
POLO ATIVO: RAIMUNDO PEREIRA DE SOUSA
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: RICARDO DE QUEIROZ GUIMARAES - TO5293-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR(A):EDUARDO MORAIS DA ROCHA

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 01 - DESEMBARGADOR FEDERAL MORAIS DA ROCHA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) n. 1016438-26.2022.4.01.9999
R E L A T Ó R I O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MORAIS DA ROCHA (RELATOR):
1. A parte autora propôs ação de procedimento comum contra o INSS, objetivando o restabelecimento de auxilio doença cumulado com pedido de conversão em aposentadoria por invalidez.
2. Sentença prolatada pelo MM. Juiz a quo, julgando o pedido improcedente.
3. Apela a parte autora, sustentando, em síntese, que o laudo médico pericial foi superficial e contraditório, o que resultou em equivocada interpretação do juizo primevo sobre o direito, a despeito de todo acervo probatório juntado aos autos. Aduz que o fato de o autor ser lavrador, possuir visão monocular, a qual põe em risco o exercício da sua atividade, o coloca na fática situação de possuidor do direito ao benefício por incapacidade laboral.
4. A parte apelada foi intimada para contrarrazões.
É o breve relatório.
Desembargador Federal MORAIS DA ROCHA
Relator

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 01 - DESEMBARGADOR FEDERAL MORAIS DA ROCHA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) n. 1016438-26.2022.4.01.9999
V O T O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MORAIS DA ROCHA (RELATOR):
1. Segundo os termos do Enunciado Administrativo n. 3/STJ, aprovado pelo Plenário da Corte na sessão de 9/3/2016: “Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.”
2. A sentença recorrida, nos pontos objeto da controvérsia recursal, se fundamentou, em síntese, no seguinte: “Documentos médicos apresentados no evento 01 e o laudo médico pericial (evento 34) demonstram que a parte autora esta incapacitada para o exercício de atividades laborais somente que demandem estereopsia (viso tridimensional), e que a atividade desenvolvida pela parte autora na demanda tal habilidade. Em manifestação (evento 43), a parte autora pugna subsidiariamente pela concessão do benefício de auxílio-acidente, a partir do dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença, em 24/07/2019. Entretanto, o laudo médico pericial colacionado aos autos (evento 34), sugere que a atividade habitual da parte autora não implica em redução de sua capacidade. Dessa forma, por todo o contexto, o requisito da incapacidade definitiva não foi preenchido”.
3. Compulsando os autos, verifica-se que o laudo médico-pericial, constante do Doc de ID 223487558, fez as seguintes afirmações, as quais serão importantes para o deslinde da controvérsia recursal: a) Profissão do periciando : Lavrador há 40 anos ( Constante do Histórico laboral) ; b) Provável ocorrência da patologia: “ Provável trauma de elevada energia e etiologia desconhecida no olho afetado” ( resposta ao quesito “c” do juízo); c) Doença diagnosticada foi a Cegueira monocular ( resposta ao quesito “b” do juizo); d) Incapacidade temporária: “ A incapacidade se iniciou em 29/05/19, data do trauma, encerrando-se provavelmente em 29/08/19” ( resposta ao quesito “i” do juizo); e) Necessidade de tratamento permanente: “O hiato nas datas dos documentos médicos sugere que a parte autora não está realizando tratamento atualmente. O tratamento é permanente. Há previsão de tratamento cirúrgico (implantação de lente intraocular). Foi realizado tratamento cirúrgico. O tratamento é oferecido pelo SUS”. (resposta ao quesito “o” do juízo);
4. Ainda, o laudo técnico pericial não respondeu a nenhum quesito formulado pelas partes, limitando-se a apontar as respostas dadas aos quesitos do juizo.
5. Observo que as seguintes questões, no contexto biopsicossocial, foram reveladas pelo acervo probatório juntado aos autos: a) O autor conta com mais de 60 anos de idade b) Possui baixa escolaridade c) Laborou por toda sua vida no meio rural como lavrador.
6. Os documentos médicos que instruíram a exordial foram fornecidos pelo SUS ( documentos públicos que gozam de presunção de veracidade) e constataram o seguinte: a) Possui visão monocular decorrente de trauma em um dos olhos; b) Passou por cirurgia de construção de Câmara anterior do olho e precisa de implante secundário de lente intraocular; c) Não há possibilidade de recuperação total da visão do olho afetado;
7. A Lei 14.126/2021 classificou a visão monocular como deficiência sensorial, do tipo visual. Uma das questões teleológicas que culminaram na aprovação da referida legislação foi o fato de que, de acordo com o Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO), as pessoas monoculares têm dificuldades com noções de distância, profundidade e espaço, o que prejudica a coordenação motora e, consequentemente, o equilíbrio.
8. Nesse contexto, tal como descrito no Manual Técnico de Perícia Médica Previdenciária do INSS (Capitulo VII- Conceito de Incapacidade, Invalidez e Deficiência) : “ Deverá estar implicitamente incluído no conceito de incapacidade, desde que palpável e indiscutível no caso concreto, o risco para si ou para terceiros, ou o agravamento da patologia sob análise, que a permanência em atividade possa acarretar”.
9. Assim, em que pese o perito médico tenha concluído pela ausência de incapacidade laboral, contata-se, conforme acima mencionado, que a cegueira monocular afeta, diretamente, a noção de profundidade, trazendo riscos ao trabalhador rural, no manuseio de ferramentas necessárias ao exercício da sua atividade (foice, enxada, facão, roçadeira entre outros), assim como na lida com os animais (gado, cavalo, porcos entre outros).
10. Não se pode olvidar, nesta toada, que a jurisprudência deste Tribunal já julgou diversos recursos a favor do trabalhador rural com cegueira monocular ( AC 0038395-90.2013.4.01.9199 , DESEMBARGADORA FEDERAL GILDA SIGMARINGA SEIXAS, TRF1 - PRIMEIRA TURMA, e-DJF1 27/06/2018; AC 0064478-75.2015.4.01.9199 , DES. FEDERAL JOÃO LUIZ DE SOUSA, TRF1 - SEGUNDA TURMA, e-DJF1 14/11/2016; AC 1019043-47.2019.4.01.9999 , JUIZ FEDERAL LEÃO APARECIDO ALVES, TRF1 - SEGUNDA TURMA, PJe 07/02/2020; AC 0072767-70.2010.4.01.9199 , DES. FEDERAL CARLOS AUGUSTO PIRES BRANDÃO, TRF1 - PRIMEIRA TURMA, e-DJF1 06/06/2018; AC 0021354-76.2014.4.01.9199 , DES. FEDERAL JAMIL ROSA DE JESUS OLIVEIRA, TRF1 - PRIMEIRA TURMA, e-DJF1 01/06/20160).
11. Diante disso, considerando o acervo probatório produzidos nos autos, em cotejo com algumas conclusões do próprio médico do perito; levando-se em conta que a fundamentação do laudo pericial produzido nos autos foi insuficiente, sem a devida profissiografia (nexo entre as atividades exercidas em alguma profissão e as limitações decorrentes da patologia apresentada); considerando o que dispõe o Art. 479 do CPC, que positiva a máxima judex est peritus peritorum e a jurisprudência do STJ acerca da matéria, entendo que a sentença merece reparo.
12. Conforme alhures mencionado, o risco do exercício profissional diante da cegueira monocular, ao contrário do que concluiu o perito do juizo, o coloca na situação de incapacidade laboral, pelo conceito implícito de incapacidade trazido pelo Manual Técnico de Perícia Médica Previdenciária formulado por médicos peritos do próprio INSS. O fato de o autor possuir mais de 60 anos de idade, ter baixa instrução e ter laborado por toda vida no meio rural – mais de 40 anos (vasto acervo probatório anexado aos autos) o coloca (pela análise biopsicossocial) em situação de risco social e baixa probabilidade de ser readaptado para outras funções que não requeiram boa acuidade visual.
13. Por conseguinte, a sentença merece ser reformada para que seja concedido, ao autor, o benefício de aposentadoria por invalidez, desde a DCB (29/11/2019), o qual poderá ser revisto mediante eficácia de eventual programa de reabilitação profissional, previsto no Art. 89 da Lei 8.213/90, no qual o segurado seja inserido.
14. Ante o exposto, dou provimento ao recurso para condenar o INSS a implantar a aposentadoria por invalidez ao autor desde a DCB (29/11/2019) e pagar-lhe as parcelas vencidas desde então, acrescidos de juros e correção monetária, nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal.
15. Honorários de advogado fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor das prestações devidas até a data da prolação deste acórdão.
É o voto
Desembargador Federal MORAIS DA ROCHA
Relator

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 01 - DESEMBARGADOR FEDERAL MORAIS DA ROCHA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1016438-26.2022.4.01.9999
RELATOR: Des. MORAIS DA ROCHA
APELANTE: RAIMUNDO PEREIRA DE SOUSA
Advogado do(a) APELANTE: RICARDO DE QUEIROZ GUIMARAES - TO5293-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. VISÃO MONOCULAR. TRABALHADOR RURAL. PERDA DA NOÇÃO DE PROFUNDIDADE. RISCO NO MANUSEIO DAS FERRAMENTAS COTIDIANAS USADAS PELO LAVRADOR. CONCEITO IMPLICITO DE INCAPACIDADE TRAZIDO PELO MANUTAL TÉCNICO DE PERÍCIA MÉDICA PREVIDENCIÁRIA DO INSS. INCAPACIDADE BIOPSICOSSOCIAL. IDADE AVANÇADA, BAIXO NÍVEL DE INSTRUÇÃO, PROBABILIDADE REMOTA DE REBILITAÇÃO PROFISSIONAL. LAUDO PERICIAL COM DEFICIENTE FUNDAMENTAÇÃO APLICAÇÃO DO ART. 479 DO CPC. JUDEX EST PERITUS PERITORUM. JUIZ PODE DECIDIR DE FORMA CONTRÁRIA AO LAUDO PERICIAL, BASEANDO-SE EM CIRCUSTÂNCIAS FÁTICAS E PROBATÓRIAS APRESENTADAS NO PROCESSO. SENTENÇA REFORMADA. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PROVIDA.
1. Segundo os termos do Enunciado Administrativo n. 3/STJ, aprovado pelo Plenário da Corte na sessão de 9/3/2016: “Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.”
2. A sentença recorrida, nos pontos objeto da controvérsia recursal, se fundamentou, em síntese, no seguinte: “Documentos médicos apresentados no evento 01 e o laudo médico pericial (evento 34) demonstram que a parte autora est incapacitada para o exercício de atividades laborais somente que demandem estereopsia (viso tridimensional), e que a atividade desenvolvida pela parte autora na demanda tal habilidade. Em manifestação (evento 43), a parte autora pugna subsidiariamente pela concesso do benefício de auxílio-acidente, a partir do dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença, em 24/07/2019... Entretanto, o laudo médico pericial colacionado aos autos (evento 34), sugere que a atividade habitual da parte autora não implica em redução de sua capacidade. Dessa forma, por todo o contexto, o requisito da incapacidade definitiva não foi preenchido”.
3. Compulsando os autos, verifica-se que o laudo médico-pericial, constante do Doc de ID 223487558, fez as seguintes afirmações, as quais serão importantes para o deslinde da controvérsia recursal: a) Profissão do periciando : Lavrador há 40 anos ( Constante do Histórico laboral) ; b) Provável ocorrência da patologia: “ Provável trauma de elevada energia e etiologia desconhecida no olho afetado” ( resposta ao quesito “c” do juízo); c) Doença diagnosticada foi a Cegueira monocular ( resposta ao quesito “b” do juizo); d) Incapacidade temporária: “ A incapacidade se iniciou em 29/05/19, data do trauma, encerrando-se provavelmente em 29/08/19” ( resposta ao quesito “i” do juizo); e) Necessidade de tratamento permanente: “ O hiato nas datas dos documentos médicos sugere que a parte autora não está realizando tratamento atualmente. O tratamento é permanente. Há previsão de tratamento cirúrgico (implantação de lente intraocular). Foi realizado tratamento cirúrgico. O tratamento é oferecido pelo SUS”. (resposta ao quesito “o” do juízo);
4. Observa-se que as seguintes questões, no contexto biopsicossocial, foram reveladas pelo acervo probatório juntado aos autos: a) O autor conta com mais de 60 anos de idade b) Possui baixa escolaridade c) Laborou por toda sua vida no meio rural como lavrador.
6. Os documentos médicos que instruíram a exordial foram fornecidos pelo SUS ( documentos públicos que gozam de presunção de veracidade) e constataram o seguinte: a) Possui visão monocular decorrente de trauma em um dos olhos; b) Passou por cirurgia de construção de Câmara anterior do olho e precisa de implante secundário de lente intraocular; c) Não há possibilidade de recuperação total da visão do olho afetado;
7. A Lei 14.126/2021 classificou a visão monocular como deficiência sensorial, do tipo visual. Uma das questões teleológicas que culminaram na aprovação da referida legislação foi o fato de que, de acordo com o Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO), as pessoas monoculares têm dificuldades com noções de distância, profundidade e espaço, o que prejudica a coordenação motora e, consequentemente, o equilíbrio.
8. Nesse contexto, tal como descrito no Manual Técnico de Perícia Médica Previdenciária do INSS (Capitulo VII- Conceito de Incapacidade, Invalidez e Deficiência) : “ Deverá estar implicitamente incluído no conceito de incapacidade, desde que palpável e indiscutível no caso concreto, o risco para si ou para terceiros, ou o agravamento da patologia sob análise, que a permanência em atividade possa acarretar”.
9. Assim, em que pese o perito médico tenha concluído pela ausência de incapacidade laboral, contata-se, conforme acima mencionado, que a cegueira monocular afeta, diretamente, a noção de profundidade, trazendo riscos ao trabalhador rural, no manuseio de ferramentas necessárias ao exercício da sua atividade (foice, enxada, facão, roçadeira entre outros), assim como na lida com os animais (gado, cavalo, porcos entre outros).
10. Não se pode olvidar, nesta toada, que a jurisprudência deste Tribunal já julgou diversos recursos a favor do trabalhador rural com cegueira monocular ( AC 0038395-90.2013.4.01.9199 , DESEMBARGADORA FEDERAL GILDA SIGMARINGA SEIXAS, TRF1 - PRIMEIRA TURMA, e-DJF1 27/06/2018; AC 0064478-75.2015.4.01.9199 , DES. FEDERAL JOÃO LUIZ DE SOUSA, TRF1 - SEGUNDA TURMA, e-DJF1 14/11/2016; AC 1019043-47.2019.4.01.9999 , JUIZ FEDERAL LEÃO APARECIDO ALVES, TRF1 - SEGUNDA TURMA, PJe 07/02/2020; AC 0072767-70.2010.4.01.9199 , DES. FEDERAL CARLOS AUGUSTO PIRES BRANDÃO, TRF1 - PRIMEIRA TURMA, e-DJF1 06/06/2018; AC 0021354-76.2014.4.01.9199 , DES. FEDERAL JAMIL ROSA DE JESUS OLIVEIRA, TRF1 - PRIMEIRA TURMA, e-DJF1 01/06/20160).
11. Diante disso, considerando o acervo probatório produzidos nos autos, em cotejo com algumas conclusões do próprio médico do perito; levando-se em conta que a fundamentação do laudo pericial produzido nos autos foi insuficiente, sem a devida profissiografia (nexo entre as atividades exercidas em alguma profissão e as limitações decorrentes da patologia apresentada); considerando o que dispõe o Art. 479 do CPC, que positiva a máxima judex est peritus peritorum e a jurisprudência do STJ acerca da matéria, a sentença merece reparo.
12. O risco do exercício profissional diante da cegueira monocular, ao contrário do que concluiu o perito do juizo, o coloca na situação de incapacidade laboral, pelo conceito implícito de incapacidade trazido pelo Manual Técnico de Perícia Médica Previdenciária formulado por médicos peritos do próprio INSS. O fato de o autor possuir mais de 60 anos de idade, ter baixa instrução e ter laborado por toda vida no meio rural – mais de 40 anos (vasto acervo probatório anexado aos autos) o coloca (pela análise biopsicossocial) em situação de risco social e baixa probabilidade de ser readaptado para outras funções que não requeiram boa acuidade visual.
13. O autor faz jus ao benefício de aposentadoria por invalidez, desde a DCB (29/11/2019), o qual poderá ser revisto mediante eficácia de eventual programa de reabilitação profissional, previsto no Art. 89 da Lei 8.213/90, no qual o segurado seja inserido.
14. Correção monetária e juros de mora nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal.
15. Honorários de advogado fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor das prestações devidas até a data da prolação deste acórdão.
16. Apelação provida.
A C Ó R D Ã O
Decide a Primeira Turma, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator.
Brasília/DF, data da sessão de julgamento.
Desembargador Federal MORAIS DA ROCHA
