
POLO ATIVO: SIDNEY JATOBA DOS SANTOS
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: WALDIR GERALDO JUNIOR - RO10548-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR(A):MARCELO VELASCO NASCIMENTO ALBERNAZ

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 03 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1008252-48.2021.4.01.9999
APELANTE: SIDNEY JATOBA DOS SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: WALDIR GERALDO JUNIOR - RO10548-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pela parte autora contra a sentença que julgou extinguiu o feito sem resolução de mérito.
Em suas razões recursais, a parte autora sustenta que houve cerceamento de defesa, pois não foi realizada a audiência de instrução para colheita do depoimento das testemunhas do apelante.
O apelante requer a anulação da sentença e o retorno dos autos à origem para regular instrução do feito.
Não houve apresentação de contrarrazões.
É o relatório.
Desembargador Federal MARCELO ALBERNAZ
Relator

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 03 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1008252-48.2021.4.01.9999
APELANTE: SIDNEY JATOBA DOS SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: WALDIR GERALDO JUNIOR - RO10548-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ (RELATOR):
Preliminarmente, consigno que o recurso preenche os requisitos subjetivos e objetivos de admissibilidade.
Do cerceamento de defesa
Das provas – qualidade de segurado especial
A controvérsia central reside no preenchimento dos requisitos para a concessão de benefício por incapacidade, especificamente, da qualidade de segurado especial rural da parte autora.
O reconhecimento da qualidade de segurado especial desafia o preenchimento dos seguintes requisitos fundamentais: a existência de início de prova material da atividade rural exercida e a corroboração dessa prova indiciária por robusta prova testemunhal.
O art. 106 da Lei nº 8.213/91 elenca diversos documentos aptos à comprovação do exercício de atividade rural, sendo pacífico na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que tal rol é meramente exemplificativo (REsp 1.719.021/SP, Segunda Turma, Relator Ministro Herman Benjamin, julgado em 1º/3/2018, DJe 23/11/2018).
Assim, a fim de comprovar o tempo de serviço rural, a jurisprudência admite outros documentos além dos previstos na norma legal, tais com a certidão de casamento, a carteira de sindicato rural com comprovantes de recolhimento de contribuições, o boletim escolar de filhos que tenham estudado em escola rural (STJ AgRG no REsp 967344/DF), certidão de casamento que atesta a condição de lavrador do cônjuge ou do próprio segurado (STJ, AR 1067/SP, AR1223/MS); declaração de Sindicato de Trabalhadores Rurais, devidamente homologada pelo Ministério Público (STJ, AR3202/CE), desde que contemporâneos ao período que se pretende comprovar.
Convém registrar, ainda, que documentos tais como declarações de sindicatos sem a devida homologação do INSS e do Ministério Público; a certidão eleitoral com anotação indicativa da profissão de lavrador; declarações escolares, de Igrejas, de ex-empregadores e afins; prontuários médicos em que constem as mesmas anotações; além de outros que a esses possam se assemelhar não são aptos a demonstrar o início de prova material, na medida em que não se revestem de maiores formalidades.
Caso dos autos
No caso dos autos, para comprovar o início de prova material da condição de segurado especial, a parte autora juntou os seguintes documentos: contratos de comodato com firma reconhecida em cartório, datados de 20/06/2008 e de 07/03/2019, certidão de nascimento de filha, na qual o autor está qualificado como agricultor, registro do nascimento em 07/02/2009, e notas fiscais que comprovam a venda de leite in natura.
O início de prova material do efetivo trabalho rurícola do apelante restou comprovado por todos os documentos acima.
Havendo início de prova material, como ocorre no presente caso, é necessário que a mesma seja complementada por prova testemunhal idônea.
A parte apelante solicitou a produção de prova testemunhal para que pudesse comprovar a sua qualidade de segurado especial.
Todavia, apesar da audiência de instrução e julgamento ter sido realizada, o juízo de origem deixou de inquirir as testemunhas pelo fato do respectivo rol não ter sido apresentado com a antecedência necessária. Conforme consta da sentença: “[...]foi oportunizado ao requerente o arrolamento de testemunhas para comprovação de sua qualidade de segurado especial. Entretanto, mesmo intimado para produção da prova não juntou o rol de testemunhas tendo deixado transcorrer o prazo, atraindo os efeitos da preclusão temporal. Ressalta-se que na data designada para a realização da audiência a parte autora peticionou nestes autos apresentando o rol testemunhal, exatamente 5 minutos antes do início da solenidade. Compulsando os autos verifica-se ter sido a parte autora intimada para apresentação do rol testemunhal no prazo de 5 dias, conforme despacho proferido no dia 23/12/2020, ID 52881102. O autor fora devidamente intimado por seu advogado, por meio do sistema PJE e DJE n. 241, publicado no dia 28/12/2020. Contudo, ouvir as testemunhas da parte autora sem que a parte requerida tenha o prévio conhecimento da qualificação de cada uma para eventual impugnação, sob pena de violação ao princípio do contraditório”.
O entendimento dessa Corte sobre o tema é de que: “[...] A oitiva de testemunhas constitui prova imprescindível para a solução da lide. A não apresentação do rol de testemunhas no prazo legal não implica na preclusão de sua produção, uma vez que podem ser produzidas em audiência de instrução e julgamento, se comparecem junto à parte autora no dia de sua realização. (AC 0000894-88.2014.4.01.3825, DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO NEVES DA CUNHA, TRF1 - SEGUNDA TURMA, e-DJF1 07/10/2016 PAG.) (AC 1001225-39.2021.4.01.4300, DESEMBARGADOR FEDERAL GUSTAVO SOARES AMORIM, TRF1 - PRIMEIRA TURMA, PJe 13/04/2023 PAG.) 9. Configura cerceamento de defesa da parte autora o julgamento antecipado da lide, pois somente com a completa instrução do processo, inclusive com prova testemunhal, é que se pode realizar exame a respeito da suficiência da prova produzida para a comprovação da alegada condição de segurada especial do falecido e em relação a união estável alegada. [...]" (AC 1010008-87.2024.4.01.9999, JUIZ FEDERAL FAUSTO MENDANHA GONZAGA, TRF1 - PRIMEIRA TURMA, PJe 13/08/2024).
Note-se que o direito à ampla defesa e ao contraditório é amparado pelo art. 5º, LV, da Constituição Federal, sendo que sua violação enseja nulidade processual por cerceamento de defesa.
Deve-se atentar que, em matéria previdenciária, as regras processuais devem ser aplicadas atendendo-se à busca da verdade real.
Assim, ao abreviar a fase instrutória, sem considerar a necessidade de produção de prova testemunhal, o magistrado cerceou o direito de defesa e de produção de provas da parte autora.
Nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. AUXÍLIO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA. TRABALHADOR RURAL. NÃO REALIZAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. PROVA TESTEMUNHAL NÃO PRODUZIDA. CERCEAMENTO DA DEFESA. SENTENÇA ANULADA COM RETORNO DOS AUTOS À VARA DE ORIGEM. APELAÇÃO DO INSS PREJUDICADA. 1. A controvérsia central reside no preenchimento do requisito de segurado especial. 2. Os requisitos indispensáveis para a concessão do benefício previdenciário de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez são: a) a qualidade de segurado; b) a carência de 12 (doze) contribuições mensais; c) a incapacidade parcial ou total e temporária (auxílio-doença) ou permanente e total (aposentadoria por invalidez) para atividade laboral. 3. Considera-se demonstrado o exercício de atividade rural, havendo início de prova material complementada por prova testemunhal idônea. 4. Quando ausente o início de prova material plena e a oitiva das testemunhas, com o julgamento antecipado do feito, há cerceamento da defesa. 5. Anulação da sentença, de ofício e envio dos autos à origem para a audiência de instrução e julgamento com oitiva das testemunhas e regular prosseguimento do feito. (AC 1002350-46.2023.4.01.9999, DESEMBARGADORA FEDERAL CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM, TRF1 - SEGUNDA TURMA, PJe 18/09/2023 PAG.
PREVIDENCIÁRIO E CONSTITUCIONAL. AUXÍLIO-DOENÇA. TRABALHADOR RURAL. NÃO REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. PROVA TESTEMUNHAL NÃO PRODUZIDA. CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA. SENTENÇA ANULADA. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA REGULAR PROCESSAMENTO E JULGAMENTO DO FEITO. 1. O benefício de auxílio-doença funda-se no art. 59 da Lei 8.213/91, que garante sua concessão ao segurado que esteja incapacitado para o trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos, cumprido o período de carência respectivo, equivalente a doze contribuições mensais. De seu turno, na forma do art. 42 da referida lei, é devida aposentadoria por invalidez ao segurado total e permanentemente incapacitado para o exercício de atividade que lhe assegure a subsistência, uma vez cumprida a carência exigida. 2. A concessão de benefício previdenciário ao segurado especial rurícola exige a demonstração do trabalho rural, cumprindo-se o prazo de carência previsto no artigo 25, inciso I, da Lei n. 8213/91, mediante início razoável de prova material, corroborada com prova testemunhal, ou prova documental plena. 3. No caso dos autos, embora a parte recorrente tenha acostado à inicial documentos (fls. 11/23), em princípio, hábeis à demonstração da atividade campesina, necessário se faz comprovar não só com início de prova material, como também com prova testemunhal, a qualidade de segurado especial da demandante, o que não ocorreu nos autos, haja vista que, segundo o magistrado sentenciante, o promovente não requereu à produção da prova testemunhal. Nesse tocante, calha considerar que, nada obstante a parte autora não tenha reiterado, nas alegações finais, o requerimento de produção da prova testemunhal, havia feito na inicial, tendo consignado, expressamente, o pedido da aludida prova. Com efeito, não é demais considerar que a prova testemunhal não é desta ou daquela parte, e sim do próprio juízo, a quem compete, de ofício ou a requerimento das partes, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito, nos termos do art. 370 do CPC (art. 130 do CPC/73). 4. A negativa da realização de prova constitui-se em cerceamento de defesa, tornando necessária a anulação da sentença para que a necessária instrução seja realizada, para fins de comprovação da qualidade de segurado especial da autora. 5. Apelação provida, para anular a sentença, determinando o retorno dos autos à 1ª instância, a fim de que seja realizada a prova testemunhal necessária ao julgamento meritório do processo. (TRF-1 - AC: 00142509620154019199, Relator: JUIZ FEDERAL ÁVIO MOZAR JOSÉ FERRAZ DE NOVAES, Data de Julgamento: 15/03/2019, 1ª CÂMARA REGIONAL PREVIDENCIÁRIA DA BAHIA, Data de Publicação: 17/05/2019),
CONCLUSÃO
Ante o exposto, dou provimento à apelação da parte autora para anular a sentença e determinar o retorno dos autos à origem para o regular prosseguimento do feito, com a produção de prova oral e oportuna prolação de nova sentença.
É como voto.
Desembargador Federal MARCELO ALBERNAZ
Relator

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 03 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1008252-48.2021.4.01.9999
APELANTE: SIDNEY JATOBA DOS SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: WALDIR GERALDO JUNIOR - RO10548-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. SEGURADO ESPECIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. INDEFERIMENTO DE PROVA TESTEMUNHAL. SENTENÇA ANULADA. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA REGULAR INSTRUÇÃO DO FEITO. APELAÇÃO PROVIDA.
1. A controvérsia central reside no preenchimento dos requisitos para a concessão de benefício por incapacidade, especificamente, da qualidade de segurado especial rural da parte autora.
2. O reconhecimento da qualidade de segurado especial desafia o preenchimento dos seguintes requisitos fundamentais: a existência de início de prova material da atividade rural exercida e a corroboração dessa prova indiciária por robusta prova testemunhal.
3. Para comprovar o início de prova material da condição de segurado especial, a parte autora juntou os seguintes documentos: contratos de comodato com firma reconhecida em cartório, datados de 20/06/2008 e de 07/03/2019, certidão de nascimento de filha, na qual o autor está qualificado como agricultor, registro do nascimento em 07/02/2009, e notas fiscais que comprovam a venda de leite in natura.
4. O início de prova material do efetivo trabalho rurícola do apelante restou comprovado por todos os documentos acima. Havendo início de prova material, como ocorre no presente caso, é necessário que a mesma seja complementada por prova testemunhal idônea.
5. A parte apelante solicitou a produção de prova testemunhal, para que pudesse comprovar a sua qualidade de segurado especial. Todavia, apesar da audiência de instrução e julgamento ter sido realizada, o juízo de origem deixou de inquirir as testemunhas pelo fato do respectivo rol não ter sido apresentado com a antecedência necessária. Conforme consta da sentença: “[...]foi oportunizado ao requerente o arrolamento de testemunhas para comprovação de sua qualidade de segurado especial. Entretanto, mesmo intimado para produção da prova não juntou o rol de testemunhas tendo deixado transcorrer o prazo, atraindo os efeitos da preclusão temporal. Ressalta-se que na data designada para a realização da audiência a parte autora peticionou nestes autos apresentando o rol testemunhal, exatamente 5 minutos antes do início da solenidade. Compulsando os autos verifica-se ter sido a parte autora intimada para apresentação do rol testemunhal no prazo de 5 dias, conforme despacho proferido no dia 23/12/2020, ID 52881102. O autor fora devidamente intimado por seu advogado, por meio do sistema PJE e DJE n. 241, publicado no dia 28/12/2020. Contudo, ouvir as testemunhas da parte autora sem que a parte requerida tenha o prévio conhecimento da qualificação de cada uma para eventual impugnação, sob pena de violação ao princípio do contraditório.”
6. O entendimento dessa Corte sobre o tema é de que: “[...] A oitiva de testemunhas constitui prova imprescindível para a solução da lide. A não apresentação do rol de testemunhas no prazo legal não implica na preclusão de sua produção, uma vez que podem ser produzidas em audiência de instrução e julgamento, se comparecem junto à parte autora no dia de sua realização. (AC 0000894-88.2014.4.01.3825, DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO NEVES DA CUNHA, TRF1 - SEGUNDA TURMA, e-DJF1 07/10/2016 PAG.) (AC 1001225-39.2021.4.01.4300, DESEMBARGADOR FEDERAL GUSTAVO SOARES AMORIM, TRF1 - PRIMEIRA TURMA, PJe 13/04/2023 PAG.) 9. Configura cerceamento de defesa da parte autora o julgamento antecipado da lide, pois somente com a completa instrução do processo, inclusive com prova testemunhal, é que se pode realizar exame a respeito da suficiência da prova produzida para a comprovação da alegada condição de segurada especial do falecido e em relação a união estável alegada. [...]” (AC 1010008-87.2024.4.01.9999, JUIZ FEDERAL FAUSTO MENDANHA GONZAGA, TRF1 - PRIMEIRA TURMA, PJe 13/08/2024).
7. Apelação provida para anular a sentença e determinar o retorno dos autos à origem para a regular instrução do feito, com a produção de prova oral e oportuna prolação de nova sentença.
Tese de julgamento:
“1. O reconhecimento da condição de segurado especial exige a produção de prova testemunhal idônea, em complemento ao início de prova material.
2. O indeferimento da prova testemunhal, quando necessária, caracteriza cerceamento de defesa, sendo causa de nulidade da sentença.”
Legislação relevante citada:
Lei nº 8.213/91, art. 106
Constituição Federal, art. 5º, LV
Jurisprudência relevante citada:
TRF-1, AC 1002350-46.2023.4.01.9999, Desembargadora Federal Candice Lavocat Galvão Jobim, Segunda Turma, PJe 18/09/2023
TRF-1, AC 00142509620154019199, Relator Juiz Federal Ávio Mozar José Ferraz de Novaes, 1ª Câmara Regional Previdenciária da Bahia, j. 15/03/2019
ACÓRDÃO
Decide a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, dou provimento à apelação da parte autora, nos termos do voto do Relator.
Brasília/DF.
Desembargador Federal MARCELO ALBERNAZ
Relator
