
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:MARIA DE FATIMA DE JESUS
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: ALEXANDRE VIEIRA DE MELO - GO25912-A e LETICIA BATISTA SANTOS MOREIRA - GO65380-A
RELATOR(A):NILZA MARIA COSTA DOS REIS

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
APELAÇÃO CÍVEL (198)1001913-68.2024.4.01.9999
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS (RELATORA):
Trata-se de apelação interposta pelo INSS de sentença na qual foi julgado procedente o pedido de concessão de benefício de amparo assistencial à pessoa com deficiência, a partir da data do requerimento administrativo.
Houve condenação da autarquia no pagamento das prestações em atraso, acrescidas de juros de mora na proporção de 1% (um por cento) ao mês, até julho/2009, a partir de quando coincidirão com aqueles aplicáveis à caderneta de poupança; e corrigidas monetariamente, aplicando-se o IPCA-E.
Os honorários advocatícios foram fixados em 10% (dez por cento) sobre as parcelas vencidas até a data da publicação da sentença, consoante prevê a Súmula n.º 111 do Superior Tribunal de Justiça, sem condenação em custas (fls. 187/190) ¹
Em suas razões, a autarquia previdenciária aduz, genericamente, a ausência dos requisitos necessários ao deferimento do benefício pleiteado e pugna pela reforma da sentença, julgando-se totalmente improcedente o pedido inicial (fls. 194/197). Eventualmente, requer:
1. A observância da prescrição quinquenal; 2. Na hipótese de concessão de aposentadoria, a intimação da parte autora para firmar e juntar aos autos a autodeclaração prevista no anexo I da Portaria INSS nº 450, de 03 de abril de 2020, em observância às regras de acumulação de benefícios estabelecida no art. 24, §§ 1.º e 2.º da Emenda Constitucional 103/2019; 3. Nas hipóteses da Lei n. 9.099/95, caso inexista nos autos declaração com esse teor, a intimação da parte autora para renúncia expressa dos valores que excedam o teto de 60 (sessenta) salários mínimos na data da propositura da ação e que eventualmente venham a ser identificados ao longo do processo, inclusive em sede de execução; 4. A fixação dos honorários advocatícios nos termos da Súmula 111 do STJ, sendo indevidos nas hipóteses da Lei 9.099/95; 5. A declaração de isenção de custas e outras taxas judiciárias; 6. O desconto dos valores já pagos administrativamente ou de qualquer benefício inacumulável recebido no período e a cobrança de eventuais valores pagos em sede de antecipação dos efeitos da tutela posteriormente revogada; 7. A produção de todas as provas admitidas em direito; 8. Por cautela, para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, que seja adotada a SELIC a partir de dezembro/2021, conforme a EC n. 113/2021.
Foram apresentadas contrarrazões (fls. 203/208).
É o relatório.
¹ Número de folhas refere-se à rolagem única em ordem crescente.
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
VOTO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS (RELATORA):
O recurso reúne as condições de admissibilidade, merecendo, portanto, ser conhecido.
Mérito
Nos termos do art. 203, inciso V, da Constituição Federal, e da lei n. 8.742/93, é assegurado o benefício correspondente a 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, independente de contribuição à seguridade social.
Os requisitos para a concessão do benefício de prestação continuada estão elencados no art. 20 da Lei n. 8.742/93, quais sejam: a) ser pessoa com deficiência ou idoso com 65 anos de idade ou mais; b) não receber benefício no âmbito da seguridade social ou de outro regime e c) ter renda mensal familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo (requisito para aferição da miserabilidade).
Do critério da miserabilidade
Em relação ao critério da miserabilidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos RE’s n. 567.985 e n. 580.963 e da Reclamação n. 4.374, decidiu que o parâmetro da renda mensal familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo não é mais adequado para aferir a situação de miserabilidade do idoso ou do deficiente, razão pela qual declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93.
O Superior Tribunal de Justiça, de sua vez, quando do julgamento de Recurso Especial 1112447/MG, submetido ao rito de Recurso Repetitivo, pronunciou-se da seguinte forma:
“RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente a o cidadão social e economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido.”
(REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009)
Ressalte-se, ainda, que se tem utilizado como parâmetro razoável a renda per capita de ½ (meio) salário mínimo, estabelecida em legislações posteriores à LOAS, como a Lei n. 10.689/2003 (PNAA) e o Decreto n. 11.016/2022, referente ao Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal.
Nesse sentido, considerando o entendimento jurisprudencial atual, a vulnerabilidade social deve ser avaliada de acordo com o caso concreto, segundo fatores que possibilitem a constatação da hipossuficiência do requerente, sendo o critério objetivo legal apenas uma referência.
Da deficiência
Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo (mínimo de dois anos) “de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas” (Lei 8.742/93, art. 20, §§ 2º e 10).
A deficiência e o grau do impedimento devem ser aferidos mediante avaliação médica e avaliação social, realizadas por médicos peritos e assistentes sociais do INSS, nos termos do § 6º do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social.
Do caso concreto
Verifica-se que o laudo pericial atestou que a parte autora, então contando com 57 (cinquenta e sete) anos de idade, apresenta dorsalgia, dor e limitação no cotovelo, além de síndrome do manguito rotador bilateral.
De acordo com o perito, tais patologias implicam em uma redução parcial e permanente da sua capacidade laboral, e, levando em consideração os fatores biopsicossociais, é pouco provável a reabilitação profissional. Afirmou que a parte autora se encontra em desvantagem se comparada a outras diaristas, pois não consegue exercer a sua atividade com a mesma qualidade e o mesmo esforço.
Quanto ao início da incapacidade, para a limitação no cotovelo, o perito a fixou no dia do acidente, em 23/06/2022. No que se refere às demais patologias, indicou o mês de agosto de 2021 (fls. 152/160).
Logo, a parte autora possui impedimento de longo prazo capaz de obstruir a sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas.
Por sua vez, extrai-se do laudo social (fls. 164/168) que a parte autora estudou até a 5º série, é divorciada e reside sozinha em casa alugada, em bairro com parco acesso à rede de bens e serviços, além de um alto índice de criminalidade.
Constatou-se que a pericianda sobrevive através das percepção de uma diária como passadeira e, nos demais dias da semana, faz peças de crochê por encomenda, valores que, somados, totalizam uma média mensal de R$ 300,00 (trezentos reais).
Como despesas, foram elencados os seguintes gastos: aluguel (R$500,00), luz e água (R$ 140,00), gás de cozinha (R$110,00), farmácia (R$130,00), cesta básica (R$ 658,70).
Por fim, a assistente social declarou que “considerando as despesas e receita da requerente, neste momento, indico que a mesma, dentro dos parâmetros utilizados pela assistência social, se caracteriza por usuário em situação de pobreza, pois tem acessos precários aos mínimos sociais”.
Ora, mediante detida análise do laudo social, resta evidente que a parte requerente se encontra em situação de vulnerabilidade, não possuindo meios de prover a sua subsistência.
Assim, a insurgência do INSS contra a sentença que deferiu o benefício assistencial não pode prosperar, restando comprovada, portanto, a situação de miserabilidade e o preenchimento dos requisitos para a concessão do benefício assistencial, nos termos do art. 20 da Lei n. 8.742/93.
Em relação aos pedidos eventuais formulados pela autarquia previdenciária, constato que a ação foi ajuizada em 03/11/2021, não podendo ser acolhida a alegação de prescrição quinquenal prevista no art. 103, parágrafo único, da Lei nº 8.213/1991, uma vez que o benefício foi deferido a partir de 04/06/2021.
Por sua vez, os honorários advocatícios já foram fixados em observância à súmula 111 do STJ, com isenção de custas à Autarquia.
No que toca à exigência da autodeclaração, trata-se de documento a ser apresentado junto ao requerimento administrativo, inclusive por meio dos canais remotos de atendimento do INSS, nos termos do art. 62, parágrafo único da Portaria 450/2020.
Não se aplica à hipótese, ademais, a Lei 9.099/95, uma vez que a demanda não tramitou perante o Juizado Especial Federal.
Quanto à correção monetária e aos juros de mora, os termos do que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal no RE 870.947 (tema 810) e pelo Superior Tribunal de Justiça ao julgar o REsp 1.495.146/MG (Tema 905), devem ser aplicados o IPCA-E para a correção monetária e juros moratórios nos termos do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com redação da Lei nº 11.960/09, até o dia 8/12/2021, depois do que passará a incidir apenas a taxa SELIC, nos termos do art. 3º da Emenda Constitucional - EC n.º 113/2021, até o efetivo pagamento.
O Manual de Cálculos da Justiça Federal, já está harmonizado com a jurisprudência das Cortes Superiores. Desse modo, sobre as parcelas em atraso devem incidir juros de mora e correção monetária apurados nos seus termos.
Por fim, diante da inexistência de revogação da antecipação de tutela, não há valores a serem compensados/descontados..
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação interposta pelo INSS.
Honorários advocatícios fixados em 1% do valor das parcelas vencidas até a data da prolação do acórdão (Súmula nº 111, do STJ).
É o voto.
Brasília, data da assinatura eletrônica.
DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS
RELATORA

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
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APELAÇÃO CÍVEL (198)1001913-68.2024.4.01.9999
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
MARIA DE FATIMA DE JESUS
Advogados do(a) APELADO: ALEXANDRE VIEIRA DE MELO - GO25912-A, LETICIA BATISTA SANTOS MOREIRA - GO65380-A
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. LAUDO PERICIAL QUE ATESTOU A DEFICIÊNCIA. APLICAÇÃO DO ART. 20 DA LEI 8.742/93 E DA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS. MISERABILIDADE COMPROVADA. SENTENÇA MANTIDA. CONSECTÁRIOS DA CONDENAÇÃO.
1. Os requisitos para a concessão do benefício de prestação continuada encontram-se elencados no art. 20 da Lei nº 8.742/93, quais sejam: a) ser pessoa com deficiência ou idoso com 65 anos ou mais; b) não receber benefício no âmbito da seguridade social ou de outro regime e c) ter renda mensal familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo (requisito para aferição da miserabilidade).
2. Restou comprovado nos autos que a parte autora atende aos requisitos para a concessão do benefício assistencial à pessoa com deficiência e nos autos não há elementos probatórios que demonstrem a existência de qualquer alteração no estado de fato ou de direito do beneficiário, desde o requerimento administrativo.
3. A correção monetária e os juros de mora devem observar o que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal no RE 870.947 (Tema 810) e pelo Superior Tribunal de Justiça ao julgar o REsp 1.495.146/MG (Tema 905).
4. Apelação interposta pelo INSS desprovida.
ACÓRDÃO
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos temos do voto da Relatora.
Brasília, data da assinatura eletrônica.
Desembargadora Federal NILZA REIS Relatora
