
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:WASHINGTON MENDES DEUSDARA
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: VIRGINIA DE ANDRADE PLAZZI - GO20951-A
RELATOR(A):MARCELO VELASCO NASCIMENTO ALBERNAZ

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 03 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1021045-82.2022.4.01.9999
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: WASHINGTON MENDES DEUSDARA
Advogado do(a) APELADO: VIRGINIA DE ANDRADE PLAZZI - GO20951-A
RELATÓRIO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSS contra sentença na qual foi julgado procedente o pedido de aposentadoria rural por idade, desde a data do requerimento administrativo.
O recorrente alega que a parte autora manteve vínculos urbanos e exerceu atividade empresarial, o que descaracteriza a sua condição de segurada especial. Sustenta que a propriedade é superior a quatro módulos fiscais e que o autor possui patrimônio incompatível com a condição de trabalhador rural.Requer a improcedência do pedido.
A parte autora apresentou contrarrazões.
É o relatório.
Desembargador Federal MARCELO ALBERNAZ
Relator

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 03 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1021045-82.2022.4.01.9999
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: WASHINGTON MENDES DEUSDARA
Advogado do(a) APELADO: VIRGINIA DE ANDRADE PLAZZI - GO20951-A
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ (RELATOR):
Preliminarmente, consigno que o recurso preenche os requisitos subjetivos e objetivos de admissibilidade.
DO MÉRITO
A concessão do benefício de aposentadoria por idade ao trabalhador rural exige o preenchimento da idade mínima de 60 anos para homens e 55 anos para mulher, bem como a efetiva comprovação de exercício em atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido (art. 48, §§ 1º e 2º, e art. 142, ambos da Lei nº 8.213/91).
O efetivo exercício da atividade campesina deve ser demonstrado através do início de prova material, corroborado por prova oral.
O art. 106 da Lei nº 8.213/91 elenca diversos documentos aptos à comprovação do exercício de atividade rural, sendo pacífico na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que tal rol é meramente exemplificativo (REsp 1.719.021/SP, Segunda Turma, Relator Ministro Herman Benjamin, julgado em 1º/3/2018, DJe 23/11/2018).
Assim, a fim de comprovar o tempo de serviço rural, a jurisprudência admite outros documentos além dos previstos na norma legal, tais com a certidão de casamento, a carteira de sindicato rural com comprovantes de recolhimento de contribuições, o boletim escolar de filhos que tenham estudado em escola rural (STJ AgRG no REsp 967344/DF), certidão de casamento que atesta a condição de lavrador do cônjuge ou do próprio segurado (STJ, AR 1067/SP, AR1223/MS); declaração de Sindicato de Trabalhadores Rurais, devidamente homologada pelo Ministério Público (STJ, AR3202/CE), desde que contemporâneos ao período que se pretende comprovar.
Registra-se, na oportunidade, não ser necessário que o início de prova material corresponda a todo o período equivalente à carência do benefício, conforme disposto na Súmula 14 da TNU, nem que o exercício de atividade rural seja integral ou contínuo (art. 48, §§ 1º e 2º, da Lei nº 8.213/91).
Convém registrar, ainda, que documentos tais como declarações de sindicatos sem a devida homologação do INSS e do Ministério Público; a certidão eleitoral com anotação indicativa da profissão de lavrador; declarações escolares, de Igrejas, de ex-empregadores e afins; prontuários médicos em que constem as mesmas anotações; além de outros que a esses possam se assemelhar não são aptos a demonstrar o início de prova material, na medida em que não se revestem de maiores formalidades.
Fixadas essas premissas, passo à análise do caso concreto.
No caso dos autos, a parte autora, nascida em 20/03/1961, preencheu o requisito etário em 20/03/2021 (60 anos) e requereu administrativamente o benefício de aposentadoria por idade rural em 25/05/2016, o qual restou indeferido por ausência de comprovação de efetivo exercício de atividade rural. Ajuizou a presente ação em 29/07/2021, pleiteando a concessão referido benefício.
Para comprovação da qualidade de segurado e carência, a parte autora trouxe aos autos, entre outros, os seguintes documentos: Extrato de concessão da aposentadoria por idade rural à esposa do requerente, com DIB em 30/11/2020; contrato de compra e venda de imóvel rural no Projeto de Assentamento Talismã II, em nome do autor em 2019, com firma reconhecida; cessão de direito em nome do autor em 2019, constando sua profissão como fazendeiro; CCIR da Fazenda Boa Sorte em nome do autor em 2018; ficha cadastral de agricultor expedida em nome do autor em 2018; DARF da Fazenda Boa Sorte em nome do autor em 2017; Guia de trânsito de animais expedida em nome do autor com endereço rural na Fazenda Boa Sorte em 2013; CCIR expedido em nome do autor com endereço rural na Fazenda Boa Sorte em 2003/2004/2005; contrato de compra e venda da Fazenda Presídio expedido em nome do autor em 1999, com firma reconhecida em 2003; declaração quanto à matrícula da filha do autor em escola rural entre 2003 e 2004.
Da análise dos documentos apresentados, vê-se que o contrato de compra e venda da Fazenda Presídio (Tanque ou Fazenda Boa sorte) expedido em nome do autor em 1999, com firma reconhecida em 2003; o CCIR expedido em nome do autor com endereço rural na Fazenda Boa Sorte em 2003/2004/2005 e 2018; o DARF da Fazenda Boa Sorte em nome do autor em 2017; a Guia de trânsito de animais expedida em nome do autor com endereço rural na Fazenda Boa Sorte em 2013; a declaração quanto à matrícula da filha do autor em escola rural entre 2003 e 2004 e o contrato de compra e venda de imóvel rural no Projeto de Assentamento Talismã II, em nome do autor em 2019, com firma reconhecida, constituem início razoável de prova material da condição de segurado especial.
Vale ressaltar que o extrato de concessão da aposentadoria por idade rural à esposa do requerente, com DIB em 30/11/2020, corrobora a condição de trabalhador rural do requerente.
Consta no CNIS do requerente vínculo urbano com o Município no período de 01/04/2001 a 30/11/2002, o qual deve ser desconsiderado para fins de concessão do benefício de aposentadoria por idade rural. No entanto, há vários documentos indicando atividade rural após esse período. O recolhimento registrado no período entre 30/08/2010 e 25/10/2010 é de curta duração e não afasta a sua condição de segurado especial. Os demais vínculos são anteriores à aquisição do primeiro imóvel rural pelo autor, logo não afastam a sua qualificação como rurícola.
Assim, restou demonstrado por início de prova material o exercício de atividade rural a partir de 2003, quando houve o reconhecimento de firma no contrato de compra e venda do primeiro imóvel rural adquirido pelo requerente.
O início de prova material foi corroborado pela prova testemunhal colhida, que confirmou o exercício da atividade rural pela parte autora pelo prazo necessário à concessão do benefício.
A existência de empresas em nome do autor não afasta a sua condição de segurado especial.
Consta em pesquisa externa apresentada pelo INSS a abertura de empresa em 06/07/2012, com situação baixada, destinada a concorrer às eleições de 2012, no cargo de vereador, o que é permitido pelo art. 11, § 9º, V, da Lei 8.213/91, não prejudicando a sua condição de segurado especial.
A empresa W M MÓVEIS INDUSTRIA E COMERCIO LTDA – ME, registrada em nome do autor, foi aberta em 1991 e encontra-se com a situação cadastral “inapta”. Conforme espelho cadastral de fl. 247 (rolagem única), o autor solicitou a baixa da inscrição estadual da empresa em 13/03/2000, antes do início do desempenho da atividade rural.
Já em relação à empresa de transporte iniciada em 01/05/2003, o autor acostou aos autos declaração do Município de Porangatu informando que não tem conhecimento de movimentação fiscal e contábil entre 01/05/2003 e 21/10/2021, data da emissão da declaração. Assim, inexistindo nos autos qualquer informação acerca de eventuais faturamentos em decorrência do desempenho da atividade empresarial durante o período de carência do benefício, o cadastro da referida empresa em nome do autor não descaracteriza a sua condição de segurado especial.
Por sua vez, o fato de a parte autora possuir veículos em seu nome não desconstitui a sua qualidade de segurado especial, tendo em vista que se trata de automóveis com baixo valor de mercado (uma motoneta HONDA/BIZ 125 ES, 2014/2014, valor estimado: R$5.759,00 e uma motocicleta HONDA/NXR16T0 BROS ESDD, 2019/2019, valor estimado de R$11.967,00).
Por fim, a alegação do INSS de que a propriedade da parte autora ultrapassa o limite legal não merece acolhimento. Conforme certidão de registro do imóvel, a Fazenda Boa Sorte possuía 244,53 hectares, o que se aproxima de 4 módulos fiscais, pois conforme sítio eletrônico da Embrapa, o módulo fiscal equivale a 60 hectares em Porangatu, Goiás.
Assim, tendo em vista que a prova testemunhal colhida nos autos corrobora a pretensão da parte autora e considerando ainda que o INSS não trouxe aos autos outros documentos aptos a desconstituir a qualidade de segurada especial, deve ser mantido o benefício de aposentadoria por idade rural.
JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA
As parcelas vencidas devem ser acrescidas de correção monetária pelo INPC e juros moratórios nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal, que se encontra atualizado nos termos do julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 870.947-SE, em sede de repercussão geral (Tema 810), e pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.495.146/MG (Tema 905). “Nos termos do art. 3° da Emenda Constitucional nº113/2021, após 8/12/2021, deverá incidir apenas a taxa SELIC para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação de mora até o efetivo pagamento” (AC 1017905-06.2023.4.01.9999, DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS, TRF1 - NONA TURMA, PJe 26/03/2024).
A sentença destoa parcialmente do entendimento acima, devendo ser ajustados os encargos moratórios nos termos acima explicitados.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Ressalvando meu ponto de vista pessoal sobre a questão, “é cabível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais (art. 85, § 11, do CPC), impondo-se a majoração do percentual já fixado, relativo aos honorários advocatícios, independentemente de comprovação do efetivo trabalho adicional pelo advogado da parte recorrida, sendo devida mesmo quando não apresentadas contrarrazões” (AgInt nos EDcl nos EDcl no AREsp n. 2.236.428/SP, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 23/10/2023, DJe de 26/10/2023).
Honorários advocatícios majorados na fase recursal em R$2.000,00 (dois mil reais), além do montante já fixado pelo Juízo de origem (art. 85, §11, CPC).
CONCLUSÃO
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação interposta pelo INSS, nos temos da fundamentação do voto. Altero, de ofício, os encargos moratórios, nos termos acima explicitados.
É como voto.
Desembargador Federal MARCELO ALBERNAZ
Relator

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 03 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1021045-82.2022.4.01.9999
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: WASHINGTON MENDES DEUSDARA
Advogado do(a) APELADO: VIRGINIA DE ANDRADE PLAZZI - GO20951-A
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. SEGURADO ESPECIAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADO POR PROVA TESTEMUNHAL. VÍNCULOS URBANOS EVENTUAIS E ATIVIDADE EMPRESARIAL INATIVA. PROPRIEDADE RURAL PRÓXIMA DO LIMITE LEGAL. MANUTENÇÃO DO BENEFÍCIO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS MAJORADOS. APELAÇÃO DESPROVIDA.
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A concessão de aposentadoria por idade rural exige a comprovação do exercício de atividade campesina, ainda que de forma descontínua, pelo período correspondente à carência do benefício, conforme disposto nos arts. 48, §§ 1º e 2º, e 142 da Lei nº 8.213/91.
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O início de prova material pode ser constituído por documentos diversos, como certidão de casamento, contratos de compra e venda de imóveis rurais, guias de trânsito de animais e certidões emitidas por órgãos públicos, que, corroborados por prova testemunhal idônea, são suficientes para a comprovação do labor rural.
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Vínculos urbanos de curta duração ou em períodos que não coincidem com a carência não afastam, por si só, a condição de segurado especial.
- A abertura de empresa destinada a concorrer em eleições para o cargo de vereador ou a existência de empresas inativas em relação às quais não haja provas de atividade empresarial com movimentação econômica incompatível com o regime de economia familiar durante o período de carência não descaracterizam a qualidade de segurado especial.
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A propriedade rural da parte autora, de 244,53 hectares, se aproxima do limite legal de até quatro módulos fiscais, considerando que o módulo fiscal em Porangatu/GO corresponde a 60 hectares.
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As parcelas vencidas devem ser acrescidas de correção monetária e juros de mora conforme o entendimento do STF no RE nº 870.947-SE (Tema 810) e do STJ no REsp nº 1.495.146-MG (Tema 905), com a incidência da taxa SELIC após 8/12/2021, nos termos do art. 3º da EC nº 113/2021.
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Honorários advocatícios majorados em R$2.000,00 (dois mil reais) nos termos do art. 85, § 11, do CPC, em adição ao valor já fixado pelo Juízo de origem.
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Apelação desprovida. Alteração de ofício dos encargos moratórios.
Tese de julgamento:
"1. A atividade empresarial inativa e a propriedade rural próxima do limite legal não afastam a condição de segurado especial para fins de concessão de aposentadoria por idade rural, desde que corroborados por início de prova material e prova testemunhal idônea."
Legislação relevante citada:
Lei nº 8.213/91, art. 48, §§ 1º e 2º; art. 106
Emenda Constitucional nº 113/2021, art. 3º
Código de Processo Civil (CPC), art. 85, § 11
Jurisprudência relevante citada:
STJ, REsp 1.719.021/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 23/11/2018
STJ, REsp 1.495.146/MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 22/02/2018 (Tema 905)
ACÓRDÃO
Decide a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS, nos termos do voto do Relator.
Brasília/DF.
Desembargador Federal MARCELO ALBERNAZ
Relator
