
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
POLO PASSIVO:KAREN RODRIGUES PEREIRA
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: JOYCE CHRISTIANE LOURENCO - RO10638-A
RELATOR(A):ANTONIO OSWALDO SCARPA

PODER JUDICIÁRIO FEDERAL
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 26 - DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO SCARPA
PJE/TRF1-Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1004701-55.2024.4.01.9999
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
APELADO: KAREN RODRIGUES PEREIRA
RELATÓRIO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO SCARPA (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSS, em face de sentença que julgou procedente o pedido do benefício de amparo assistencial previsto na Lei nº 8.742/93, com pagamento das parcelas a partir da data do requerimento administrativo (14/09/2022), observando-se a prescrição quinquenal.
O INSS alega que a sentença deve ser reformada ao argumento de que não restou comprovada a deficiência da parte autora e a miserabilidade social, requisitos necessários à concessão do benefício.
Contrarrazões apresentadas.
É o relatório.

PODER JUDICIÁRIO FEDERAL
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 26 - DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO SCARPA
PJE/TRF1-Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1004701-55.2024.4.01.9999
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
APELADO: KAREN RODRIGUES PEREIRA
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO SCARPA (RELATOR):
O recurso reúne as condições de admissibilidade, merecendo ser conhecido.
O benefício de prestação continuada está previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, que garante o pagamento de um salário mínimo à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, nos termos da lei.
Cinge-se a controvérsia à verificação da deficiência da parte autora, além da miserabilidade social, necessários à concessão do benefício assistencial.
A Lei 8.742/1993, em seu art. 20, § 2º, na redação original dispunha que a pessoa com deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.
No entanto, mencionado dispositivo, em sua redação atual, dada pela Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), define, de forma mais ampla, pessoa com deficiência como aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
A Súmula n. 48 da TNU, em consonância com a nova redação da Lei 8.742/93, estabelece o seguinte: "Para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, o conceito de pessoa com deficiência, que não se confunde necessariamente com situação de incapacidade laborativa, exige a configuração de impedimento de longo prazo com duração mínima de 2 (dois) anos, a ser aferido no caso concreto, desde o início do impedimento até a data prevista para a sua cessação".
Cabe destacar que o art. 20, § 2º da LOAS não apresenta qualquer restrição quanto ao tipo de incapacidade, se parcial ou total, temporária ou definitiva. Esse é o entendimento firmado pelo STJ:
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. REVALORAÇÃO DE PROVAS. POSSIBILIDADE. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. A LOAS, EM SUA REDAÇÃO ORIGINAL, NÃO FEZ DISTINÇÃO QUANTO À NATUREZA DA INCAPACIDADE, SE PERMANENTE OU TEMPORÁRIA, TOTAL OU PARCIAL. ASSIM NÃO É POSSÍVEL AO INTÉRPRETE ACRESCER REQUISITOS NÃO PREVISTOS EM LEI PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. AGRAVO INTERNO DO INSS A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. O STJ tem entendimento consolidado de que a errônea valoração da prova permite a esta Corte Superior a revaloração dos critérios jurídicos utilizados pelo Tribunal de origem na apreciação dos fatos incontroversos. 2. A Constituição Federal/1988 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. 3. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/1993, em seu art. 20, § 2o., em sua redação original dispunha que a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho. 4. Em sua redação atual, dada pela Lei 13.146/2015, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. 5. Verifica-se que em nenhuma de suas edições a Lei impôs como requisito ao benefício assistencial a incapacidade absoluta. 6. Não cabe ao intérprete a imposição de requisitos mais rígidos do que aqueles previstos na legislação para a concessão do benefício. 7. Agravo Interno do INSS a que se nega provimento. (Relator: Napoleão Nunes Maia Filho, STJ - SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Primeira Turma, AINTARESP - AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – 1263382, 2018.00.60293-2, data da publicação: 19/12/2018)
O INSS alega que não restou demonstrada a deficiência e miserabilidade social, argumento que não merece prosperar.
Com efeito, o médico perito, no exame médico realizado em 30/03/2023 atestou que a parte autora possui Retardo Mental (CID 10: F79) e Esquizofrenia (CID 10: F20), com incapacidade total e permanente para atividades laborais, com dependência total de terceiros no que se refere às questões de gestão de sua vida administrativa e financeira. (id. 406346134 - Pág. 187)
Destaca-se que não há que se falar em incapacidade laborativa, visto que a espécie do benefício pleiteado não está condicionada a isto, mas à averiguação de impedimento de sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com outras pessoas, conforme artigo supramencionado.
A perícia social realizada em 05/05/2023 esclareceu que a parte autora reside com o genitor. A renda familiar deriva do labor do último como serviços gerais rurais, percebendo o valor de R$ 1.300,00 mensais. A residência do grupo familiar é própria, construída em madeira, paredes revestidas de tinta, teto sem forro, medindo aproximadamente 50 m2 de área, necessitando de reformas, contém 5 módulos, 2 quartos, 1 sala, 1 cozinha, 1 banheiro e 1 área de serviço externa. Por fim, concluiu favoravelmente pela concessão do benefício assistencial, nos seguintes termos: “A requerente vive em situação de vulnerabilidade/miserabilidade social, faz jus ao benefício, ora requerido, o quadro de saúde mental é definitivo, não existe hipótese de melhoras”. (id. 406346134 - Pág. 201)
Acerca da renda familiar per capita, o Plenário do STF, ao julgar a ADIN n. 1.232-1/DF, concluiu que embora a lei tenha estabelecido hipótese objetiva de aferição da miserabilidade, o legislador não excluiu outras formas de verificação de tal condição, ainda que a renda familiar per capita ultrapasse ¼ do salário mínimo, devendo o julgador avaliar a vulnerabilidade social de acordo com o caso concreto.
Logo, a vulnerabilidade social deve ser aferida pelo julgador na análise do caso concreto, de modo que o critério objetivo fixado em lei deve ser considerado como um norte, podendo o julgador considerar outros fatores que viabilizem a constatação da hipossuficiência do requerente.
Importante consignar que fora dos requisitos objetivos previstos em lei, a comprovação da miserabilidade deverá ser viabilizada pela parte requerente, a qual incumbe apresentar meios capazes de incutir no julgador a convicção de sua vulnerabilidade social.
Considerando o entendimento jurisprudencial consolidado no sentido de que podem ser utilizados outros elementos probatórios para aferição da capacidade da família de prover suas necessidades básicas e os fatos narrados e comprovados pelos documentos anexados à exordial, resta comprovada a situação de vulnerabilidade social da parte autora , notadamente quando se verifica que a renda familiar per capita não ultrapassa ½ salário mínimo à época do laudo social.
Dessa forma, estando comprovados os requisitos legais para a concessão do benefício de prestação continuada, a manutenção da sentença é medida que se impõe.
Cabe ressaltar que há possibilidade de revisão administrativa do benefício assistencial a cada 02 (dois) anos, a fim de avaliar a continuidade das condições que ensejaram a concessão do benefício, conforme preceitua o artigo 21, da Lei 8.742/1993.
Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação interposta pelo INSS.
Juros e correção monetária conforme Manual de Cálculos da Justiça Federal, cujos parâmetros se harmonizam com a orientação que se extrai do julgamento do TEMA 905 (STJ) e 810 (STF).
Acrescenta-se, ainda, que, de acordo com precedente do STJ (RESP 201700158919, Relator Min. Herman Benjamin, STJ, segunda turma, Dje 24/04/2017), a matéria relativa a juros e correção monetária é de ordem pública e cognoscível, portanto, de ofício, ficando afastada a tese de reformatio in pejus, bem como restando prejudicado o recurso, nesse ponto.
Mantenho os honorários advocatícios arbitrados na sentença, acrescidos de 1% (um por cento), nos termos do art. 85, §11, do CPC, a incidirem sobre as prestações vencidas até a sentença (súmula 111 do STJ).
É o voto.
Desembargador Federal ANTÔNIO SCARPA
Relator

PODER JUDICIÁRIO FEDERAL
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 26 - DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO SCARPA
PJE/TRF1-Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1004701-55.2024.4.01.9999
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
APELADO: KAREN RODRIGUES PEREIRA
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 20 DA LEI 8.742/93. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. RECURSO DO INSS. VERIFICAÇÃO DA CONDIÇÃO DE DEFICIÊNCIA E MISERABILIDADE SOCIAL. COMPROVAÇÃO DOS REQUISITOS. SENTENÇA MANTIDA.
1. O benefício de prestação continuada está previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, que garante o pagamento de um salário mínimo à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, nos termos da lei.
2. Cinge-se a controvérsia em verificar a deficiência da parte autora, com a existência do impedimento de longo prazo, além da miserabilidade social, necessários à concessão do benefício assistencial.
3. A Lei 8.742/1993, em seu art. 20, § 2º, na redação original dispunha que a pessoa com deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.
4. No entanto, mencionado dispositivo, em sua redação atual, dada pela Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), define, de forma mais ampla, pessoa com deficiência como aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
5. O médico perito, no exame médico realizado em 30/03/2023 atestou que a parte autora possui Retardo Mental (CID 10: F79) e Esquizofrenia (CID 10: F20), com incapacidade total e permanente para atividades laborais, com dependência total de terceiros no que se refere às questões de gestão de sua vida administrativa e financeira. (id. 406346134 - Pág. 187)
6. Destaca-se que não há que se falar em incapacidade laborativa, uma vez que a espécie do benefício pleiteado não está condicionada a isto, mas à averiguação de impedimento de sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com outras pessoas, conforme artigo supramencionado.
7. No que toca a renda familiar per capita, o Plenário do STF, ao julgar a ADIN n. 1.232-1/DF, concluiu que embora a lei tenha estabelecido hipótese objetiva de aferição da miserabilidade, o legislador não excluiu outras formas de verificação de tal condição, ainda que a renda familiar per capita ultrapasse ¼ do salário mínimo, devendo o julgador avaliar a vulnerabilidade social de acordo com o caso concreto.
8. Considerando o entendimento jurisprudencial consolidado no sentido de que podem ser utilizados outros elementos probatórios para aferição da capacidade da família de prover suas necessidades básicas e os fatos narrados e comprovados pelos documentos anexados à exordial e laudo socioeconômico favorável, restou comprovada a situação de vulnerabilidade social da parte autora.
9. Juros e correção monetária conforme Manual de Cálculos da Justiça Federal, cujos parâmetros se harmonizam com a orientação que se extrai do julgamento do TEMA 905 (STJ) e 810 (STF).
11. Mantidos os honorários fixados na sentença, acrescidos de 1% (um por cento) a título de honorários recursais, nos termos do art. 85, §11, do CPC, a incidirem sobre as prestações vencidas até a sentença (súmula 111 do STJ).
12. Apelação do INSS a que se nega provimento.
A C Ó R D Ã O
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, à unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator.
Brasília (DF), (data da Sessão).
Desembargador Federal ANTÔNIO SCARPA
