda de imóvel rural, constando a profissão da autora como “do lar” (2013); b) Memorial descritivo do imóvel rural; c) Nota técnica emitida pelo CREA-RO, constando terceiro como contratante (2002); d) Cadastro de marcas do produtor emitido pela Agência de Defesa Sanitária Agrosivopastoril do Estado de Rondônia – IDARON (2003); e) Guias de Trânsito Animal – GTA – referente ao transporte de 20 (dezoito) bovinos (2003); f) Guia de Trânsito Animal – GTA – referente ao transporte de 16 (dezesseis) bovinos (2004); g) Guia de Trânsito Animal – GTA – referente ao transporte de 13 (treze) bovinos (2005);] h) Certificado de Origem de Organismos Aquáticos de Cativeiro, com fins Comerciais (validade entre 20 e 25 de abril de 2011), constando a autora como vendedora de 6 kg de tambaqui; i) Nota fiscal de aquisição de 3000 (três mil sacos) para peixes, totalizando o valor de R$ 100.500,12 (cem mil e quinhentos reais e doze centavos); j) Nota fiscal referente a venda de bezerros, totalizando R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais); e k) Nota fiscal referente a aquisição de óleo diesel, totalizando R$ 16.000.00 (dezesseis mil reais).
3. A atividade de trabalhador rural em regime de economia familiar pressupõe uma forma rudimentar de trabalho rural, onde os membros da família realizam trabalho indispensável à própria subsistência e mútua colaboração, conforme prescreve o art. 11, § 1º, da Lei nº 8.213/91, in verbis: "Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes". O conjunto probatório dos autos indica que a parte autora é uma agropecuarista, grande produtora, restando afastada a condição de trabalhadora rural em regime de economia familiar.
4. Fica descaracterizada, na espécie, a condição de rurícola da parte autora, uma vez que não configurado o trabalho rural em regime de economia familiar, com mútua dependência entre os membros da família, por todo o período de carência, nos termos do art. 142 da Lei 8.213/91.
5. Ausência do preenchimento dos requisitos da Lei 8.213/91, inviável reconhecer o direito da parte autora à concessão do benefício de aposentadoria rural por idade pleiteado.
6. Honorários de advogado majorados em dois pontos percentuais, nos termos do art. 85, §11, do CPC/2015 e da tese fixada no Tema 1.059/STJ, os quais ficam suspensos em caso de deferimento da gratuidade de justiça, conforme art. 98, §§ 2º e 3º do CPC/2015.
7. Apelação do INSS provida, para reformar a sentença e julgar improcedente o pleito autoral.
A C Ó R D Ã O
Decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator.
Brasília, data da assinatura eletrônica.
Desembargador Federal RUI GONÇALVES
Relator
