
POLO ATIVO: MARIA DOS ANJOS DA CONCEICAO
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: MARIE CHRISTINIE MAGALHAES COLARES - BA33742-S
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR(A):ANTONIO OSWALDO SCARPA

PODER JUDICIÁRIO FEDERAL
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 26 - DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO SCARPA
PJE/TRF1-Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1005991-42.2023.4.01.9999
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
APELANTE: MARIA DOS ANJOS DA CONCEICAO
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO SCARPA (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pela parte autora de sentença que julgou improcedente o pedido de benefício de amparo assistencial previsto na Lei nº 8.742/93.
A parte autora, em suas razões recursais, alega que a sentença deve ser reformada uma vez que preenchidos os requisitos legais para concessão do benefício pleiteado, ante a comprovação da deficiência.
Contrarrazões não apresentadas.
É o relatório.

PODER JUDICIÁRIO FEDERAL
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 26 - DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO SCARPA
PJE/TRF1-Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1005991-42.2023.4.01.9999
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
APELANTE: MARIA DOS ANJOS DA CONCEICAO
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO SCARPA (RELATOR):
O recurso reúne as condições de admissibilidade, merecendo ser conhecido.
Mérito
O benefício de prestação continuada está previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, que garante o pagamento de um salário mínimo à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, nos termos da lei.
A Lei 8.742/1993, em seu art. 20, § 2º, na redação original, dispunha que a pessoa com deficiência era aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.
No entanto, mencionado dispositivo, em sua redação atual, dada pela Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), define, de forma mais ampla, pessoa com deficiência como aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
A Súmula n. 48 da TNU, em consonância com a nova redação da Lei 8.742/93, estabelece o seguinte: "Para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, o conceito de pessoa com deficiência, que não se confunde necessariamente com situação de incapacidade laborativa, é imprescindível a configuração de impedimento de longo prazo com duração mínima de 2 (dois) anos, a ser aferido no caso concreto, desde a data do início sua caracterização".
Nesse sentido também é o entendimento do STJ:
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. REVALORAÇÃO DE PROVAS. POSSIBILIDADE. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. A LOAS, EM SUA REDAÇÃO ORIGINAL, NÃO FEZ DISTINÇÃO QUANTO À NATUREZA DA INCAPACIDADE, SE PERMANENTE OU TEMPORÁRIA, TOTAL OU PARCIAL. ASSIM NÃO É POSSÍVEL AO INTÉRPRETE ACRESCER REQUISITOS NÃO PREVISTOS EM LEI PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. AGRAVO INTERNO DO INSS A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. O STJ tem entendimento consolidado de que a errônea valoração da prova permite a esta Corte Superior a revaloração dos critérios jurídicos utilizados pelo Tribunal de origem na apreciação dos fatos incontroversos. 2. A Constituição Federal/1988 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. 3. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/1993, em seu art. 20, § 2o., em sua redação original dispunha que a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho. 4. Em sua redação atual, dada pela Lei 13.146/2015, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. 5. Verifica-se que em nenhuma de suas edições a Lei impôs como requisito ao benefício assistencial a incapacidade absoluta. 6. Não cabe ao intérprete a imposição de requisitos mais rígidos do que aqueles previstos na legislação para a concessão do benefício. 7. Agravo Interno do INSS a que se nega provimento. (Relator: Napoleão Nunes Maia Filho, STJ - SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Primeira Turma, AINTARESP - AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – 1263382, 2018.00.60293-2, data da publicação: 19/12/2018)
No caso dos autos, a parte autora, nascida em 18/12/1963, requereu benefício de prestação continuada à pessoa com deficiência em 29/09/2015, o qual fora indeferido por “não atender às exigências legais da deficiência para acesso ao BPC-LOAS”.
Quanto ao requisito da deficiência, na perícia médica realizada (ID 302048518 – p.91), o expert afirma que a parte autora é portadora de miocardiopatia hipetrófica assimétrica septal com disfunção diastólica moderada (CI 10 – I422), hipertensão arterial sistêmica CID 10 – I10). Relata, ainda, que está em acompanhamento cardiológico ambulatorial e que “tal comorbidade pode predispor ao aparecimento de arritimias ventriculares malignas, levando à síncope ou morte súbita”. Mantém uso regular de medicações. Concluiu que a doença não induz incapacidade e que a autora deve evitar exercícios físicos de alto desempenho.
Destaca-se que não há que se falar em incapacidade laborativa, visto que a espécie do benefício pleiteado não está condicionada a isto, mas à averiguação de impedimento de sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com outras pessoas, conforme artigo supramencionado.
Pois bem.
Em que pese o laudo médico pericial concluir pela inexistência de incapacidade, entendo que o caso merece ser analisado em conjunto com os exames particulares colacionados aos autos, uma vez que, conforme disposto no art. 479, do CPC, o juiz não está adstrito ao laudo.
A parte autora juntou aos autos relatórios e exames médicos que indicam o afastamento de suas atividades laborativas por tempo indeterminado (ID 302048518 – p. 137/149).
Há que se considerar, ainda, a idade da parte autora, atualmente com 60 anos de idade, baixa escolaridade, baixo nível de profissionalização e sempre tendo exercido atividade braçal, pode-se concluir que existe impedimento de longo prazo que obstrui a participação da parte autora de forma plena e efetiva na sociedade.
Do estudo socioeconômico (ID 302048518 – p. 77), verifica-se que a parte autora reside sozinha em casa cedida com acesso a serviços e bens públicos e infraestrutura, sendo a construção de alvenaria. Extrai-se, ainda, que a renda familiar é de R$ 150,00, proveniente do Programa Bolsa Família. Relata que depende da ajuda de terceiros. Concluiu a assistente social que “na condição atual de subsistência, na condição de limitações físicas, diante da insuficiência de rendimentos, requer atenção para com sua saúde, pois encontra-se em vulnerabilidade e risco social”.
Considerando o entendimento jurisprudencial consolidado no sentido de que podem ser utilizados outros elementos probatórios para aferição da capacidade da família de prover suas necessidades básicas e os fatos narrados e comprovados pelos documentos anexados à exordial, resta comprovada a situação de vulnerabilidade social da parte apelante.
Quanto ao termo inicial do benefício, verifica-se que o requerimento administrativo foi realizado em 29/09/2015 e a presente ação ajuizada em 17/11/2019. Em virtude do decurso de mais de 04 (quatro) anos, não se pode presumir que as condições anteriores permaneceram incólumes, tendo em vista o caráter temporário do benefício, conforme entendimento cediço desta Turma:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 20 DA LEI 8.742/93. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. TERMO INICIAL DA IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO (DIB). LAPSO TEMPORAL SUPERIOR A DOZE ANOS ENTRE A DATA DO PRIMEIRO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO E O AJUIZAMENO DA PRESENTE AÇÃO. REVISÃO DAS CONDIÇÕES A CADA 02 ANOS. SENTENÇA REFORMADA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
1. O benefício de prestação continuada está previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, que garante o pagamento de um salário mínimo à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, nos termos da lei.
2. Preceitua o artigo 21, da Lei 8.742/1993, que há possibilidade de revisão administrativa do benefício assistencial a cada 02 (dois) anos a fim de avaliar a continuidade das condições que ensejaram a concessão do benefício.
3. O Decreto nº 6.214/2007 dispõe acerca da necessidade de todos os beneficiários do benefício de prestação continuada realizarem inscrição no CADUNICO e atualização dos dados a cada 02 (dois) anos.
4. Ressalte-se, ainda, o caráter temporário desse benefício e sua finalidade de corroborar na manutenção da pessoa em condição de vulnerabilidade social. Ademais, sabe-se que para verificação das condições para implemento da concessão do benefício leva-se em conta, principalmente, o grupo familiar e a renda, ambos podem sofrer alteração em curto lapso de tempo.
5. Cinge-se a controvérsia no tocante ao termo inicial de implantação do benefício. Na sentença, o juízo a quo fixou a DIB da data do primeiro requerimento administrativo (22/07/2010).
6. Da análise dos autos, verifica-se que foram realizados três requerimentos administrativos, quais sejam, em 22/07/2010, 20/07/2012 e 04/08/2021. A presente ação foi ajuizada em 04/05/2022. Em virtude do decurso de mais de 12 (doze) anos desde a primeira DER (22/07/2010), não se pode presumir que as condições anteriores permaneceram incólumes, tendo em vista o caráter temporário do benefício.
7. Sentença reformada para fixar o termo inicial do benefício na data do requerimento administrativo contemporâneo ao ajuizamento da ação (04/08/2021).
8. Juros e correção monetária conforme Manual de Cálculos da Justiça Federal, cujos parâmetros se harmonizam com a orientação que se extrai do julgamento do TEMA 905 STJ e 810 (STF).
9. Mantidos os honorários fixados na sentença.
10. Apelação do INSS parcialmente provida (item 7)
(AC 1006563-95.2023.4.01.9999, DESEMBARGADOR FEDERAL ANTÔNIO SCARPA, TRF1 NONA TURMA)
Dessa forma, estão comprovados os requisitos legais para a concessão do benefício de prestação continuada, sendo a reforma da sentença medida que se impõe.
Condeno o INSS a pagar honorários advocatícios fixados em 10% do valor da condenação, a incidirem sobre as prestações vencidas até a prolação do acórdão (Súmula 111 do STJ).
Juros e correção monetária conforme Manual de Cálculos da Justiça Federal, cujos parâmetros se harmonizam com a orientação que se extrai do julgamento do TEMA 905 STJ e 810 (STF).
Levando-se em conta o caráter alimentar do benefício previdenciário em exame e diante da presença dos requisitos autorizadores para o reconhecimento definitivo do direito, aliado ao fato de não ser atribuído efeito suspensivo os recursos cabíveis, em tese, a contra este acórdão, defere-se a tutela provisória de urgência, nos termos do art. 300 do Código de Processo Civil. Deverá a implantação ocorrer no prazo de 30 dias (obrigação de fazer), por aplicação do art. 497 do CPC.
Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação interposta pela parte autora para, reformando a sentença, conceder o benefício de prestação continuada, com termo inicial na data do ajuizamento da presente ação (17/11/2019).
É o voto.
Desembargador Federal ANTÔNIO SCARPA
Relator

PODER JUDICIÁRIO FEDERAL
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 26 - DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO SCARPA
PJE/TRF1-Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1005991-42.2023.4.01.9999
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
APELANTE: MARIA DOS ANJOS DA CONCEICAO
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 20, DA LEI 8.742/93. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO. COTEJO DA PERÍCIA COM O CONJUNTO PROBATÓRIO. ELEMENTOS PROBATÓRIOS SUFICIENTES. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
1. O benefício de prestação continuada está previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, que garante o pagamento de um salário mínimo à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, nos termos da lei.
2. A avaliação da deficiência terá como escopo concluir se dela decorre incapacidade para a vida independente e para o trabalho. Conforme Súmula nº 48 da TNU, o conceito de deficiência não se confunde, necessariamente, com incapacidade laborativa, devendo ser avaliado se o impedimento de longo prazo impossibilita ou não que a pessoa concorra em igualdade de condições com as demais pessoas.
3. A controvérsia cinge-se à existência ou não de impedimento de longo prazo da parte autora. Quanto ao requisito da deficiência, na perícia médica realizada (ID 302048518 – p.91), o expert afirma que a parte autora é portadora de miocardiopatia hipetrófica assimétrica septal com disfunção diastólica moderada (CI 10 – I422), hipertensão arterial sistêmica CID 10 – I10). Relata, ainda, que está em acompanhamento cardiológico ambulatorial e que “tal comorbidade pode predispor ao aparecimento de arritimias ventriculares malignas, levando à síncope ou morte súbita”. Mantém uso regular de medicações. Concluiu que a doença não induz incapacidade e que a autora deve evitar exercícios físicos de alto desempenho.
4. Destaca-se que não há que se falar em incapacidade laborativa, visto que a espécie do benefício pleiteado não está condicionada a isto, mas à averiguação de impedimento de sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com outras pessoas, conforme artigo supramencionado. Diante das informações constantes na perícia médica e no conjunto probatório, resta comprovado o impedimento de longo prazo da parte autora.
5. Do estudo socioeconômico (ID 302048518 – p. 77), verifica-se que a parte autora reside sozinha em casa cedida com acesso a serviços e bens públicos e infraestrutura, sendo a construção de alvenaria. Extrai-se, ainda, que a renda familiar é de R$ 150,00, proveniente do Programa Bolsa Família. Relata que depende da ajuda de terceiros. Concluiu a assistente social que “na condição atual de subsistência, na condição de limitações físicas, diante da insuficiência de rendimentos, requer atenção para com sua saúde, pois encontra-se em vulnerabilidade e risco social”.
6. Juros e correção monetária conforme Manual de Cálculos da Justiça Federal, cujos parâmetros se harmonizam com a orientação que se extrai do julgamento do TEMA 905 STJ e 810 (STF).
7. Condeno o INSS a pagar honorários advocatícios fixados em 10% do valor da condenação, a incidirem sobre as prestações vencidas até a prolação da sentença (Súmula 111 do STJ).
8. Deferida a tutela provisória de urgência, nos termos do art. 300 do Código de Processo Civil. Deverá a implantação ocorrer no prazo de 30 dias (obrigação de fazer), por aplicação do art. 497 do CPC.
9. Apelação da parte autora provida para conceder o benefício prestação continuada, com termo inicial na data do ajuizamento da ação (17/11/2019).
A C Ó R D Ã O
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, à unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do voto do Relator.
Brasília (DF), (data da Sessão).
Desembargador Federal ANTÔNIO SCARPA
