
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
POLO PASSIVO:OSVALDO DE MENEZES
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: ADRIANA DONDE MENDES - RO4785-A, MARIANA DONDE MARTINS DE MORAES - RO5406-A, BRUNA CARINE ALVES DA COSTA - RO10401-A e JULIAN CUADAL SOARES - RO2597-A
RELATOR(A):MARCELO VELASCO NASCIMENTO ALBERNAZ

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 03 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1023611-67.2023.4.01.9999
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
APELADO: OSVALDO DE MENEZES
Advogados do(a) APELADO: ADRIANA DONDE MENDES - RO4785-A, BRUNA CARINE ALVES DA COSTA - RO10401-A, JULIAN CUADAL SOARES - RO2597-A, MARIANA DONDE MARTINS DE MORAES - RO5406-A
RELATÓRIO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSS contra sentença na qual foi julgado procedente o pedido de aposentadoria rural por idade, desde a data do ajuizamento da ação.
O recorrente alega que a esposa do autor possui vínculos urbanos, o que descaracteriza a sua condição de segurado especial. Diz que o autor participou de cooperativa privada de pequenos produtores rurais em São Francisco do Guapore, porém possui inscrição de produtor rural também em Nova Brasilâncdia do Oeste (RO). Alega que possui patrimônio incompatível, sendo proprietário de um veículo com valor estimado em R$82.531,00. Requer a improcedência do pedido.
Subsidiariamente pugna pela observância da prescrição quinquenal; na hipótese de concessão de aposentadoria, a intimação da parte autora para firmar e juntar aos autos a autodeclaração prevista no anexo I da Portaria INSS nº 450, de 03 de abril de 2020, em observância às regras de acumulação de benefícios estabelecida no art. 24, §§ 1.º e 2.º da Emenda Constitucional 103/2019; a fixação dos honorários advocatícios nos termos da Súmula 111 do STJ; a declaração de isenção de custas e outras taxas judiciárias; o desconto dos valores já pagos administrativamente ou de qualquer benefício inacumulável recebido no período e a cobrança de eventuais valores pagos em sede de antecipação dos efeitos da tutela posteriormente revogada.
A parte autora apresentou contrarrazões.
É o relatório.
Desembargador Federal MARCELO ALBERNAZ
Relator

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 03 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1023611-67.2023.4.01.9999
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
APELADO: OSVALDO DE MENEZES
Advogados do(a) APELADO: ADRIANA DONDE MENDES - RO4785-A, BRUNA CARINE ALVES DA COSTA - RO10401-A, JULIAN CUADAL SOARES - RO2597-A, MARIANA DONDE MARTINS DE MORAES - RO5406-A
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ (RELATOR):
Preliminarmente, consigno que o recurso preenche os requisitos subjetivos e objetivos de admissibilidade.
DO MÉRITO
A concessão do benefício de aposentadoria por idade ao trabalhador rural exige o preenchimento da idade mínima de 60 anos para homens e 55 anos para mulher, bem como a efetiva comprovação de exercício em atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido (art. 48, §§ 1º e 2º, e art. 142, ambos da Lei nº 8.213/91).
O efetivo exercício da atividade campesina deve ser demonstrado através do início de prova material, corroborado por prova oral.
O art. 106 da Lei nº 8.213/91 elenca diversos documentos aptos à comprovação do exercício de atividade rural, sendo pacífico na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que tal rol é meramente exemplificativo (REsp 1.719.021/SP, Segunda Turma, Relator Ministro Herman Benjamin, julgado em 1º/3/2018, DJe 23/11/2018).
Assim, a fim de comprovar o tempo de serviço rural, a jurisprudência admite outros documentos além dos previstos na norma legal, tais com a certidão de casamento, a carteira de sindicato rural com comprovantes de recolhimento de contribuições, o boletim escolar de filhos que tenham estudado em escola rural (STJ AgRG no REsp 967344/DF), certidão de casamento que atesta a condição de lavrador do cônjuge ou do próprio segurado (STJ, AR 1067/SP, AR1223/MS); declaração de Sindicato de Trabalhadores Rurais, devidamente homologada pelo Ministério Público (STJ, AR3202/CE), desde que contemporâneos ao período que se pretende comprovar.
Registra-se, na oportunidade, não ser necessário que o início de prova material corresponda a todo o período equivalente à carência do benefício, conforme disposto na Súmula 14 da TNU, nem que o exercício de atividade rural seja integral ou contínuo (art. 48, §§ 1º e 2º, da Lei nº 8.213/91).
Convém registrar, ainda, que documentos tais como declarações de sindicatos sem a devida homologação do INSS e do Ministério Público; a certidão eleitoral com anotação indicativa da profissão de lavrador; declarações escolares, de Igrejas, de ex-empregadores e afins; prontuários médicos em que constem as mesmas anotações; além de outros que a esses possam se assemelhar não são aptos a demonstrar o início de prova material, na medida em que não se revestem de maiores formalidades.
Fixadas essas premissas, passo à análise do caso concreto.
No caso dos autos, a parte autora, nascida em 27/05/1960, preencheu o requisito etário em 27/05/2020 (60 anos) e requereu administrativamente o benefício de aposentadoria por idade rural em 12/03/2021, o qual restou indeferido por ausência de comprovação de efetivo exercício de atividade rural. Ajuizou a presente ação em 19/11/2021, pleiteando a concessão do benefício mencionado.
Para comprovação da qualidade de segurado e carência, a parte autora trouxe aos autos, entre outros, os seguintes documentos: Título do INCRA em favor do autor e da sua esposa, referente à gleba denominada Terra Firma, no PA Gogó da Onça (99,2 hectares), datado de 2003; certidão de casamento, em 1987, constando a sua profissão como agricultor; contrato de arrendamento de pasto de terra localizada no Município de Nova Brasilândia do Oeste/RO, constando o autor como arrendatário, com firma reconhecida em 23/05/2018; notas fiscais de compra de produtos agrícolas; nota fiscal de produtor rural de venda de bezerras, emitida em 2013; notas fiscais de venda de leite, anos 2004, 2005 e 2006.
Da análise dos documentos apresentados, vê-se que o Título do INCRA em favor do autor e da sua esposa, referente à gleba denominada Terra Firma, no PA Gogó da Onça (99,2 hectares), datado de 2003; o contrato de arrendamento de pasto de terra localizada no município de Nova Brasilândia do Oeste/RO, constando o autor como arrendatário, com firma reconhecida em 23/05/2018; a nota fiscal de produtor rural de venda de bezerras, emitida em 2013, e as notas fiscais de venda de leite, anos 2004, 2005 e 2006, constituem início razoável de prova material da sua condição de segurado especial.
Destaca-se que a certidão de casamento em 1987, com indicação da sua profissão de agricultor, não serve no presente caso como início de prova material, tendo em vista que o CNIS do requerente registra vínculos urbanos de longa duração entre 1987 e 1991.
Assim, somente é possível reconhecer o exercício de atividade rural a partir de 2003, quando lhe foi outorgada propriedade rural pelo INCRA. Após essa data, consta no seu CNIS apenas um recolhimento como contribuinte individual, no curtíssimo período de 08/2012 a 09/2012, o que não afasta sua qualificação segurado especial.
O início de prova material foi corroborado pela prova testemunhal colhida, que confirmou o exercício da atividade rural pela parte autora pelo prazo necessário à concessão do benefício.
O INSS alega em sua defesa que a esposa do requerente manteve vínculos urbanos, fato que afastaria a condição de segurado especial do autor.
Segundo entendimento firmado pelo STJ no julgamento do REsp 1.304.479-SP, sob o rito do art. 543-C do CPC, o fato de um dos membros do grupo exercer atividade incompatível com o regime de economia familiar não descaracteriza, por si só, a atividade agrícola dos demais componentes, caso haja prova em nome próprio, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar.
No caso em análise, os vínculos urbanos da esposa do autor não afastam a condição de segurado especial do mesmo, tendo em vista que ele apresentou prova em nome próprio quanto ao desempenho da atividade rural e não restou demonstrada nos autos a dispensabilidade do labor rural para o sustento da família diante do salário auferido pela sua esposa.
Ademais, o fato de o autor estar cadastrado como produtor rural, na atividade de criação de bovinos para corte, não afasta sua qualificação como segurado rural. Pelo contrário, confirma a atividade rurícola e não é incompatível com o regime de economia familiar. Da mesma forma, a participação em cooperativa de produtores rurais, no cargo de presidente, corrobora a sua condição de rurícola.
Vale ressaltar que restou demonstrado o exercício da atividade rural tanto no município de Nova Brasilândia do Oeste/RO, como arrendatário, como faz prova o contrato de arrendamento, como também em São Francisco do Guapore/RO, em terra que lhe foi outorgada pelo INCRA. Em relação a esta última propriedade, importa mencionar que a sua extensão é de 99,2 hectares, o que não ultrapassa o limite de quatro módulos fiscais, conforme consulta feita no sítio eletrônico da Embrapa.
Registra-se ainda que a existência de veículo em nome do requerente (CHEVROLET/S10 lt DD4A, 2015/2015) não descaracteriza a condição de segurado especial. Isso porque, tratando-se de pequeno proprietário rural (segurado especial em regime de economia familiar), é razoável que, ao longo da vida, consiga adquirir veículos utilitários, compatíveis com as necessidades atinentes à atividade rurícola, tal como a de sua propriedade.
Assim, tendo em vista que a prova testemunhal colhida nos autos corrobora a pretensão da parte autora e considerando ainda que o INSS não trouxe aos autos outros documentos aptos a desconstituir a qualidade de segurada especial, deve ser mantido o benefício de aposentadoria por idade rural.
Dos pedidos subsidiários
Não há parcelas prescritas.
A sentença não obsta o desconto de valores pagos administrativamente ou a título de benefícios inacumuláveis, o que deverá ser demonstrado pelo INSS na fase de cumprimento do julgado.
Desnecessária a imposição de preenchimento de declaração de inacumulabilidade na esfera judicial.
A sentença já determinou a observância da Súmula nº 111 do STJ.
Não houve condenação em custas.
JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA
As parcelas vencidas devem ser acrescidas de correção monetária pelo INPC e juros moratórios nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal, que se encontra atualizado nos termos do julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 870.947-SE, em sede de repercussão geral (Tema 810), e pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.495.146/MG (Tema 905). “Nos termos do art. 3° da Emenda Constitucional nº113/2021, após 8/12/2021, deverá incidir apenas a taxa SELIC para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação de mora até o efetivo pagamento” (AC 1017905-06.2023.4.01.9999, DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS, TRF1 - NONA TURMA, PJe 26/03/2024).
A sentença merece reforma quanto aos encargos moratórios, nos termos acima explicitados.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Ressalvando meu ponto de vista pessoal sobre a questão, “é cabível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais (art. 85, § 11, do CPC), impondo-se a majoração do percentual já fixado, relativo aos honorários advocatícios, independentemente de comprovação do efetivo trabalho adicional pelo advogado da parte recorrida, sendo devida mesmo quando não apresentadas contrarrazões” (AgInt nos EDcl nos EDcl no AREsp n. 2.236.428/SP, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 23/10/2023, DJe de 26/10/2023).
Honorários advocatícios majorados na fase recursal em R$2.000,00 (dois mil reais), além do montante já fixado pelo Juízo de origem (art. 85, §11, CPC).
CONCLUSÃO
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação interposta pelo INSS, nos temos da fundamentação do voto. Altero, de ofício, os encargos moratórios, nos termos acima explicitados.
É como voto.
Desembargador Federal MARCELO ALBERNAZ
Relator

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 03 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1023611-67.2023.4.01.9999
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
APELADO: OSVALDO DE MENEZES
Advogados do(a) APELADO: ADRIANA DONDE MENDES - RO4785-A, BRUNA CARINE ALVES DA COSTA - RO10401-A, JULIAN CUADAL SOARES - RO2597-A, MARIANA DONDE MARTINS DE MORAES - RO5406-A
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADO POR PROVA TESTEMUNHAL. PROPRIEDADE RURAL DENTRO DOS LIMITES LEGAIS. VÍNCULO URBANO DO CÔNJUGE. INEXISTÊNCIA DE DESCARACTERIZAÇÃO DA CONDIÇÃO DE SEGURADO ESPECIAL. VEÍCULO COMPATÍVEL COM A ATIVIDADE RURAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. APELAÇÃO DESPROVIDA.
- Para a concessão de aposentadoria por idade rural, exige-se a comprovação de atividade rural pelo período equivalente à carência, mediante início de prova material, corroborado por prova testemunhal idônea.
- A existência de vínculos urbanos do cônjuge não afasta, por si só, a condição de segurado especial do autor, quando há prova de que o trabalho rural é indispensável para a subsistência do grupo familiar.
- A propriedade rural de 99,2 hectares, abaixo do limite de quatro módulos fiscais, não descaracteriza a condição de segurado especial, sendo compatível com o regime de economia familiar.
- Tratando-se de pequeno proprietário rural, a posse de veículo utilitário não é incompatível com a atividade rural e não descaracteriza a condição de segurado especial.
- A prova testemunhal corrobora o início de prova material apresentado, sendo comprovado o exercício da atividade rural pela parte autora no período exigido para a concessão do benefício.
- Sentença mantida quanto ao reconhecimento do direito ao benefício. Alterados os encargos moratórios, de ofício, para adequação ao entendimento fixado pelo STF no Tema 810 e pelo STJ no Tema 905, com aplicação da SELIC a partir de 08/12/2021.
- Honorários advocatícios majorados em R$ 2.000,00 (dois mil reais), nos termos do art. 85, §11, do CPC.
- Apelação desprovida.
Legislação relevante citada:
Lei nº 8.213/91, art. 48, §§ 1º e 2º; art. 142
CPC, art. 85, § 11
Jurisprudência relevante citada:
STJ, REsp 1304479 / SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe 19/12/2012
STJ, REsp 1.495.146/MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 22/02/2018 (Tema 905)
STF, RE 870.947/SE, Rel. Min. Luiz Fux, j. 20/09/2017 (Tema 810)
ACÓRDÃO
Decide a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS, nos termos do voto do Relator.
Brasília/DF.
Desembargador Federal MARCELO ALBERNAZ
Relator
