
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:RAIMUNDO DE CASSIO MONTEIRO
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: FABIANA APARECIDA CAVARIANI - SP220101
RELATOR(A):ANTONIO OSWALDO SCARPA

PODER JUDICIÁRIO FEDERAL
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 26 - DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO SCARPA
PJE/TRF1-Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1016281-19.2023.4.01.9999
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: RAIMUNDO DE CASSIO MONTEIRO
RELATÓRIO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO SCARPA (RELATOR):
Trata-se de recurso de apelação interposto pelo INSS em face de sentença que julgou procedente o pedido de benefício de aposentadoria por idade rural.
Em suas razões, o apelante sustenta, em síntese, falta de interesse de agir em razão da ausência de prévio requerimento administrativo, nos termos da decisão exarada pelo STF nos autos do RE 631.240. Requer ainda fixação dos juros moratórios nos termos do art. 1º-F da Lei 9.494/97, a fixação dos índices de correção monetária conforme Tema 905/STJ e, por fim, a fixação de honorários advocatícios no patamar mínimo.
Com contrarrazões os autos subiram a este Tribunal Regional.
É o relatório.

PODER JUDICIÁRIO FEDERAL
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 26 - DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO SCARPA
PJE/TRF1-Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1016281-19.2023.4.01.9999
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: RAIMUNDO DE CASSIO MONTEIRO
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO SCARPA (RELATOR):
O recurso reúne as condições de admissibilidade, merecendo ser conhecido.
São requisitos para aposentadoria do trabalhador rural: contar 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher, e 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao número de meses de contribuição (cento e oitenta contribuições) correspondentes à carência do benefício pretendido (art. 48, §§ 1º e 2º, da Lei 8.213/91).
Compulsando os autos verifico que a controvérsia reside na alegação de ausência interesse de agir em razão da ausência de requerimento administrativo prévio, nos termos da decisão exarada pelo STF nos autos do RE 631.240.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento, pelo Plenário, do Recurso Extraordinário n. 631.240-MG, com repercussão geral reconhecida, Rel. Ministro LUÍS ROBERTO BARROSO, julgado em 03/09/2014 (DJe 10/11/14), firmou o entendimento de que a exigência de prévio requerimento administrativo à propositura de ação judicial em que se busca a concessão de benefício previdenciário não importa em mácula à garantia ao livre acesso ao Poder Judiciário, a teor do disposto no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal de 1988.
A orientação do Supremo Tribunal Federal sedimentou-se no sentido de que a exigibilidade do prévio requerimento administrativo como condição para o regular exercício do direito de ação – naquelas hipóteses de concessão de benefício previdenciário – não ofende a garantia de livre acesso ao Poder Judiciário, prevista no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal de 1988.
Estabeleceu-se, no entanto, uma regra de transição às ações ajuizadas até a data da conclusão do julgamento do RE 631.240 (03/09/2014), com as possíveis providências a serem observadas pelo juízo, a depender da fase em que se encontrar o processo em âmbito judicial.
Por conseguinte, assim restou definido: a) nas ações provenientes de Juizado Itinerante, a ausência de anterior pedido administrativo não implicará na extinção do feito; b) nas ações em que o INSS já tenha apresentado contestação de mérito, estará caracterizado o interesse em agir, pela resistência a pretensão; c) as demais ações, não enquadradas nas hipóteses dos itens “a” e “b” ficarão sobrestadas, para fins de adequação à sistemática definida no dispositivo do voto emanado da Corte Suprema.
Na hipótese, a parte autora não formulou pedido administrativo perante o INSS. A sentença recorrida apreciou a questão à luz do item 57 do voto condutor na decisão emanada pelo STF no RE 631.240/MG, que assim estabelece:
54.Assim, manifesto-me no sentido de assentar que, nas ações ajuizadas antes da conclusão do presente julgamento que não tenham sido instruídas por prova do prévio requerimento administrativo, nas hipóteses em que exigível, será observado o seguinte:
(i) caso a ação tenha sido ajuizada no âmbito de Juizado Itinerante, a ausência de anterior pedido administrativo não deverá implicar a extinção do feito. Isto porque os Juizados Itinerantes são iniciativas organizadas do Poder Público para promover o acesso à Justiça em comunidades usualmente remotas, com dificuldade de acesso aos serviços públicos em geral.
Assim, extinguir as ações já ajuizadas nesse contexto frustraria as expectativas dos jurisdicionados e desperdiçaria um enorme esforço logístico. Para os Juizados Itinerantes futuros essa ressalva não é necessária, porque o INSS tem encaminhado às comunidades um posto móvel de atendimento antes da efetiva realização do Juizado Itinerante, assegurando o acesso prévio à via administrativa;
57.Deste modo, apesar de certamente haver carências ainda a serem sanadas, a estruturação da rede de atendimento hoje existente não justifica a fixação de um parâmetro espacial abstrato para permitir o ingresso diretamente em juízo (inexistência de agência da Previdência Social na cidade ou a uma certa distância do domicílio do segurado), o que não cuidaria adequadamente de múltiplos casos concretos. Porém, verificada uma situação específica em que o ônus de comparecer a um posto de atendimento da Previdência Social seja demasiadamente superior ao de ingressar em juízo, poderá o magistrado, motivadamente e no caso concreto, justificar a dispensa da exigência de prévio requerimento administrativo. Isto porque a excessiva onerosidade para o segurado ser atendido pelo INSS é, em si mesma, uma lesão a direito.
No caso concreto, a parte autora reside na cidade de Tapauá, no Estado do Amazonas, e, na época do ajuizamento da ação, o acesso a alguma agência do INSS mais próxima exigia dispêndio financeiro e de tempo incompatível com a hipossuficiência da requerente. Neste sentido, a respeito do caso em análise assim consignou o juízo a quo:
“Como visto acima, a exigência de prévio requerimento administrativo só poderá ser dispensada em situações excepcionais, entretanto, este Juízo, em razão das condições do(a) autor(a) (pessoa hipossuficiente) e do Município de Tapauá (que não possui agência de atendimento do INSS e não possui estradas de acesso a outras cidades que possuam agência do INSS, sendo o acesso somente via fluvial que demora cerca de 5 dias no percurso de ida e volta, o que impõe ao(à) autor(a) ônus excessivo em razão da inércia e dessídia do INSS em cumprir o seu dever constitucional), entendo pela desnecessidade de prévio requerimento administrativo. Desta forma, a ausência de prévio requerimento administrativo perante o INSS não eximirá este juízo da apreciação da demanda.”
Na verdade como registrado ne sentença ( fl.63 do pdf), não existe saída da cidade por estradas nem mesmo de terra, somente por meio de fluvial. Exigir da parte autora a formulação de prévio requerimento administrativo para concessão do benefício requerido significa, na espécie, negar o próprio direito previsto em lei.
Necessário consignar que consta no sítio eletrônico da autarquia previdência o cronograma de viagens do PrevBarco ano 2024 onde a cidade de Tapauá-AM foi contemplada com uma visita no período de 13/05/2024 ao dia 24/05/2024, demonstrando assim ser um ônus excessivo a exigência de prévio requerimento administrativo.
Dessa maneira, o autor deve ser dispensado da exigência de prévio requerimento administrativo como condição para o acesso ao Judiciário, eis que tal situação se amolda à exceção prevista no item 57 acima transcrito.
Considerando a dificuldade do trabalhador rural em comprovar o exercício da atividade no campo, vez que não possui vínculo empregatício e trabalha, na maioria das vezes, na informalidade, admite-se como início de prova material outros documentos além daqueles da Lei 8.213/91 (rol meramente exemplificativo).
No presente caso, o requisito etário foi implementado em 2020 (data nascimento em 07/02/1960). Para fins de comprovação da atividade rural, a parte autora juntou aos autos os seguintes documentos: carteira de pescador profissional emitida pelo Ministério de Pesca e Aquicultura -MPA (2014); carteira de produtor rural emitida pela Associação de Produtores Rurais e Criadores do Município de Tapauá-AM (2002); Contrato de concessão de direito real de uso, sob condição resolutiva emitida pelo MDA e INCRA em nome do cônjuge (2012); cadastro de Atividade Econômica da Pessoa Física – CAEPF contendo a informação de atividade de pesca em agua doce.
As testemunhas ouvidas em Juízo foram firmes e convincentes em atestar o trabalho rural da parte autora pelo período de carência previsto na Lei 8.213/91. Neste sentido registrou o juízo de origem:
“No caso em apreço, o depoimento das testemunhas arroladas pelo(a) autor(a), no sentido de que este desempenhou a atividade de agricultor(a) por mais de 30 (trinta) anos, somado à documentação trazida aos autos (prova material), permite este julgador concluir pela procedência do pleito aqui veiculado. De fato, as testemunhas, de forma uníssona, confirmaram que o(a) promovente trabalhou como agricultor e pescador, em regime de economia familiar, por período bem superior ao exigido neste caso.”
Dessa forma, o conjunto probatório revela o cumprimento do requisito etário, o exercício do labor rural, bem como o cumprimento da carência prevista no art. 142 da Lei n. 8.213/91, de modo que atendidos os requisitos indispensáveis à concessão do benefício previdenciário - início de prova material apta a demonstrar a condição de rurícola da parte autora, corroborada por prova testemunhal e idade mínima -, é devido o benefício de aposentadoria por idade.
Quanto aos consectários legais, o Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 870.0947/SE, considerou inconstitucional a atualização monetária segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança (TR), “ uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia”.
Dessa forma, quanto à atualização monetária, conforme o julgamento realizado em 03/10/2019, o Supremo Tribunal Federal rejeitou todos os embargos de declaração e não modulou os efeitos da decisão anteriormente proferida no RE 870.947 (Tema 810), afastando a incidência da TR definitivamente como índice de correção monetária.
Compondo tal panorama, o STJ, no repetitivo REsp. 1.495.146-MG (Tema Repetitivo 905), estabeleceu que as condenações judiciais impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91. Quanto aos juros de mora, incidem segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança (art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei n. 11.960/2009).
Pelo exposto, a correção monetária e juros de mora devem observar o disposto no Manual de Cálculos da Justiça Federal, na sua versão mais atualizada à época dos fatos.
Mantidos os honorários fixados na sentença, acrescidos de 1%, nos termos do art. 85, §11, do CPC.
Ante o exposto, nego provimento à apelação interposta pelo INSS.
É o voto.
Desembargador Federal ANTÔNIO SCARPA
Relator

PODER JUDICIÁRIO FEDERAL
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 26 - DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO SCARPA
PJE/TRF1-Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1016281-19.2023.4.01.9999
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: RAIMUNDO DE CASSIO MONTEIRO
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADOR RURAL. REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. COMUNIDADE RIBEIRINHA. DIFICULDADE DE ACESSO À AGÊNCIA DO INSS. ENQUADRAMENTO NA EXCEÇÃO PREVISTA NO ITEM 57 DO VOTO CONDUTOR DO ACÓRDÃO JULGADO EM REPERCUSSÃO GERAL. RE 631.240/MG. BENEFÍCIO DEVIDO.
1.A concessão do benefício pleiteado pela parte autora exige a demonstração do trabalho rural, cumprindo-se o prazo de carência previsto no art. 142 da Lei n. 8.213/91, mediante início razoável de prova material, corroborada com prova testemunhal, ou prova documental plena. Como requisito etário, exige-se a idade de 60 anos para homem e 55 anos para mulher (art. 48, § 1º, da Lei de Benefícios).
2.O Supremo Tribunal Federal, em sede de recurso representativo de controvérsia, firmou o entendimento de que a exigência de prévio requerimento administrativo à propositura de ação judicial em que se busca a concessão de benefício previdenciário - ressalvadas as hipóteses de pretensão de revisão, restabelecimento ou manutenção de benefício anteriormente concedido - não importa em violação ao disposto no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal de 1988.
3.O autor reside na cidade de Tapauá, no Estado do Amazonas, e o acesso a alguma agência do INSS mais próxima exigia dispêndio financeiro e de tempo incompatível com a hipossuficiência da requerente. Exigir prévio requerimento administrativo para concessão do benefício requerido significa, na espécie, negar o próprio direito previsto em lei.
3.Dessa maneira, o autor deve ser dispensado da exigência de prévio requerimento administrativo como condição para o acesso ao Judiciário, eis que tal situação se amolda à exceção prevista no item 57 do voto condutor do acórdão julgado em repercussão geral no RE 631.240/MG.
4.No presente caso, o requisito etário foi implementado em 2020 (data nascimento em 07/02/1960). Para fins de comprovação da atividade rural, a parte autora juntou aos autos os seguintes documentos: carteira de pescador profissional emitida pelo Ministério de Pesca e Aquicultura -MPA (2014); carteira de produtor rural emitida pela Associação de Produtores Rurais e Criadores do Município de Tapauá-AM (2002); Contrato de concessão de direito real de uso, sob condição resolutiva emitida pelo MDA e INCRA em nome do cônjuge (2012); cadastro de Atividade Econômica da Pessoa Física – CAEPF contendo a informação de atividade de pesca em agua doce.
4.As testemunhas ouvidas em Juízo foram firmes e convincentes em atestar o trabalho rural da parte autora pelo período de carência previsto na Lei 8.213/91.
5.O conjunto probatório revela o cumprimento do requisito etário, o exercício do labor rural, bem como o cumprimento da carência prevista no art. 142 da Lei n. 8.213/91.
6.Juros de mora e correção monetária de acordo com o Manual de Cálculos da Justiça Federal.
7.Mantidos os honorários fixados na sentença, acrescidos de 1%, a incidirem sobre as parcelas vencidas até a sentença, nos termos do art. 85, §11, do CPC, observada a prescrição quinquenal.
8.Apelação desprovida.
A C Ó R D Ã O
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, à unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator.
Brasília (DF), (data da Sessão).
Desembargador Federal ANTÔNIO SCARPA
