
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:AMANDA GABRIELLY DOS SANTOS OLIVEIRA e outros
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: CRISTIANE SATTLER GHISI - MT10902-A
RELATOR(A):NILZA MARIA COSTA DOS REIS

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
APELAÇÃO CÍVEL (198)1016348-81.2023.4.01.9999
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS (RELATORA):
Trata-se de apelação interposta pelo INSS de sentença na qual foi julgado procedente o pedido inicial de concessão de benefício assistencial, no valor de 01 (um) salário mínimo, a partir do requerimento administrativo (fls. 190/197).¹
Em suas razões, a autarquia previdenciária alega a ausência de miserabilidade e pugna pela reforma da sentença, para que seja julgado improcedente o pedido formulado na inicial (fls. 217/223).
Foram apresentadas contrarrazões (fls. 227/231).
O Ministério Público Federal apresentou parecer pelo desprovimento do recurso de apelação (fls. 244/246).
É o relatório.
¹ Número de folhas refere-se à rolagem única em ordem crescente.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
VOTO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS (RELATORA):
O recurso reúne os requisitos de admissibilidade, merecendo ser conhecido.
Do benefício assistencial à pessoa com deficiência
No termos do art. 203, inciso V, da Constituição Federal, e da lei n. 8.742/93, é assegurado o benefício de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso, que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, independente de contribuição à seguridade social.
Os requisitos para a concessão do benefício de prestação continuada encontram-se elencados no art. 20 da Lei n. 8.742/93, quais sejam: a) ser pessoa com deficiência ou idoso com 65 anos ou mais; b) não receber benefício no âmbito da seguridade social ou de outro regime e c) ter renda mensal familiar per capita igual ou inferior a ¼ do salário mínimo (requisito para aferição da miserabilidade).
Do critério da miserabilidade
Em relação ao critério da miserabilidade, o Plenário do STF, no julgamento dos RE’s n. 567.985 e n. 580.963 e da Reclamação n. 4.374, entendeu que o parâmetro da renda mensal familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo não é mais adequado para aferir a situação de miserabilidade do idoso ou do deficiente, razão pela qual declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93.
O Superior Tribunal de Justiça, de sua vez, quando do julgamento de Recurso Especial 1112557/MG, submetido ao rito de Recurso Repetitivo, pronunciou-se da seguinte forma:
“RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente a o cidadão social e economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido.”
(REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009) (grifos nossos)
Vale ressaltar, ainda, que se tem utilizado como parâmetro razoável a renda per capita de ½ (meio) salário mínimo, estabelecida em legislações posteriores à LOAS, como a Lei n. 10.689/2003 (PNAA) e o Decreto n. 11.016/2022, referente ao Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal.
Neste sentido, considerando o entendimento jurisprudencial atual, a vulnerabilidade social deve ser avaliada de acordo com o caso concreto, segundo fatores que possibilitem constatar a hipossuficiência do requerente, sendo o critério objetivo legal apenas uma referência.
Da deficiência
Considera-se pessoa com deficiência aquela que apresenta impedimentos de longo prazo (mínimo de dois anos), de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, inviabilizam sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (§§ 2º e 10 do art. 20 da Lei 8.742/93).
A deficiência e o grau do impedimento devem ser aferidos mediante avaliação médica e avaliação social, realizadas por médicos peritos e assistentes sociais do INSS, nos termos do § 6º do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social.
Do caso concreto
Verifica-se que o laudo médico pericial atestou que a parte autora (à época com 11 anos de idade) é portadora de cardiopatia congênita, transposição congenitamente corrigida de grandes vasos, comunicação interventricular perimembranosa ampla, "persistência canal arterial", anomalia Ebstein e hiperfluxo pulmonar.
De acordo com a Perita, tais condições impossibilitam a capacidade funcional da autora para desenvolver as tarefas no dia a dia e na escola, e que "terá limitações para várias atividades laborais no futuro" (fl. 157).
Acrescentou, ainda, que a autora/apelada utiliza marcapasso desde os 02 anos de idade, e a sua patologia se encontra em fase evolutiva descompensada, de modo que há incapacidade total e permanente desde o seu nascimento, em 2006 (fls. 157/158).
Logo, como se pode observar, a parte autora possui impedimento de longo prazo capaz de obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
Por sua vez, extrai-se do laudo social (fls. 180/182) que o grupo familiar é composto por 05 pessoas, de modo que a requerente reside com sua genitora, seu padrasto, um irmão e uma irmã. A fonte de renda é proveniente do trabalho do padrasto, que é caseiro e recebe aproximadamente R$ 1.100,00 mensais, e também decorre do trabalho do rural de sua genitora, que aufere um salário mínimo mensal. Residem em imóvel cedido, com móveis em precário estado de conservação. O local não dispõe de pavimentação asfáltica e nem de serviço de esgotamento sanitário.
Pois bem, em detida análise ao laudo social, resta evidente que a parte requerente se encontra em situação de vulnerabilidade, não possuindo meios de prover sua subsistência, de modo que a renda per capita é inferior a ½ (meio) salário mínimo.
Assim, a insurgência do INSS contra a sentença que deferiu o benefício assistencial não pode prosperar, porque está comprovada a situação de miserabilidade e o preenchimento dos requisitos para a concessão do benefício assistencial, nos termos do art. 20 da Lei n. 8.742/93.
Com esses fundamentos, NEGO PROVIMENTO à apelação interposta pelo INSS.
Fixo os honorários advocatícios recursais, devidos pelo INSS, em quantia equivalente a 1% (um por cento) do valor da condenação.
É o voto.
Brasília, 28 de fevereiro de 2024.
DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS
RELATORA

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
APELAÇÃO CÍVEL (198)1016348-81.2023.4.01.9999
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
AMANDA GABRIELLY DOS SANTOS OLIVEIRA e outros
Advogado do(a) APELADO: CRISTIANE SATTLER GHISI - MT10902-A
Advogado do(a) REPRESENTANTE: CRISTIANE SATTLER GHISI - MT10902-A
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. LOAS. ART. 203, V, DA CF/88. LEI 8.742/93. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. CRITÉRIO DE MISERABILIDADE. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA.
1. No termos do art. 203, inciso V, da Constituição Federal, e da lei n. 8.742/93, é assegurado o benefício de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso, que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, independente de contribuição à seguridade social.
2. Os requisitos para a concessão do benefício de prestação continuada encontram-se elencados no art. 20 da Lei n. 8.742/93, quais sejam: a) ser pessoa com deficiência ou idoso com 65 anos ou mais; b) não receber benefício no âmbito da seguridade social ou de outro regime, e c) ter renda mensal familiar per capita igual ou inferior a ¼ do salário mínimo (requisito para aferição da miserabilidade).
3. Em relação ao critério da miserabilidade, o Plenário do STF, no julgamento dos RE’s n. 567.985 e n. 580.963 e da Reclamação n. 4.374, entendeu que o parâmetro da renda mensal familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo não é mais adequado para aferir a situação de miserabilidade do idoso ou do deficiente, razão pela qual declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93.
4. Utiliza-se como parâmetro razoável a renda per capita de ½ (meio) salário mínimo, estabelecida em legislações posteriores à LOAS, como a Lei n. 10.689/2003 (PNAA) e o Decreto n. 11.016/2022, referente ao Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal.
5. Considerando o entendimento jurisprudencial atual, a vulnerabilidade social deve ser avaliada de acordo com o caso concreto, segundo fatores que possibilitem constatar a hipossuficiência da parte autora, sendo o critério objetivo legal apenas uma referência.
6. Em detida análise ao laudo social, resta evidente que a parte requerente se encontra em situação de vulnerabilidade, não possuindo meios de prover sua subsistência, de modo que a renda per capita é inferior a ½ (meio) salário mínimo.
7. Apelação interposta pelo INSS desprovida.
ACÓRDÃO
Decide a Nona Turma, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS, nos termos do voto da Relatora.
Brasília, 28 de fevereiro de 2024.
Desembargadora Federal NILZA REIS Relatora
