
POLO ATIVO: MARCOS VINICIUS CARDIA DORNELES
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: RAPHAEL ANTUANNE TORQUATO DO CARMO - GO36951-A, GIOVANA VIEIRA PINTO - GO57212-A e RANYER AUGUSTO TORQUATO DO CARMO - GO45845-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR(A):ANTONIO OSWALDO SCARPA

PODER JUDICIÁRIO FEDERAL
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 26 - DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO SCARPA
PJE/TRF1-Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1003923-85.2024.4.01.9999
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
APELANTE: M. V. C. D.
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO SCARPA (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pela parte autora de sentença que julgou procedente o pedido de benefício de prestação continuada, previsto na Lei nº 8.742/93, com termo inicial na data do requerimento administrativo (09/10/2019) e fixação da cessação do benefício em 09/10/2022.
A parte autora, em suas razões recursais, alega que a sentença deve ser reformada uma vez que inexiste a fixação de DCB em benefícios de prestação continuada.
Contrarrazões não apresentadas.
É o relatório.

PODER JUDICIÁRIO FEDERAL
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 26 - DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO SCARPA
PJE/TRF1-Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1003923-85.2024.4.01.9999
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
APELANTE: M. V. C. D.
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO SCARPA (RELATOR):
O recurso reúne as condições de admissibilidade, merecendo ser conhecido.
Mérito
O benefício de prestação continuada está previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, que garante o pagamento de um salário mínimo à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, nos termos da lei.
A Lei 8.742/1993, em seu art. 20, § 2º, na redação original, dispunha que a pessoa com deficiência era aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.
No entanto, mencionado dispositivo, em sua redação atual, dada pela Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), define, de forma mais ampla, pessoa com deficiência como aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
A Súmula n. 48 da TNU, em consonância com a nova redação da Lei 8.742/93, estabelece o seguinte: "Para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, o conceito de pessoa com deficiência, que não se confunde necessariamente com situação de incapacidade laborativa, é imprescindível a configuração de impedimento de longo prazo com duração mínima de 2 (dois) anos, a ser aferido no caso concreto, desde a data do início sua caracterização".
Nesse sentido também é o entendimento do STJ:
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. REVALORAÇÃO DE PROVAS. POSSIBILIDADE. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. A LOAS, EM SUA REDAÇÃO ORIGINAL, NÃO FEZ DISTINÇÃO QUANTO À NATUREZA DA INCAPACIDADE, SE PERMANENTE OU TEMPORÁRIA, TOTAL OU PARCIAL. ASSIM NÃO É POSSÍVEL AO INTÉRPRETE ACRESCER REQUISITOS NÃO PREVISTOS EM LEI PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. AGRAVO INTERNO DO INSS A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. O STJ tem entendimento consolidado de que a errônea valoração da prova permite a esta Corte Superior a revaloração dos critérios jurídicos utilizados pelo Tribunal de origem na apreciação dos fatos incontroversos. 2. A Constituição Federal/1988 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. 3. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/1993, em seu art. 20, § 2o., em sua redação original dispunha que a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho. 4. Em sua redação atual, dada pela Lei 13.146/2015, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. 5. Verifica-se que em nenhuma de suas edições a Lei impôs como requisito ao benefício assistencial a incapacidade absoluta. 6. Não cabe ao intérprete a imposição de requisitos mais rígidos do que aqueles previstos na legislação para a concessão do benefício. 7. Agravo Interno do INSS a que se nega provimento. (Relator: Napoleão Nunes Maia Filho, STJ - SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Primeira Turma, AINTARESP - AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – 1263382, 2018.00.60293-2, data da publicação: 19/12/2018)
No que toca a renda familiar per capita, o Plenário do STF, ao julgar a ADIN n. 1.232-1/DF, no sentido de que a lei estabeleceu hipótese objetiva de aferição da miserabilidade, contudo, o legislador não excluiu outras formas de verificação de tal condição, a exemplo dos benefícios de cunho assistencial previstos nas Leis n. 9.533/1997 e 10.689/2003 e Lei n. 9.533/1997.
Posteriormente, a Suprema Corte, no julgamento da Reclamação nº 4374/PE firmou entendimento no sentido de que o critério de renda per capita de ¼ do salário-mínimo não é mais aplicável, motivo pelo qual a miserabilidade deverá ser aferida pela análise das circunstâncias concretas do caso analisado.
Assim, a vulnerabilidade social deve ser aferida pelo julgador na análise do caso concreto, de modo que o critério objetivo fixado em lei deve ser considerado como um norte, podendo o julgador considerar outros fatores que viabilizem a constatação da hipossuficiência do requerente.
Importante consignar que fora dos requisitos objetivos previstos em lei, a comprovação da miserabilidade deverá ser viabilizada pela parte requerente, a qual incumbe apresentar meios capazes de incutir no julgador a convicção de sua vulnerabilidade social.
No caso dos autos, a parte autora, nascida em 20/06/2007, requereu benefício de prestação continuada à pessoa com deficiência em 09/10/2019, o qual fora indeferido em razão de “renda per capita familiar é superior a ¼ do salário mínimo vigente na data do requerimento administrativo” (ID 402159644– p. 16).
Do laudo médico pericial (ID 402159644– p. 92), elaborado em 22/07/2021, extrai-se que a parte autora é portadora de Linfedema em Membro Inferior Direito (CID Q 82.0) desde a infância, com dores em membro inferior direito, edema local, com perdas funcionais. Segundo relato da médica perita constatou-se que a parte autora possui impedimento de longo prazo, incidindo em perdas funcionais, estando atualmente em bom estado geral. Ademais, afirma a perita que o autor possui incapacidade total e temporária, realizando tratamento contínuo no SUS. Concluiu o expert que o autor está “Inapto temporária e total ao laboro desde outubro de 2019 por 36 meses.”
Destaca-se que não há que se falar em incapacidade laborativa, visto que a espécie do benefício pleiteado não está condicionada a isto, mas à averiguação de impedimento de sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com outras pessoas, conforme artigo supramencionado.
Pois bem.
Em que pese o laudo médico pericial concluir pela incapacidade total e temporária, e afirmando a ocorrência de perdas funcionais, entendo que o caso merece ser analisado junto aos exames particulares colacionados aos autos, já que, conforme art. 479, do CPC, o juiz não está adstrito ao laudo.
Da análise dos documentos juntados na inicial, a parte autora colacionou relatório médico (ID 402159644– p. 14), datado de 23/01/2020, em que foi relatado que a parte autora “Paciente Marcos Vinicius Cardia Dorneles, prontuário 994989-2, portador de linfedema em MMN, idiopático, em acompanhamento no hospital das clínicas-UFG, sem previsão de alta (CID: I 89.0)”.
Também, relatório médico (ID 402159644- P.12), datado de 16/08/2017, informando que o requerente é “portador de linfedema em membro direito, veias varicosas em coxa e pernas. Possui edema significativo, dor, baixa flexibilidade do tornozelo direito, dificuldade para deambular. Necessitando de uso de meias compressivas diariamente e analgésicos potentes. Sendo sua família de baixa renda e incapaz de prosseguir com o tratamento adequado”.
Assim, diante das informações constantes na perícia médica e no conjunto probatório, resta comprovado o impedimento de longo prazo da parte autora.
Do estudo socioeconômico (ID 402159644– p. 29), verifica-se que o autor reside com a genitora (DN 08/04/1986), com seu genitor (DN 04/07/1980) e seu irmão (DN 28/05/2017) em casa própria contemplada no programa Minha Casa Minha Vida. A residência é “simples e ainda sem acabamento. Possui 02 quartos, 01 sala conjugada com a cozinha e um banheiro. Os bens como móveis e eletrodomésticos são poucos e muito simples e não possuem bens como moto ou carro”. A renda familiar é proveniente de outro benefício assistencial que recebe o genitor por ser deficiente auditivo. A genitora está desempregada, realizou cirurgia bariátrica e se encontra debilitada por não possuir condições de adquirir a alimentação especial e sem condições de trabalhar. A família esta inserida no Cadastro único, mas não recebe nenhum benefício.
Concluiu a assistente social que “O problema de saúde do requerente que acarreta cuidados especializados na área da saúde e despesas com medicação de alto custo agravou a situação da família. Assim ficou demonstrado a necessidade da família ser inserida na Proteção Social Básica e principalmente Proteção Social Especial do SUAS para que tenha garantido o direito a acompanhamento especializado necessário diante da condição apresentada. Assim o atendimento a solicitação do benefício de Prestação Continuada pretendido é fundamental para garantir os direitos sócio assistenciais assegurados na Lei de organização da Assistência Social”.
Preceitua o art. 20, §14º da Lei n° 8.742/1993, que é possível a exclusão do cômputo da renda familiar o benefício assistencial de até 01 salário mínimo percebido por pessoa com deficiência do mesmo grupo familiar.
Considerando o entendimento jurisprudencial consolidado no sentido de que podem ser utilizados outros elementos probatórios para aferição da capacidade da família de prover suas necessidades básicas e os fatos narrados e comprovados pelos documentos anexados à exordial, resta comprovada a situação de vulnerabilidade social da parte apelante.
Dessa forma, estão comprovados os requisitos legais para a concessão do benefício de prestação continuada, sendo a reforma da sentença medida que se impõe.
Ademais, assiste razão à parte autora quanto ao erro na fixação da cessação do benefício concedido, uma vez que há possibilidade de revisão administrativa do benefício assistencial a cada 02 (dois) anos, a fim de avaliar a continuidade das condições que ensejaram a concessão do benefício, conforme preceitua o artigo 21, da Lei 8.742/1993.
Nesse sentido:
“(...)10. A incapacidade temporária não retira o direito ao benefício de amparo assistencial, pois o art. 21 da Lei 8.742/1993 prevê a revisão periódica do benefício a cada dois anos, a fim de avaliar a continuidade das condições que deram origem ao benefício. Precedente: REsp n. 1.404.019/SP, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 27/6/2017, DJe de 3/8/2017, entre outros. 11. Indevida a fixação da data de cessação do benefício assistencial estabelecida na sentença, uma vez que a própria Lei 8.742/1993 estabelece no art. 21 a revisão periódica do benefício a cada dois anos, a fim de avaliar a continuidade das condições que deram origem ao benefício.” (AC 1031308-37.2021.4.01.0000, DESEMBARGADOR FEDERAL MORAIS DA ROCHA, TRF1 –
Assim, a sentença deve ser reformada para afastar a fixação da data de cessação do benefício assistencial.
Mantenho os honorários fixados na sentença.
Juros e correção monetária conforme Manual de Cálculos da Justiça Federal, cujos parâmetros se harmonizam com a orientação que se extrai do julgamento do TEMA 905 STJ e 810 (STF).
Levando-se em conta o caráter alimentar do benefício previdenciário em exame e diante da presença dos requisitos autorizadores para o reconhecimento definitivo do direito, aliado ao fato de não ser atribuído efeito suspensivo os recursos cabíveis, em tese, contra este acórdão, defere-se a tutela provisória de urgência, nos termos do art. 300 do Código de Processo Civil. Deverá a implantação ocorrer no prazo de 30 dias (obrigação de fazer), por aplicação do art. 497 do CPC.
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO à apelação interposta pela parte autora para afastar a fixação de DCB.
É o voto.
Desembargador Federal ANTÔNIO SCARPA
Relator

PODER JUDICIÁRIO FEDERAL
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 26 - DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO SCARPA
PJE/TRF1-Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1003923-85.2024.4.01.9999
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
APELANTE: M. V. C. D.
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 20 DA LEI 8.742/93. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. COTEJO DA PERÍCIA COM O CONJUNTO PROBATÓRIO. ELEMENTOS PROBATÓRIOS SUFICIENTES. FIXAÇÃO DA DATA DE CESSAÇÃO INDEVIDA. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PROVIDA.
1. O benefício de prestação continuada está previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, que garante o pagamento de um salário mínimo à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, nos termos da lei.
2. A avaliação da deficiência terá como escopo concluir se dela decorre incapacidade para a vida independente e para o trabalho. Conforme Súmula nº 48 da TNU, o conceito de deficiência não se confunde, necessariamente, com incapacidade laborativa, devendo ser avaliado se o impedimento de longo prazo impossibilita ou não que a pessoa concorra em igualdade de condições com as demais pessoas.
3. Do estudo socioeconômico (ID 402159644– p. 29), verifica-se que o autor reside com a genitora (DN 08/04/1986), com seu genitor (DN 04/07/1980) e seu irmão (DN 28/05/2017) em casa própria contemplada no programa Minha Casa Minha Vida. Concluiu a assistente social que “O problema de saúde do requerente que acarreta cuidados especializados na área da saúde e despesas com medicação de alto custo agravou a situação da família. Assim ficou demonstrado a necessidade da família ser inserida na Proteção Social Básica e principalmente Proteção Social Especial do SUAS para que tenha garantido o direito a acompanhamento especializado necessário diante da condição apresentada. Assim o atendimento a solicitação do benefício de Prestação Continuada pretendido é fundamental para garantir os direitos sócio assistenciais assegurados na Lei de organização da Assistência Social”.
4. Do laudo médico pericial (ID 402159644– p. 92), elaborado em 22/07/2021, extrai-se que a parte autora é portadora de Linfedema em Membro Inferior Direito (CID Q 82.0) desde a infância, com dores em membro inferior direito, edema local, com perdas funcionais. Conclui o expert que o autor está “Inapto temporária e total ao laboro desde outubro de 2019 por 36 meses.”
5. Da análise dos documentos juntados na inicial, a parte autora colacionou relatório médico (ID 402159644– p. 14), datado de 23/01/2020 em que foi relatado que a parte autora “Paciente Marcos Vinicius Cardia Dorneles, prontuário 994989-2, portador de linfedema em MMN, idiopático, em acompanhamento no hospital das clínicas-UFG, sem previsão de alta (CID: I 89.0)”. Também, relatório médico (ID 402159644- P.12), datado de 16/08/2017, informando que o requerente é portador de linfedema em membro direito, veias varicosas em coxa e pernas. Possui edema significativo, dor, baixa flexibilidade do tornozelo direito, dificuldade para deambular. Necessitando de uso de meias compressivas diariamente e analgésicos potentes. Sendo sua família de baixa renda e incapaz de prosseguir com o tratamento adequado.
6. A sentença deve ser reformada para afastar a fixação da data de cessação do benefício assistencial.
7. Juros e correção monetária conforme Manual de Cálculos da Justiça Federal, cujos parâmetros se harmonizam com a orientação que se extrai do julgamento do TEMA 905 STJ e 810 (STF).
8. Mantidos os honorários fixados na sentença.
9. Deferida a tutela provisória de urgência, nos termos do art. 300 do Código de Processo Civil. Deverá a implantação ocorrer no prazo de 30 dias (obrigação de fazer), por aplicação do art. 497 do CPC.
10. Apelação interposta pela parte autora provida.
A C Ó R D Ã O
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, à unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator.
Brasília (DF), (data da Sessão).
Desembargador Federal ANTÔNIO SCARPA
