
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:EUDES RODRIGUES VIEIRA
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: ERICA BORGES VIEIRA - GO42631
RELATOR(A):NILZA MARIA COSTA DOS REIS

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
APELAÇÃO CÍVEL (198)1001621-83.2024.4.01.9999
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS (RELATORA):
Trata-se de apelação interposta pelo INSS de sentença que julgou procedente o pedido direcionado a concessão de benefício assistencial à pessoa com deficiência, a partir da data do requerimento administrativo, em 22/09/2021 (fls. 174/176) ¹.
Em suas razões (fls. 214/217), a autarquia previdenciária alega, preliminarmente, a ausência de interesse de agir diante da inexistência de requerimento administrativo do benefício assistencial, uma vez que, na mesma seara, a parte recorrida apenas requereu o auxílio-doença. Requer, assim, que o feito seja extinto, sem julgamento do mérito.
No mérito, pugna pela reforma da sentença para que o termo inicial do benefício seja fixado na data da realização da perícia social.
Foram apresentadas contrarrazões (fl. 223/227).
É o relatório.
¹ Os números de folhas indicados referem-se à rolagem única, ordem crescente.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
VOTO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS (RELATORA):
O recurso reúne as condições de admissibilidade, merecendo, portanto, ser conhecido.
Da alegada falta de interesse de agir
Pretende o apelante seja reconhecida a ausência de interesse de agir, em decorrência da inexistência de prévio requerimento administrativo específico visando a obtenção do benefício assistencial.
Conforme entendimento majoritário no âmbito do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte Federal, tratando-se de questões previdenciárias, é possível ao magistrado ou ao órgão colegiado conceder benefício diverso daquele pleiteado, sem que isso caracterize um julgamento extra ou ultra petita, desde que sejam atendidos os requisitos legais, entendimento resultante da relevância da questão social que envolve a matéria sub judice e em em decorrência dos relevantes interesses da pessoa humana hipossuficiente.
Nesse sentido, destaco o seguinte precedente deste TRF – 1ª Região:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. DIB NA DER. TEMA REPETITIVO 626 STJ. APELAÇÃO PROVIDA. 1. Os requisitos indispensáveis para a concessão do benefício previdenciário de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez são: a) a qualidade de segurado; b) a carência de 12 (doze) contribuições mensais, salvo nas hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei n. 8.213/91; c) a incapacidade parcial ou total e temporária (auxílio-doença) ou permanente e total (aposentadoria por invalidez) para atividade laboral. 2. A perícia médica concluiu pela incapacidade total da parte autora por apresentar lombociatalgia e cervicobraquialgia, desde 2018. 3. O e. STJ, considerando que a citação válida informa o litígio e constitui em mora a autarquia previdenciária federal, consolidou o entendimento de que o termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo e, na sua ausência, a partir da citação, conforme definição a respeito do tema na decisão proferida no REsp nº 1369165/SP, sob a sistemática do recurso representativo da controvérsia, respeitados os limites do pedido inicial e da pretensão recursal. 4. É entendimento no âmbito do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte Federal que não se configura nulidade por decisão extra ou ultra petita o fato de o magistrado ou o órgão colegiado conceder, ainda que de ofício, benefício previdenciário diverso do pleiteado pelo requerente, atendidos os requisitos legais, em face da relevância da questão social que envolve a matéria e em tutela aos interesses da parte hipossuficiente (princípio da fungibilidade). 5. O benefício é devido desde a DER. 6. Apelação da autora provida.(AC 1020287-11.2019.4.01.9999, DESEMBARGADOR FEDERAL MORAIS DA ROCHA, TRF1 - PRIMEIRA TURMA, PJe 14/06/2023 PAG.)(destaquei)
Da mesma forma, o art. 176-E do Decreto n. 3048/99, introduzido pelo Decreto 10.410/2020, na linha do já previsto em disposições anteriores, estabelece que caberá ao INSS conceder o benefício mais vantajoso ao requerente ou diverso do pleiteado, desde que os elementos constantes do processo administrativo assegurem o reconhecimento desse direito à parte pleiteante.
Assim, não há amparo legal para que um requerimento administrativo diverso, formulado em 22/09/2021, não seja hábil a amparar a ação ajuizada em 27/01/2022.
Desse modo, tendo em vista que a parte autora demonstrou o prévio requerimento administrativo, ainda que relativo a benefício diverso daquele que agora pretende, na via judicial, não há que se falar em ausência de interesse processual.
Mérito
Nos termos do art. 203, inciso V, da Constituição Federal, e da lei n. 8.742/93, é assegurado o benefício de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, independente de contribuição à seguridade social.
Os requisitos para a concessão do benefício de prestação continuada estão elencados no art. 20 da Lei n. 8.742/93, quais sejam: a) ser pessoa com deficiência ou idoso com 65 anos de idade ou mais; b) não receber benefício no âmbito da seguridade social ou de outro regime e c) ter renda mensal familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo (requisito para aferição da miserabilidade).
Do critério da miserabilidade
Em relação ao critério da miserabilidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos RE’s n. 567.985 e n. 580.963 e da Reclamação n. 4.374, decidiu que o parâmetro da renda mensal familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo não é mais adequado para aferir a situação de miserabilidade do idoso ou do deficiente, razão pela qual declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93.
O Superior Tribunal de Justiça, de sua vez, quando do julgamento de Recurso Especial 1112447/MG, submetido ao rito de Recurso Repetitivo, pronunciou-se da seguinte forma:
“RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente a o cidadão social e economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido.”
(REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009)
Ressalte-se, ainda, que se tem utilizado como parâmetro razoável a renda per capita de ½ (meio) salário mínimo, estabelecida em legislações posteriores à LOAS, como a Lei n. 10.689/2003 (PNAA) e o Decreto n. 11.016/2022, referente ao Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal.
Nesse sentido, considerando o entendimento jurisprudencial atual, a vulnerabilidade social deve ser avaliada de acordo com o caso concreto, segundo fatores que possibilitem a constatação da hipossuficiência do requerente, sendo o critério objetivo legal apenas uma referência.
Da deficiência
Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo (mínimo de dois anos) “de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas” (Lei 8.742/93, art. 20, §§ 2º e 10).
A deficiência e o grau do impedimento devem ser aferidos mediante avaliação médica e avaliação social, realizadas por médicos peritos e assistentes sociais do INSS, nos termos do § 6º do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social.
Do caso concreto
No caso em análise, o laudo pericial constatou que a parte autora apresenta artrite reumatoide deformante e osteoartrose e se encontra incapacitada total e permanentemente para a atividade laboral, o que ocorre desde agosto de 2021.
O perito esclareceu que há deformidade severa dos dedos dos pés e das mãos, bem como restrição severa de mobilidade das mãos, dos pés, dos joelhos e dos ombros, de modo que a parte recorrida necessita de auxílio para o desempenho de atividades que exijam a realização de esforços físicos, inclusive higiene e alimentação (fls. 149/151).
Por sua vez, o estudo socioeconômico constatou que a parte autora se encontra em estado de miserabilidade, na medida em que reside sozinha, em moradia cedida por outrem e bastante simples, às margens do Rio Araguaia, e não possui renda, sobrevivendo do auxílio que recebe de parentes e amigos (fls. 130/132).
Assim, a partir de uma análise dos fatores culturais e socioeconômicos, conclui-se que a parte autora atende aos requisitos para a concessão do benefício assistencial.
Quanto à data de início do benefício, o Superior Tribunal de Justiça possui o entendimento de que o termo inicial deve ser estabelecido na data do requerimento administrativo, e, na ausência deste, na data da citação válida do INSS.
Restou comprovado nos autos que a parte autora atende aos requisitos para a concessão do benefício assistencial ao deficiente e nos autos não há outros elementos probatórios que demonstrem a existência de qualquer alteração no estado de fato ou de direito do beneficiário, desde a formulação do seu requerimento administrativo.
No entanto, considerando que não houve requerimento administrativo específico, entendo que o termo inicial do benefício deve ser fixado na data da citação do INSS, momento em que este teve ciência da lide e a parte autora já reunia todos os requisitos necessários para a concessão do benefício assistencial.
Ante o exposto, dar parcial provimento à apelação interposta pelo INSS.
Sem honorários recursais.
É o voto.
Brasília, data da assinatura eletrônica.
DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS
RELATORA

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
108APELAÇÃO CÍVEL (198)1001621-83.2024.4.01.9999
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EUDES RODRIGUES VIEIRA
Advogado do(a) APELADO: ERICA BORGES VIEIRA - GO42631
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. INTERESSE DE AGIR COMPROVADO. DESNECESSIDADE DE NOVO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE EM MATÉRIA PREVIDENCIÁRIA. REQUISITOS COMPROVADOS. BENEFÍCIO MANTIDO. TERMO INICIAL. DATA DA CITAÇÃO.
1. Conforme entendimento majoritário do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte Federal, tratando-se de questões previdenciárias, é possível ao magistrado ou ao órgão colegiado conceder benefício diverso daquele pleiteado, sem que isso caracterize um julgamento extra ou ultra petita, uma vez atendidos os requisitos legais, em face da relevância da questão social que envolve a matéria e em tutela aos interesses da parte hipossuficiente.
2. O art. 176-E do Decreto 3048/99, introduzido pelo Decreto 10.410/2020, estabelece que caberá ao INSS conceder o benefício mais vantajoso ao requerente ou diverso do pleiteado, desde que os elementos constantes do processo administrativo assegurem o reconhecimento desse direito.
3. Os requisitos para a concessão do benefício de prestação continuada encontram-se elencados no art. 20 da Lei nº 8.742/93, quais sejam: a) ser pessoa com deficiência ou idoso com 65 anos ou mais; b) não receber benefício no âmbito da seguridade social ou de outro regime e c) ter renda mensal familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo (requisito para aferição da miserabilidade).
4. Restou comprovado nos autos que a parte autora atende aos requisitos para a concessão do benefício assistencial à pessoa com deficiência.
5. O termo inicial do benefício deve ser fixado na data da citação.
6. Apelação do INSS a que se dá parcial provimento apenas para alterar a data de início do benefício.
ACÓRDÃO
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação do INSS, nos termos do voto da relatora.
Brasília, data da assinatura eletrônica
Desembargadora Federal NILZA REIS Relatora
