
POLO ATIVO: SANDRA PEREIRA NORONHA
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: BRUNO HENRIQUE MASTIGUIN ROMANINI - TO4718-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR(A):JOAO LUIZ DE SOUSA

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 6 - DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO LUIZ DE SOUSA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1028690-61.2022.4.01.9999
RELATÓRIO
O EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO LUIZ DE SOUSA (RELATOR):
Trata-se de ação ajuizada em desfavor do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, para fins de obtenção de benefício previdenciário.
A sentença julgou improcedente o pedido de aposentadoria por invalidez/auxílio-doença formulado na inicial.
Nas razões de recurso, a parte autora postulou a reforma da sentença, sustentando a comprovação dos requisitos autorizadores à concessão do benefício por invalidez, uma vez que a sua incapacidade laborativa restou comprovada pelo laudo judicial, bem assim a sua qualidade de segurada especial.
Sem contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 6 - DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO LUIZ DE SOUSA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1028690-61.2022.4.01.9999
VOTO
O EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO LUIZ DE SOUSA (RELATOR):
Presentes os pressupostos de admissibilidade, recebo a apelação em seu efeito devolutivo (art. 1.011 e 1.012 do CPC).
A aposentadoria por invalidez será concedida, nos termos do art. 42 da Lei n. 8.213/1991, ao segurado que, estando ou não em gozo do auxílio-doença, for considerado incapaz para o trabalho, de forma total e permanente, e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e será paga enquanto permanecer nessa situação.
A concessão do benefício de aposentadoria por invalidez para trabalhador rural, segurado especial, independe do cumprimento de carência, entretanto, quando os documentos não forem suficientes para a comprovação dos requisitos previstos em lei – prova material plena (art. 39, I c/c 55, § 3º, da Lei 8.213/91), exige-se a comprovação do início de prova material da atividade rural com a corroboração dessa prova indiciária por prova testemunhal.
O auxílio-doença será devido ao segurado empregado, cf. art. 60 da Lei n. 8.213/1991, a contar do décimo sexto dia do afastamento da atividade e, no caso dos demais segurados, a contar da data do início da incapacidade e enquanto ele permanecer incapacitado para o trabalho. Neste caso, a incapacidade é parcial e temporária.
A situação peculiar do trabalho rural e a dificuldade encontrada pelos trabalhadores em comprovar o vínculo empregatício, o trabalho temporário ou mesmo o trabalho exercido autonomamente no campo são fatores que permitiram que a jurisprudência considerasse outros documentos (dotados de fé pública) não especificados na lei, para fins de concessão de aposentadoria rural.
Assim, conforme jurisprudência pacificada dos Tribunais, a qualificação profissional de lavrador ou agricultor, constante dos assentamentos de registro civil, constitui indício aceitável do exercício da atividade rural, nos termos do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, podendo projetar efeitos para período de tempo anterior e posterior, conforme o princípio da presunção de conservação do estado anterior, ao nele retratado, desde que corroborado por segura prova testemunhal.
A lei não exige que o exercício de atividade rural seja integral ou contínuo (art. 48, §§ 1º e 2º, da Lei n. 8.213/91).
São idôneos para a comprovação do exercício de atividade rural, entre outros, a ficha de alistamento militar, o certificado de dispensa de incorporação (CDI), o título eleitoral em que conste como lavrador a profissão do segurado (STJ, AgRG no REsp 939191/SC); a certidão de casamento, a carteira de sindicato rural com comprovantes de recolhimento de contribuições, o boletim escolar de filhos que tenham estudado em escola rural (STJ AgRG no REsp 967344/DF); certidão de casamento que atesta a condição de lavrador do cônjuge ou do próprio segurado (STJ, AR 1067/SP, AR1223/MS); declaração de Sindicato de Trabalhadores Rurais, devidamente homologada pelo Ministério Público (STJ, AR3202/CE).
Igualmente aceitáveis documentos tais como certidões do INCRA, guias de recolhimento de ITR, documentos fiscais de venda de produtos rurais, recibos de pagamento a sindicato rural, certidão de registro de imóveis relativos a propriedade rural, contratos de parceria agrícola e todos outros que estabeleçam, indiquem ou apenas indiciem a ligação da parte autora com o trabalho no meio rural, bem como, a CTPS com anotações de trabalho rural da parte autora, que é considerada prova plena do período nela registrado e início de prova material para o restante do período de carência (REsp 310.264/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 6ª Turma, DJ 18.02.2002, p. 530; AC 2004.38.03.000757-8/MG, Rel. Desembargadora Federal Neuza Maria Alves da Silva, Segunda Turma,e-DJF1 p.33 de 17/07/2008, AC 0004262-35.2004.4.01.3800/MG, Rel. Juiz Federal Miguel Ângelo de Alvarenga Lopes, 3ª Turma Suplementar,e-DJF1 p.191 de 02/03/2011.
Ressalta-se, ainda, que alguns documentos públicos constituem prova plena da condição de segurado especial, tornando assim desnecessária a produção da prova testemunhal. Assim, por exemplo, a existência de anotações na CTPS em relação a vínculos rurícolas, registros no CNIS e documentos comprobatórios da concessão de benefício anterior (auxílio doença, por exemplo) demonstram cabalmente a vinculação ao RGPS. Em tais casos, apenas nas situações em que a documentação for anterior ao chamado “período de graça” é que se mostrará necessária a corroboração pela prova testemunhal.
Deve ser registrada, a propósito, a consolidação jurisprudencial quanto à ausência de perda dessa condição nas hipóteses em que o trabalhador deixa de exercer atividade remunerada por conta do acometimento ou agravamento da patologia incapacitante.
Deve ser consignado, por importante, que a incapacidade para o trabalho deve ser aferida considerando-se as condições pessoais do trabalhador e as atividades por ele desempenhadas, daí resultando que os trabalhadores com baixa instrução e/ou que ao longo da vida desempenharam atividades que demandassem esforço físico e que não mais puderem a ele se submeter devem ser considerados como incapacitados, não sendo possível exigir destes a reabilitação para outra atividade dissociada do histórico profissional até então exercido.
Na hipótese, a qualidade de segurada especial da parte autora restou devidamente comprovada ante a apresentação da carteira de pescadora profissional, com data de registro desde 2006, declaração de exercício de atividade rural, expedida pela colônia de pescadores Z-14 de Filadélfia-To, indicando atividade profissional no período de 13/03/2006 a 12/07/2019, requerimento de seguro-desemprego pescador artesanal (defeso 2014-2015), certidão de nascimento da autora, datada de 29/07/80, em que consta a profissão de seu pai como lavrador, certidão de nascimento dos filhos da autora, em que esta é qualificada como lavradora (datadas de 19/02/01 e 22/10/04). Os documentos apresentados foram devidamente corroborados por prova testemunhal idônea e inequívoca, evidenciando-se o efetivo exercício de labor rural pela parte requerente.
Quanto à incapacidade, de acordo com o laudo judicial (id 268877065 - Pág. 98-103), a parte autora é portadora de “Sequelas de fratura de braço T CID 92.1”. O expert afirma que a atividade habitual da autora requer equilíbrio para caminhar por longas distâncias, em terreno acidentado, adotar posturas desconfortáveis e força para manejar instrumentos de pesca, restando devidamente comprovada a incapacidade da autora para exercer sua atividade habitual, de forma total e temporária, estimando a necessidade de afastamento de suas atividades até o fim do período de convalescença da cirurgia a ser realizada pelo SUS, motivo pelo qual, a perita não indicou a data de cessação do benefício. Nessa perspectiva, mostra-se inviável a concessão da aposentadoria por invalidez devido a não comprovação da incapacidade laborativa total e permanente de modo omniprofissional.
Desse modo, deve ser reconhecido o direito ao recebimento de auxílio-doença, enquanto perdurar sua condição incapacitante, nos termos da legislação de regência.
No caso dos autos, o termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo. Devem, ainda, ser descontados os importes eventualmente recebidos, no mesmo período, a título de benefício inacumulável.
Cumpre frisar que, salvo proibição judicial expressa, inexistente na hipótese dos autos, pode e deve a Previdência Social proceder à submissão da segurada a exame médico, para manter ou fazer cessar o benefício, nos termos do art. 70 e 71 da Lei de Custeio e do art. 101 da Lei de Benefícios, porque o fato jurígeno do direito é a incapacidade definitiva para o trabalho e não a tramitação do processo judicial, que pode fazer delongar no tempo a percepção injustificada de beneficio previdenciário.
O processo judicial não tem por efeito congelar a incapacidade laboral, que só a perícia médica pode atestar, e a recuperação da capacidade de trabalho configura fato superveniente à propositura da ação e que deverá ser levado em consideração pelo juiz ao proferir sua sentença, nos termos do art. 493 do Código de Processo Civil, reconhecendo o direito ao benefício até a recuperação, se for o caso, da condição de trabalho, atestada pela perícia.
Portanto, o pagamento do benefício previdenciário deve ser mantido até que a parte autora seja submetida à nova perícia médica, cuja conclusão pode ser pela prorrogação ou não do benefício, ressalvando-se, todavia, as hipóteses previstas no art. 101 da Lei n. 8.213/1991.
A prescrição, no caso, atinge as prestações anteriores a cinco anos da data em que deveriam ter sido pagas, conforme regra do parágrafo único do art. 103 da Lei 8.213/91.
Correção monetária e juros de mora nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal.
Saliento que eventual determinação de pagamento das parcelas vencidas de uma só vez não exclui a adoção do procedimento legal previsto para sua cobrança (§§ 1º e 2º do art. 100 da Constituição Federal).
Por fim, quanto à verba honorária, inverto-a em favor da parte autora, fixando-a em 10% (dez por cento) sobre o valor das diferenças vencidas até a data da prolação deste acórdão, a teor do disposto no art. 85, §§ 2º e 3º e 11º do CPC.
Posto isso, dou provimento à apelação para, reformando a sentença, conceder o benefício de auxílio-doença à parte autora, nos termos da presente fundamentação.
É como voto.

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 6 - DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO LUIZ DE SOUSA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1028690-61.2022.4.01.9999
APELANTE: SANDRA PEREIRA NORONHA
Advogado do(a) APELANTE: BRUNO HENRIQUE MASTIGUIN ROMANINI - TO4718-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. TRABALHADOR RURAL. INCAPACIDADE TEMPORÁRIA E TOTAL. POSSIBILIDADE DE RECUPERAÇÃO. CONCESSÃO DE AUXÍLIO-DOENÇA. SENTENÇA REFORMADA.
1. São requisitos para a concessão dos benefícios de aposentadoria por invalidez e de auxílio-doença: a qualidade de segurado da Previdência Social, com o preenchimento do período de carência de 12 (doze) contribuições mensais, salvo nas hipóteses previstas no art. 26, II, III e art. 39, I, ambos da Lei 8.213/91, e a comprovação de incapacidade para o exercício de atividade que garanta a subsistência (art. 42, § 1º e § 2º, da Lei 8.213/91), devendo essa incapacitação ser definitiva, para a aposentadoria por invalidez, e temporária, no caso do auxílio-doença.
2. A concessão do benefício de aposentadoria por invalidez para trabalhador rural, segurado especial, independe do cumprimento de carência, entretanto, quando os documentos não forem suficientes para a comprovação dos requisitos previstos em lei – prova material plena (art. 39, I c/c 55, § 3º, da Lei 8.213/91), exige-se a comprovação do início de prova material da atividade rural com a corroboração dessa prova indiciária por prova testemunhal.
3. Na hipótese, a qualidade de segurada especial da parte autora restou devidamente comprovada ante a apresentação da carteira de pescadora profissional, com data de registro desde 2006, declaração de exercício de atividade rural, expedida pela colônia de pescadores Z-14 de Filadélfia-To, indicando atividade profissional no período de 13/03/2006 a 12/07/2019, requerimento de seguro-desemprego pescador artesanal (defeso 2014-2015), certidão de nascimento da autora, datada de 29/07/80, em que consta a profissão de seu pai como lavrador, certidão de nascimento dos filhos da autora, em que esta é qualificada como lavradora (datadas de 19/02/01 e 22/10/04). Os documentos apresentados foram devidamente corroborados por prova testemunhal idônea e inequívoca, evidenciando-se o efetivo exercício de labor rural pela parte requerente.
4. Quanto à incapacidade, de acordo com o laudo judicial (id 268877065 - Pág. 98-103), a parte autora é portadora de “Sequelas de fratura de braço T CID 92.1”. O expert afirma que a atividade habitual da autora requer equilíbrio para caminhar por longas distâncias, em terreno acidentado, adotar posturas desconfortáveis e força para manejar instrumentos de pesca, restando devidamente comprovada a incapacidade da autora para exercer sua atividade habitual, de forma total e temporária, estimando a necessidade de afastamento de suas atividades até o fim do período de convalescença da cirurgia a ser realizada pelo SUS, motivo pelo qual, a perita não indicou a data de cessação do benefício. Nessa perspectiva, mostra-se inviável a concessão da aposentadoria por invalidez devido a não comprovação da incapacidade laborativa total e permanente de modo omniprofissional. Desse modo, deve ser reconhecido o direito ao recebimento de auxílio-doença, enquanto perdurar sua condição incapacitante, nos termos da legislação de regência.
5. No caso dos autos, o termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo. Devem, ainda, ser descontados os importes eventualmente recebidos, no mesmo período, a título de benefício inacumulável.
6. Correção monetária e juros de mora nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal.
7. Honorários advocatícios fixados, em favor da parte autora, no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor das diferenças vencidas até a data da prolação deste acórdão, a teor do disposto no art. 85, §§ 2º e 3º e 11º do CPC.
8. Apelação da autora provida em parte para, reformando a sentença, conceder o benefício de auxílio-doença à parte autora.
ACÓRDÃO
Decide a Segunda Turma do TRF da 1ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação da parte autora, nos termos do voto do Relator.
Brasília - DF.
ASSINADO DIGITALMENTE
Desembargador Federal João Luiz de Sousa
Relator
