
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:FELIX DE ARAUJO VAZ FELISBINO
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: ANA MARIA DE SALES - GO13026
RELATOR(A):NILZA MARIA COSTA DOS REIS

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
APELAÇÃO CÍVEL (198)1016173-87.2023.4.01.9999
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS (RELATORA):
Trata-se de apelação interposta pelo INSS de sentença na qual foi julgado procedente o pedido de concessão de benefício assistencial à pessoa com deficiência a partir da data do requerimento administrativo, em 14/07/2022.
Houve condenação no pagamento dos honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) do valor da condenação (fls. 138/140)¹.
Em suas razões, a autarquia previdenciária suscita, preliminarmente, carência de ação por ausência de interesse de agir diante da inexistência de requerimento administrativo de benefício assistencial, uma vez que a parte autora formulou pedido de auxílio-doença (fls. 148/157).
No mérito, pugna pela reforma da sentença para que seja julgado improcedente o pedido, utilizando-se de fundamentações genéricas acerca da ausência dos requisitos autorizadores ao deferimento do benefício. Requer, subsidiariamente, que o termo inicial do benefício seja fixado na data da sentença, uma vez que não houve requerimento administrativo específico.
Por fim, requer eventualmente ainda:
“1. A observância da prescrição quinquenal;
2. Seja a parte intimada a firmar e juntar aos autos a autodeclaração prevista no anexo I da Portaria INSS nº 450, de 03 de abril de 2020, em observância às regras de acumulação de benefícios estabelecida no art. 24, §§ 1.º e 2.º da Emenda Constitucional 103/2019;
3. Nas hipóteses da Lei 9.099/95, caso inexista nos autos declaração com esse teor, seja a parte autora intimada para que renuncie expressamente aos valores que excedam o teto de 60 (sessenta) salários-mínimos na data da propositura da ação e que eventualmente venham a ser identificados ao longo do processo, inclusive em sede de execução (renúncia expressa condicionada);
4. A fixação dos honorários advocatícios nos termos da Súmula 111 do STJ;
5. A declaração de isenção de custas e outras taxas judiciárias;
6. O desconto, de eventual montante retroativo, dos valores já pagos administrativamente ou de qualquer benefício inacumulável recebido no período, bem como pelo deferimento da cobrança de eventuais valores pagos indevidamente à parte autora em sede de antecipação dos efeitos da tutela (fls. 14/15).
Foram apresentadas contrarrazões (fl. 159/163).
É o relatório.
¹Os números de folhas indicados referem-se à rolagem única, ordem crescente.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
VOTO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS (RELATORA):
O recurso reúne as condições de admissibilidade, merecendo ser conhecido.
Preliminar – carência de ação por falta de interesse de agir
Pretende o apelante seja reconhecida a ausência de interesse de agir, pela falta de prévio requerimento administrativo específico de benefício assistencial.
Conforme entendimento majoritário no âmbito do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte Federal, tratando-se de questões previdenciárias, é possível ao magistrado ou ao órgão colegiado conceder benefício diverso daquele pleiteado, sem que isso caracterize um julgamento extra ou ultra petita, uma vez atendidos os requisitos legais, em face da relevância da questão social que envolve a matéria e em tutela aos interesses da parte hipossuficiente.
Nesse sentido, destaco o seguinte precedente desta Corte:
“PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. DIB NA DER. TEMA REPETITIVO 626 STJ. APELAÇÃO PROVIDA. 1. Os requisitos indispensáveis para a concessão do benefício previdenciário de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez são: a) a qualidade de segurado; b) a carência de 12 (doze) contribuições mensais, salvo nas hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei n. 8.213/91; c) a incapacidade parcial ou total e temporária (auxílio-doença) ou permanente e total (aposentadoria por invalidez) para atividade laboral. 2. A perícia médica concluiu pela incapacidade total da parte autora por apresentar lombociatalgia e cervicobraquialgia, desde 2018. 3. O e. STJ, considerando que a citação válida informa o litígio e constitui em mora a autarquia previdenciária federal, consolidou o entendimento de que o termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo e, na sua ausência, a partir da citação, conforme definição a respeito do tema na decisão proferida no REsp nº 1369165/SP, sob a sistemática do recurso representativo da controvérsia, respeitados os limites do pedido inicial e da pretensão recursal. 4. É entendimento no âmbito do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte Federal que não se configura nulidade por decisão extra ou ultra petita o fato de o magistrado ou o órgão colegiado conceder, ainda que de ofício, benefício previdenciário diverso do pleiteado pelo requerente, atendidos os requisitos legais, em face da relevância da questão social que envolve a matéria e em tutela aos interesses da parte hipossuficiente (princípio da fungibilidade). 5. O benefício é devido desde a DER. 6. Apelação da autora provida.” (AC 1020287-11.2019.4.01.9999, DESEMBARGADOR FEDERAL MORAIS DA ROCHA, TRF1 - PRIMEIRA TURMA, PJe 14/06/2023 PAG.)(destaquei)
Da mesma forma, o art. 176-E do Decreto n. 3048/99, introduzido pelo Decreto 10.410/2020, estabelece que caberá ao INSS conceder o benefício mais vantajoso ao requerente ou diverso do pleiteado, desde que os elementos constantes do processo administrativo assegurem o reconhecimento desse direito.
Assim, não há amparo legal para a alegação de que o requerimento administrativo diverso, formulado em 14/07/2022, não é hábil a amparar a ação ajuizada em 21/12/2022.
Deste modo, tendo em vista que a parte autora formulou prévio requerimento administrativo, ainda que relativo a benefício diverso do que pretende na via judicial, não há que se falar em ausência de interesse processual.
DO MÉRITO
Do benefício assistencial ao deficiente
Nos termos do art. 203, inciso V, da Constituição Federal de 1988, e da lei n. 8.742/93, é assegurado o benefício de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, independentemente de contribuição à seguridade social.
Os requisitos para a concessão do benefício de prestação continuada encontram-se elencados no art. 20 da Lei n. 8.742/93, que são: a) ser pessoa com deficiência ou idoso com 65 anos de idade ou mais; b) não receber benefício no âmbito da seguridade social ou de outro regime e c) ter renda mensal familiarper capitainferior a ¼ do salário mínimo (requisito para aferição da miserabilidade).
Do Critério de Miserabilidade
Em relação ao critério de miserabilidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos RE’s n. 567.985 e n. 580.963 e da Reclamação n. 4.374, entendeu que o parâmetro da renda mensal familiarper capitainferior a ¼ do salário mínimo não é mais adequado para aferir a situação de miserabilidade do idoso ou do deficiente, razão pela qual declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93.
O Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento de Recurso Especial 1112557/MG, submetido ao rito dos Recursos Repetitivos pronunciou-se da seguinte forma:
“RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. ACF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente ao cidadão social e economicamente vulnerável.
5. Alimitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido.” (REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009)
Nesse contexto, tem-se utilizado como parâmetro razoável a renda per capita de ½ (meio) salário mínimo, estabelecida em legislações posteriores às LOAS, como a Lei n. 10.689/2003 (PNAA) e o Decreto n. 11.016/2022, referente ao Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal.
Assim sendo, considerando o entendimento jurisprudencial atual, a vulnerabilidade social deve ser avaliada de acordo com o caso concreto, segundo fatores que possibilitem constatar a hipossuficiência do requerente, sendo o critério objetivo legal apenas uma referência.
Da Deficiência
Conforme o disposto no art. 20, § 2º, da Lei n. 8.742/93, “Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.”
A deficiência e o grau do impedimento devem ser aferidos mediante avaliação médica e avaliação social, realizadas por médicos peritos e assistentes sociais do INSS, nos termos do § 6º do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social.
O Caso Concreto.
De acordo com o art. 20 da Lei n° 8.742/93, a concessão do benefício assistencial ao deficiente requer o preenchimento do requisito da deficiência e do critério de miserabilidade.
Extrai-se do laudo pericial elaborado, que a parte autora, então contando 20 (vinte) anos de idade, foi diagnosticada com “esquizofrenia paranoide grave, com quadro intenso de confusão mental, devido a alteração no desenvolvimento neuropsicomotor e na memória, além de inteligência abaixo da média e alucinações auditivas, tendo dificuldades em convívio social”.
O perito afirma que a parte autora se encontra em tratamento contínuo e faz uso de medicações orais diárias para maior controle patológico, atestando que se trata de distúrbio mental grave e irreversível que ocasiona sua incapacidade laboral, de forma permanente e total, desde julho de 2022 (fls. 51/56).
Por sua vez, o estudo socioeconômico realizado constatou que a parte autora se encontra em estado de miserabilidade. O seu núcleo familiar e formado por 4 (quatro) pessoas pois ela reside com sua genitora, a qual possui depressão, sua irmã e seu tio Wanderley, sendo este o único que aufere renda mensal proveniente de aposentadoria, no importe de R$ 1.320,00 (mil trezentos e vinte reais).
O estudo socioeconômico também atestou que a aludida renda é insuficiente para arcar com as despesas da família, que envolve gastos com medicações (R$ 500,00), água (R$ 91,00), energia (R$ 81,00), gás (R$ 110,00) e alimentação (R$ 800,00).
Por fim, registrou que a renda per capita não ultrapassa meio salário mínimo, não sendo suficiente para o custeio da família e tratamento médico da parte autora (fls. 84/101).
Assim, a partir de uma análise dos fatores culturais e socioeconômicos, conclui-se que a parte autora atende aos requisitos para a concessão do benefício assistencial.
Quanto ao termo inicial do benefício, o Superior Tribunal de Justiça possui o entendimento de que deve ser estabelecido nadata do requerimento administrativo, e, na ausência deste, a partir da citação válida do INSS.
Na hipótese sob exame, considerando que não houve requerimento administrativo específico do amparo assistencial, o seu termo inicial deve ser fixado na data da citação do INSS, momento em que este teve ciência da lide e a parte autora já reunia todos os requisitos necessários para a concessão do benefício assistencial.
No que se refere a prescrição qüinqüenal, esta atinge apenas as parcelas vencidas no período anterior aos 5 (cinco) anos que antecedem o ajuizamento da ação, não atingindo a pretensão ao próprio fundo de direito (Súmula 85 do STJ).
Por sua vez, os honorários advocatícios já foram fixados em observância à súmula 111 do STJ, com isenção de custas à Autarquia.
Por fim, quanto à exigência da autodeclaração, trata-se de documento a ser apresentado junto com o requerimento administrativo, inclusive por meio dos canais remotos de atendimento do INSS, nos termos do art. 62, parágrafo único da Portaria 450/2020.
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação interposta pelo INSS apenas para alterar o termo inicial do benefício para a data da citação.
É o voto.
Brasília, data da assinatura eletrônica.
DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS
RELATORA

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
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APELAÇÃO CÍVEL (198)1016173-87.2023.4.01.9999
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
FELIX DE ARAUJO VAZ FELISBINO
Advogado do (a) APELADO: ANA MARIA DE SALES - GO13026
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. INTERESSE DE AGIR COMPROVADO. DESNECESSIDADE DE NOVO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE EM MATÉRIA PREVIDENCIÁRIA. REQUISITOS COMPROVADOS. BENEFÍCIO MANTIDO. TERMO INICIAL. DATA DA CITAÇÃO.
1. Considerando que a parte autora formulou prévio requerimento administrativo, ainda que relativo a benefício diverso do que pretende na via judicial, não há que se falar em ausência de interesse processual.
2. Os requisitos para a concessão do benefício de prestação continuada encontram-se elencados no art. 20 da Lei nº 8.742/93, quais sejam: a) ser pessoa com deficiência ou idoso com 65 anos ou mais; b) não receber benefício no âmbito da seguridade social ou de outro regime e c) ter renda mensal familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo (requisito para aferição da miserabilidade).
3. Hipótese na qual a parte autora atende aos requisitos legais exigidos para a concessão do benefício assistencial à pessoa com deficiência.
4. O termo inicial do benefício deve ser fixado na data da citação.
5. Apelação do INSS a que se dá parcial provimento para alterar o termo inicial do benefício para a data da citação.
ACÓRDÃO
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação do INSS, nos termos do voto da relatora.
Brasília, data da assinatura eletrônica
Desembargadora Federal NILZA REIS Relatora
