
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:LUCINEIA MARTINS ROSA
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: RIAN DIULICE CORDEIRO DA SILVA - MT18139-A
RELATOR(A):JOAO LUIZ DE SOUSA

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 6 - DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO LUIZ DE SOUSA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1020699-05.2020.4.01.9999
RELATÓRIO
O EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO LUIZ DE SOUSA (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSS contra sentença que julgou procedente o pedido inicial de Lucineia Martins Rosa, confirmando a liminar concedida e condenando o INSS a implantar definitivamente o benefício de aposentadoria por invalidez em favor da autora, com retroativos à cessação do benefício de auxílio-doença.
A sentença original acolheu os embargos de declaração apresentados pela autora, que alegaram omissão quanto à condenação do INSS ao pagamento de honorários advocatícios e à fixação da data de início do benefício. Com isso, foi acrescida a condenação ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais no importe de 10% sobre o valor da condenação, bem como a concessão do benefício de aposentadoria rural, desde a data de 07 de novembro de 2016.
Inconformado, o INSS apelou, alegando que a autora, atualmente com 24 anos e portadora de cegueira, obteve aposentadoria por invalidez rural a partir de 07/11/2016, segundo requerimento administrativo. A perícia constatou a incapacidade total e permanente desde 03/2016, porém, os únicos documentos apresentados pela autora para comprovar sua qualidade de segurada especial foram uma contribuição ao CONTAG em 25/04/2016 e a filiação ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Comodoro em 20/04/2016.
O INSS argumenta que a doença ocular da autora teve início em 2008, quando ela ainda era estudante, o que indica que a autora não possuía a qualidade de segurada antes da data de início da incapacidade. Além disso, o INSS sustenta que a incapacidade da autora poderia ser considerada relativa, impedindo apenas o exercício do trabalho habitual, mas permitindo o desempenho de outras atividades compatíveis com sua condição de saúde.
O INSS também defende que a incapacidade pode ser temporária, e que a autora, com tratamento médico adequado, poderia recuperar sua capacidade laboral, o que ensejaria a concessão apenas do auxílio-doença, e não da aposentadoria por invalidez. Para a concessão da aposentadoria por invalidez, o INSS argumenta que a incapacidade deve ser irreversível, total e absoluta, conforme os artigos 42 e 59 da Lei n.º 8.213/91.
Por fim, o INSS solicita a aplicação integral do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 no que se refere aos critérios de correção monetária e juros de mora, e requer o recebimento e provimento do recurso para reformar a sentença, reconhecendo a inexistência da qualidade de segurada da autora na data do início da incapacidade. Alternativamente, na hipótese de manutenção da condenação, o INSS pede a aplicação do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com incidência de juros e correção monetária pelos índices de poupança.
Com contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal Regional.
É o relatório.

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 6 - DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO LUIZ DE SOUSA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1020699-05.2020.4.01.9999
VOTO
O EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO LUIZ DE SOUSA (RELATOR):
Presentes os pressupostos de admissibilidade, recebo a apelação em seu efeito devolutivo (art. 1.011 do CPC).
A aposentadoria por invalidez deve ser concedida quando há incapacidade total e permanente para execução de atividade laborativa capaz de garantir a subsistência do segurado, aliada à impossibilidade de reabilitação e à exigência, quando for o caso, de 12 contribuições a título de carência, conforme disposto no artigo 42 da Lei nº 8.213/91. Confira-se:
“art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida a carência, quando for o caso a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação profissional para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.”
Quanto à qualidade de segurado e da carência, os benefícios de aposentadoria por invalidez e auxílio-doença independem de carência quando se trata de segurado especial (trabalhador rural), nos termos do inc. I do art. 39 da Lei 8.213/1991. Contudo, isso não afasta a necessidade de demonstração do exercício laboral do exercício de atividade rural no período de 12 (doze) meses anteriores ao requerimento administrativo, ainda que de forma descontínua.
Por outro lado, o auxílio-doença é devido ao segurado que, tendo cumprido o período de carência eventualmente exigido pela lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para sua atividade habitual por mais de quinze dias consecutivos, consoante o disposto no artigo 59 da Lei nº 8.213/91. Ou seja, o que distingue os dois benefícios é que a aposentadoria por invalidez exige a incapacidade total e permanente para o trabalho, enquanto para o auxílio-doença a incapacidade deverá ser parcial e temporária.
Nesse sentido, confira-se os seguintes julgados:
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA/APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. TRABALHADOR RURAL. ARTIGO 59, CAPUT, DA LEI Nº 8.213/91. COMPROVAÇÃO DA QUALIDADE DE SEGURADO. INCAPACIDADE LABORAL PARCIAL E TEMPORÁRIA. AUXÍLIO-DOENÇA. DATA LIMITE DO BENEFÍCIO. LEI Nº 13.457/2017, § 9º. Os requisitos indispensáveis para a concessão do benefício previdenciário de auxílio-doença/aposentadoria por invalidez são: a) a qualidade de segurado; b) a carência de 12 (doze) contribuições mensais, salvo nas hipóteses previstas no art. 26, II, e 39, I, da Lei 8.213/91; c) incapacidade para o trabalho ou atividade habitual por mais de 15 dias ou, na hipótese da aposentadoria por invalidez, incapacidade (permanente e total) para atividade laboral. A parte autora comprovou documentalmente sua condição de trabalhador (a) rural, juntado aos autos, com a inicial, elementos comprobatórios de sua condição de rurícola, bem como de sua família, e também de seu domicílio rural. De acordo ainda com precedentes do TRF 1ª Região, tais documentos, devidamente corroborados pela prova testemunhal idônea produzida nos autos, são hábeis a comprovar o labor rural, uma vez que o rol elencado pelo art. 106, § único da Lei 8.213/91, é meramente exemplificativo (a propósito: TRF 1ª Região. AC nº. 200137000058647. Órgão julgador: 1ª Turma. Relator: Des. Federal José Amílcar Machado. Fonte: DJ de 26/11/2007, p. 12). No caso presente as testemunhas ouvidas em juízo, confirmaram as afirmações do autor, corroborando o início de prova material quanto ao exercício de atividade rural pela parte autora, conforme exigido pelo art. 142 da Lei 8.213/91 e pelas Súmulas 149 do STJ e 27 do TRF 1ª Região. O deferimento do benefício de aposentadoria por invalidez pressupõe a comprovação de que a parte autora deve ser qualificada como segurado especial trabalhador rural, e que ela está total e permanente incapacitada para o desempenho do labor que exercia. O laudo pericial produzido atestou que a parte autora é portadora de incapacidade laborativa com intensidade/temporalidade compatíveis com o deferimento de auxílio-doença, e presentes os demais requisitos do artigo 59, caput, da Lei n.º 8.213/91, é devida a concessão desse benefício, não havendo que se falar em aposentadoria por invalidez no caso presente. Termo inicial fixado na data do requerimento administrativo. Determino a data limite do benefício (DCB), aplicando, analogicamente, o prazo de120 (cento e vinte) dias a contar da data da perícia médica judicial realizada -, nos termos da nova sistemática § 9º da Lei n. 13.457, de 26 de junho de 2017, que alterou o art. 60, § 8º e 9º, da Lei n. 8.213/91. Apelação da parte autora parcialmente provida (concessão do auxílio-doença). (TRF-1 - AC: 10092617920204019999, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL RAFAEL PAULO, Data de Julgamento: 13/10/2021, SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: PJe 18/10/2021 PAG PJe 18/10/2021 PAG)
PREVIDENCIÁRIO. TRABALHADOR RURAL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ RURAL. CONJUNTO PROBATÓRIO. INCAPACIDADE PERMANENTE. CONSECTÁRIOS LEGAIS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS CONTRATUAIS PACTUADOS ENTRE O SEGURADO E SEU PATRONO. LIMITAÇÃO. 1. A concessão dos benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez a trabalhador rural independe do cumprimento da carência de 12 (doze) meses exigida em lei (Lei 8.213/1991: art. 26, III e art. 39, I). 2. Todavia, segundo a legislação de regência (Lei 8.213/1991: art. 55, § 3º) e o disposto nas Súmulas 149 do STJ e 27 do TRF da 1ª Região, a comprovação da atividade rural demanda a apresentação de início razoável de prova documental, que deve ser corroborada por prova testemunhal consistente sobre a veracidade das alegações. 3. O acervo probatório acostado aos autos confirma que a parte autora é portadora de doença incapacitante para o desempenho de atividades rurais. Impossibilidade de reabilitação em outra profissão, tendo em vista idade, nível econômico, grau de instrução e atividade habitual da parte autora, o que conduz ao entendimento da impossibilidade e reinserção no mercado de trabalho. 4. Comprovadas a qualidade de segurado e a incapacidade laboral da parte autora e não havendo nos autos elementos aptos a desconstituir as conclusões apresentadas, impõe-se a concessão da aposentadoria por invalidez requerida na inicial. 5. O art. 36 do Código de Ética e Disciplina da OAB determina que os honorários profissionais devem ser fixados com moderação e, quando acrescidos dos honorários de sucumbência, não devem ser superiores às vantagens advindas em favor do constituinte. O STJ (REsp 155.200/DF) já firmou entendimento possibilitando a redução do percentual da verba honorária contratual naquelas situações em que se mostrar lesivo o montante contratado. 6. Apelação do Ministério Público Federal, como fiscal da lei, provido para, mantendo a sentença que concedeu o benefício de aposentadoria por invalidez permanente, reduzir os honorários advocatícios contratuais entre o autor e o causídico de 30% (trinta por cento) para 20% (vinte por cento), em obediência aos princípios da proporcionalidade, da boa-fé, da lealdade e da moderação, e, em razão, essencialmente, da atual condição física, da incapacidade e da hipossuficiência do autor. 7. Apelação do INSS parcialmente provida, para ajustar os consectários (Manual/CJF: atualização monetária e juros de mora). (TRF-1 - AC: 10313451120194019999, Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL GILDA SIGMARINGA SEIXAS, Data de Julgamento: 13/05/2020, PRIMEIRA TURMA)
A presente apelação interposta pelo INSS questiona a sentença que julgou procedente o pedido da autora, Lucineia Martins Rosa, para a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez, com efeitos retroativos à cessação do auxílio-doença. O INSS alega que a autora não possuía a qualidade de segurada no momento da incapacidade e que a incapacidade seria apenas parcial e temporária, não justificando a concessão do benefício.
Inicialmente, cumpre destacar que a prova pericial realizada nos autos é clara ao atestar a incapacidade total e permanente da autora para o trabalho. A autora, de 23 anos, com ensino médio incompleto e portadora de cegueira, não reúne condições de se reabilitar para outra atividade laboral, especialmente considerando seu histórico profissional de trabalho braçal tanto no campo quanto na cidade. A perícia demonstrou que a doença ocular teve início em 2008, quando a autora ainda era estudante, e evoluiu para a incapacidade total constatada em 2016.
Os argumentos do INSS, de que a autora poderia desempenhar tarefas leves e que a incapacidade seria apenas parcial, não se sustentam diante do quadro clínico apresentado. A legislação previdenciária, conforme os artigos 42 e 59 da Lei nº 8.213/91, prevê a concessão de aposentadoria por invalidez quando a incapacidade é total e permanente, sem possibilidade de reabilitação para outra atividade.
Além disso, é importante considerar as condições socioeconômicas da autora, que, devido à sua baixa escolaridade e experiência profissional limitada ao trabalho braçal, não possui possibilidades reais de desempenhar qualquer outra função que lhe permita a subsistência. A exigência de adaptação a outra atividade, após grave adoecimento, seria desproporcional e injusta.
Quanto à correção monetária e aos juros de mora, é necessário proceder a uma alteração de ofício. As condenações de natureza previdenciária devem seguir a orientação estabelecida pelo Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso repetitivo (REsp 1.495.146-MG), aplicando-se o INPC para a correção monetária a partir da vigência da Lei nº 11.430/2006 e os juros de mora conforme a remuneração oficial da caderneta de poupança após a vigência da Lei nº 11.960/2009.
Dessa forma, afasto os argumentos do INSS quanto à inexistência de qualidade de segurada e à incapacidade parcial da autora, mantendo a sentença que concedeu o benefício de aposentadoria por invalidez, com a alteração de ofício dos critérios de correção monetária e juros de mora, conforme estabelecido pelo STJ.
Por fim, os honorários advocatícios fixados na sentença foram mantidos, por estarem em conformidade com o art. 85, § 3º, I, do CPC. No entanto, foram majorados em 2% (dois por cento), totalizando o quantum de 12% (doze por cento) sobre a mesma base de cálculo, conforme o art. 85, § 11, do CPC.
Isso posto, nego provimento à apelação do INSS, nos termos da presente fundamentação.
É como voto.

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 6 - DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO LUIZ DE SOUSA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1020699-05.2020.4.01.9999
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LUCINEIA MARTINS ROSA
Advogado do(a) APELADO: RIAN DIULICE CORDEIRO DA SILVA - MT18139-A
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. TRABALHADOR RURAL. CONDIÇÃO DE SEGURADO ESPECIAL COMPROVADA. LAUDO PERICIAL CONCLUSIVO. INCAPACIDADE LABORAL. IMPOSSIBILIDADE DE REABILITAÇÃO. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS.
1. São requisitos para a concessão dos benefícios de aposentadoria por invalidez e de auxílio-doença: a qualidade de segurado da Previdência Social, com o preenchimento do período de carência de 12 (doze) contribuições mensais, salvo nas hipóteses previstas no art. 26, II, III e art. 39, I, ambos da Lei 8.213/91, e a comprovação de incapacidade para o exercício de atividade que garanta a subsistência (art. 42, § 1º e § 2º, da Lei 8.213/91), devendo essa incapacitação ser definitiva, para a aposentadoria por invalidez, e temporária, no caso do auxílio-doença.
2. A concessão do benefício de aposentadoria por invalidez para trabalhador rural, segurado especial, independe do cumprimento de carência, entretanto, quando os documentos não forem suficientes para a comprovação dos requisitos previstos em lei – prova material plena (art. 39, I c/c 55, § 3º, da Lei 8.213/91), exige-se a comprovação do início de prova material da atividade rural com a corroboração dessa prova indiciária por prova testemunhal.
3. No caso dos autos, a qualidade de segurada especial da parte autora restou devidamente comprovada mediante prova material plena, conforme os documentos catalogados ao feito, evidenciando-se o efetivo exercício de labor rural pela parte requerente.
4. A perícia médica judicial concluiu pela existência de incapacidade laborativa total e permanente da parte autora, impedindo a realização de atividades profissionais, especialmente as relacionadas ao trabalho campesino. Considerando as condições pessoais e socioeconômicas desfavoráveis da requerente e a impossibilidade de adaptação ao exigente mercado de trabalho, é devida a concessão da aposentadoria por invalidez. O segurado deve submeter-se a exames médico-periciais periódicos, conforme art. 101 da Lei n. 8.213/1991, para a manutenção do benefício.
5. A correção monetária deve observar o novo regramento estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral, no julgamento do RE 870.947/SE, que rejeitou todos os embargos de declaração opostos e não modulou os efeitos da decisão anteriormente proferida, restando fixado o IPCA-E como índice de atualização monetária a ser aplicado a todas as condenações judiciais impostas à Fazenda Pública. Juros de mora nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal.
6. Honorários a cargo do INSS devem ser majorados em 2% (dois por cento), a teor do disposto no art. 85, §§ 2º e 3º e 11 do CPC, totalizando o quantum de 12% (doze por cento) calculado sobre as parcelas vencidas até a data da sentença.
7 . Apelação do INSS desprovida. Critérios de correção monetária alterados, de ofício.
ACÓRDÃO
Decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS e alterar de ofício os critérios de correção monetária, nos termos do voto do relator.
Brasília - DF.
ASSINADO DIGITALMENTE
Desembargador Federal João Luiz de Sousa
Relator
