
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:CARLOS CABRAL GUAJAJARA
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: PEDRO PANTHIO ABRAO COSTA - GO40251-A, ANGELICA AMANDA ARAUJO SOUZA - GO43260-A e EDIVALDO BERNARDO DA SILVA - GO44862-S
RELATOR(A):JOAO LUIZ DE SOUSA

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 6 - DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO LUIZ DE SOUSA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1022051-90.2023.4.01.9999
RELATÓRIO
O EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO LUIZ DE SOUSA (RELATOR):
Trata-se de ação ajuizada em desfavor do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, para fins de obtenção de benefício previdenciário.
A sentença julgou procedente o pedido formulado na inicial.
Em suas razões de recorrer, o INSS alegou, em síntese, que não teriam restado comprovados todos os requisitos necessários à concessão do benefício.
Transcorrido o prazo para contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 6 - DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO LUIZ DE SOUSA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1022051-90.2023.4.01.9999
VOTO
O EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO LUIZ DE SOUSA (RELATOR):
Presentes os pressupostos de admissibilidade, recebo a apelação no efeito devolutivo (arts. 1.011 e 1.012 do CPC).
Pretende a parte autora a concessão/restabelecimento do benefício de auxílio-doença e/ou aposentadoria por invalidez rural.
A aposentadoria por invalidez será concedida, nos termos do art. 42 da Lei n. 8.213/1991, ao segurado que, estando ou não em gozo do auxílio-doença, for considerado incapaz para o trabalho, de forma total e permanente, e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e será paga enquanto permanecer nessa situação.
A concessão do benefício de aposentadoria por invalidez para trabalhador rural, segurado especial, independe do cumprimento de carência, entretanto, quando os documentos não forem suficientes para a comprovação dos requisitos previstos em lei – prova material plena (art. 39, I c/c 55, § 3º, da Lei 8.213/91), exige-se a comprovação do início de prova material da atividade rural com a corroboração dessa prova indiciária por prova testemunhal.
O auxílio-doença será devido ao segurado empregado, cf. art. 60 da Lei n. 8.213/1991, a contar do décimo sexto dia do afastamento da atividade e, no caso dos demais segurados, a contar da data do início da incapacidade e enquanto ele permanecer incapacitado para o trabalho. Neste caso, a incapacidade é parcial e temporária.
A incapacidade para o trabalho, especialmente no caso do trabalhador rural, deve ser aferida considerando-se as suas condições pessoais e as atividades por ele desempenhadas, daí resultando que os trabalhadores com baixa instrução e/ou que ao longo da vida desempenharam atividades que demandassem esforço físico e que não mais puderem a ele se submeter devem ser considerados como incapacitados, não lhes sendo exigida a reabilitação em outra atividade dissociada do histórico profissional até então exercido.
No tocante à prova do labor rural, cumpre registrar que o eg. Superior Tribunal de Justiça adotou, em matéria previdenciária, a solução pro misero.
Assim sendo, não há um rol taxativo dos documentos necessários, sendo possível aceitar como início razoável de prova material documentos públicos como, por exemplo, Certidão de Casamento, Certidão de Óbito do cônjuge, Certidão de Nascimento de filhos, Certificado de Reservista etc, nos quais esteja especificada a profissão da parte autora ou de seu cônjuge como trabalhador rural.
Nesse sentido o entendimento manifestado no julgamento REsp 267.355/MS, relatado pelo Ministro Jorge Scartezzini, publicado no DJ 20.11.2000, do seguinte teor: “A qualificação profissional de lavrador ou agricultor do marido, constante dos assentamentos de registro civil, é extensível à esposa, e constitui indício aceitável de prova material do exercício da atividade rural...”.
Muito embora a jurisprudência tenha flexibilizado o posicionamento no tocante aos documentos que podem servir como início de prova documental, a jurisprudência já firmou entendimento de que não possuem integridade probante documentos confeccionados em momento próximo ao ajuizamento da ação ou ao implemento do requisito etário, produzidos tão somente com o intuito de servir como meio de prova em ações de índole previdenciária. Não são aceitos como início de prova material, assim, certidões de cartório eleitoral com anotação da profissão da parte autora, prontuários médicos, certidões relativas à filiação à sindicatos de trabalhadores rurais etc contemporâneos ao ajuizamento da ação.
Saliente-se, ainda, que documentos que, em regra são aceitos como início de prova documental, como certidões de casamento com anotação da profissão da parte autora ou de seu cônjuge, podem ter sua eficácia afastada pelo conjunto probatório dos autos como na hipótese em que comprovada a existência de vínculos urbanos de longa duração da parte ou de seu cônjuge, o que ilide a condição de trabalhador rural em regime de economia familiar ou quando demonstrada a condição de produtor rural de relevante quilate, que não se coaduna com a pretensa vulnerabilidade social do trabalhador nas lides campesinas.
Na hipótese, de acordo com o laudo pericial (num. 371766645 - págs. 65/68), a parte autora é portadora de “paralisia cerebral quadriplégica espástica, polineuropatia, atrofia cerebral circunscrita e retardo mental leve”, o que lhe compromete, de forma total e permanente, o exercício de atividade remunerada. Contudo, em que pese a existência de incapacidade laborativa, tal condição remonta a data na qual a parte autora não mantinha vínculo com a autarquia previdenciária, eis que a referida limitação é comprovada desde a sua infância (quesito 6 do laudo pericial), frise-se, informação corroborada pela própria acompanhante do requerente à perícia médica (Num. 371766645 - Pág. 68). Dessa forma, constata a preexistência da incapacidade laborativa em relação ao vínculo com o RGPS, incabível a concessão dos benefícios requestados.
Por oportuno, gize-se que, em decorrência da presumida isenção e equidistância que o perito judicial tem das partes, deve prevalecer o laudo técnico sobre as conclusões dos exames particulares, sobretudo, em razão da capacitação profissional do perito e da fundamentação elucidativa esposada no laudo.
Ademais, unicamente, os laudos produzidos por médicos particulares não tem o condão de constituir prova suficiente a ensejar o afastamento do laudo judicial, vez que realizados sem a presença do requerido. Quanto à especialidade do expert designado, verifica-se que o laudo judicial foi realizado de forma pormenorizada, especificando todos os pontos necessários para o deslinde da controvérsia, esclarecendo, inclusive, não se tratar de doenças que acarretam incapacidade laborativa. Ainda, a especialidade do médico perito designado pelo juízo não constitui requisito à sua nomeação pelo juízo. Exige-se que o profissional seja médico graduado, o que lhe confere a prerrogativa de atestar a capacidade ou incapacidade do periciado. Precedentes desta Corte:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AUXÍLIO-DOENÇA/APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. LAUDO MÉDICO PERICIAL OFICIAL. MÉDICO PERITO LEGALMENTE HABILITADO. REALIZAÇÃO DE NOVA PERÍCIA COM MÉDICO ESPECIALISTA. MÉDICO ORTOPEDISTA. DESNECESSIDADE DE ESPECIALIZAÇÃO. 1. Para a concessão dos benefícios de aposentadoria por invalidez e do auxílio-doença exige-se a verificação concomitante dos fatos determinantes, exigidos pelo art. 25, inciso I c/c o art. 59, ambos da Lei n. 8.213/91, quais sejam: inaptidão para o labor ou para a atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias, desde que não seja causada por doença ou lesão existente em data anterior à filiação ao Regime de Previdência Social, aliado ao cumprimento do período de carência equivalente a 12 (doze) contribuições mensais, com exceção das hipóteses enumeradas no art. 26, II, cumulada com o art. 151, ambos da Lei 8.213/91. 2. A realização de perícia médica judicial é procedimento indispensável para comprovação da incapacidade do segurado que pretende benefício previdenciário de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez. 3. Segundo o Conselho Federal de Medicina, o título de especialista não é requisito para exercer qualquer área reconhecida como especialidade médica, mas sim para anunciá-la (art. 20 da Lei n. 3.268/57), estando, portanto, o profissional médico legalmente habilitado a realizar perícias, independentemente de ser especialista. 4. No caso, o laudo pericial judicial apresentado, elaborado pelo médico de confiança do juízo, mencionou o histórico dos males relatados, descreveu os achados no exame clínico (lombalgia crônica com protrusão discal lombar e compressão neural; bursite subacromial/subdeltóideana; tendinose e tendinopatia calcaria do supraespinhoso), e nos registros complementares que lhe foram apresentados, e respondeu aos quesitos formulados, tendo o perito judicial, inclusive, prestado os devidos esclarecimentos acerca das questões posteriormente levantadas pela parte agravante. 5. O médico nomeado pelo juízo possui habilitação técnica para proceder ao exame pericial da parte autora, de acordo com a legislação em vigência que regulamenta o exercício da medicina, tendo, inclusive, como especialidade/área de atuação: medicina do trabalho, consoante consta no site oficial do Conselho Federal de Medicina, e a perícia judicial realizada foi conclusiva quanto à incapacidade laborativa temporária e permanente da autora. 6. Não há nulidade da perícia judicial quando esta é de lavra de profissional médico perito do juízo que respondeu aos quesitos apresentados, mesmo não sendo especialista na área da doença alegada. O título de especialista em determinada área da medicina não é requisito para ser perito médico do juízo, inexistindo cerceamento de defesa na hipótese (AC 200538040006621, Rel. Conv. Juiz Federal Mark Yshida Brandão, TRF da 1ª Região Primeira Turma Suplementar, e-DJF1 p. 77 de 01/06/2011). 7. Agravo de instrumento desprovido.
(AG 1042784-43.2019.4.01.0000, DESEMBARGADOR FEDERAL JAMIL ROSA DE JESUS OLIVEIRA, TRF1 - PRIMEIRA TURMA, PJe 18/06/2020 PAG.)
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. LAUDO PERICIAL NEGATIVO. AUSÊNCIA DE PROVA IDÔNEA EM SENTIDO CONTRÁRIO. REQUISITOS NÃO CUMPRIDOS. BENEFÍCIO INDEVIDO 1. A autora, nascida em 1952, residente em Camanducaia/MG, primeiro grau incompleto, com a profissão de serviços gerais (camareira, ajudante de cozinha e cozinheira), foi submetida à perícia judicial em 26/01/2009, que constatou: a) espondiloartrose; b) bom estado geral; exame neurológico normal; exame ortopédico com discreta limitação de movimentos de flexão para o joelho direito; c) ausência de incapacidade para as atividades da vida diária, laborativa e civil. 2. A autora percebeu auxílio-doença entre 10/08/2007 e 25/09/2007. 3. O trabalho pericial, produzido sob o crivo do contraditório, não padece de qualquer vício material ou formal que macule a sua validade ou força probatória. Os quesitos foram respondidos de forma integral, clara e coerente, após exame pessoal e dos documentos apresentados pela parte autora. Os documentos em questão, produzidos unilateralmente, não constituem prova suficiente para afastar a conclusão do perito do juízo. 4. Apelação improvida. (AC 0013457-36.2010.4.01.9199 / MG, Rel. JUIZ FEDERAL IVANIR CÉSAR IRENO JÚNIOR, 1ª TURMA SUPLEMENTAR, e-DJF1 de 16/05/2016) – grifo meu
Nesse contexto, não configura cerceamento de defesa a não realização de novas provas, inclusive a produção de nova perícia ou apreciação de quesitos suplementares formulados pelas partes, eis que a prova se destina ao convencimento do juiz, consoante art. 371 c/c art. 479 do CPC, podendo ser indeferido o pleito neste particular em caso de sua desnecessidade. Nesse sentido, confira-se julgado do Superior Tribunal de Justiça:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. PRODUÇÃO DE OUTRAS PROVAS. DESNECESSIDADE. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO. ACÓRDÃO QUE, À LUZ DAS PROVAS DOS AUTOS, CONCLUIU PELA AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE DA PARTE AUTORA. REVISÃO DA CONCLUSÃO ADOTADA NA ORIGEM. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. I. Não há falar em cerceamento de defesa quando o julgador, motivadamente, considera desnecessária a produção de outras provas, inclusive a realização de nova perícia, ante a existência, nos autos, de elementos suficientes para a formação de seu convencimento, porquanto "os arts. 130 e 131 do CPC consagram o princípio do livre convencimento motivado, segundo o qual o juiz é livre para apreciar as provas produzidas, bem como a necessidade de produção das que forem requeridas pelas partes, indeferindo as que, fundamentadamente, reputar inúteis ou protelatórias" (STJ, AgRg no REsp 1.483.175/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 09/12/2014). II. Caso em que o Tribunal de origem, à luz da prova dos autos, inclusive da pericial, entendeu não comprovada a incapacidade laborativa total e permanente da autora, requisito para a conversão do auxilio-doença em aposentadoria por invalidez. Diante desse quadro, a inversão do julgado demandaria incursão na seara fático-probatória dos autos, inviável, na via eleita, a teor da Súmula 7 do STJ. III. Agravo Regimental improvido. (AgRg no AREsp 586.274/SP, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/09/2015, DJe 28/09/2015) – grifo meu
Por fim, os honorários advocatícios devem ser fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, a serem pagos pela parte autora ao INSS, ficando suspensa a execução desse comando por força da assistência judiciária gratuita, nos termos do art. 98, § 3º do CPC.
Posto isso, dou provimento à apelação do INSS para, reformando a sentença, julgar improcedente o pedido, nos termos da presente fundamentação.
É como voto.

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 6 - DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO LUIZ DE SOUSA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1022051-90.2023.4.01.9999
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: CARLOS CABRAL GUAJAJARA
Advogados do(a) APELADO: ANGELICA AMANDA ARAUJO SOUZA - GO43260-A, EDIVALDO BERNARDO DA SILVA - GO44862-S, PEDRO PANTHIO ABRAO COSTA - GO40251-A
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-DOENÇA. TRABALHADOR RURAL. INCAPACIDADE LABORATIVA PREEXISTENTE. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. SENTENÇA REFORMADA.
1. São requisitos para a concessão dos benefícios de aposentadoria por invalidez e de auxílio-doença: a qualidade de segurado da Previdência Social, com o preenchimento do período de carência de 12 (doze) contribuições mensais, salvo nas hipóteses previstas no art. 26, II, III e art. 39, I, ambos da Lei 8.213/91, e a comprovação de incapacidade para o exercício de atividade que garanta a subsistência (art. 42, § 1º e § 2º, da Lei 8.213/91), devendo essa incapacitação ser definitiva, para a aposentadoria por invalidez, e temporária, no caso do auxílio-doença.
2. A concessão do benefício de aposentadoria por invalidez para trabalhador rural, segurado especial, independe do cumprimento de carência, entretanto, quando os documentos não forem suficientes para a comprovação dos requisitos previstos em lei – prova material plena (art. 39, I c/c 55, § 3º, da Lei 8.213/91), exige-se a comprovação do início de prova material da atividade rural com a corroboração dessa prova indiciária por prova testemunhal.
3. Na hipótese, de acordo com o laudo pericial (num. 371766645 - págs. 65/68), a parte autora é portadora de “paralisia cerebral quadriplégica espástica, polineuropatia, atrofia cerebral circunscrita e retardo mental leve”, o que lhe compromete, de forma total e permanente, o exercício de atividade remunerada. Contudo, em que pese a existência de incapacidade laborativa, tal condição remonta a data na qual a parte autora não mantinha vínculo com a autarquia previdenciária, eis que a referida limitação é comprovada desde a sua infância (quesito 6 do laudo pericial), frise-se, informação corroborada pela própria acompanhante do requerente à perícia médica (Num. 371766645 - Pág. 68). Dessa forma, constata a preexistência da incapacidade laborativa em relação ao vínculo com o RGPS, incabível a concessão dos benefícios requestados.
4. Os honorários advocatícios devem ser fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, a serem pagos pela parte autora ao INSS, ficando suspensa a execução desse comando por força da assistência judiciária gratuita, nos termos do art. 98, § 3º do CPC.
5. Apelação do INSS provida.
ACÓRDÃO
Decide a Segunda Turma do TRF da 1ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação do INSS, nos termos do voto do Relator.
Brasília - DF.
ASSINADO DIGITALMENTE
Desembargador Federal João Luiz de Sousa
Relator
