
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:BRAULIO LAUDELINO DA SILVA
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: ELEOMAR RENE BLOCHER - MT17865-A
RELATOR(A):NILZA MARIA COSTA DOS REIS

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
APELAÇÃO CÍVEL (198)1015179-93.2022.4.01.9999
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS (RELATORA):
Trata-se de apelação interposta pelo INSS, de sentença na qual foi julgado procedente o pedido de concessão de benefício assistencial à pessoa idosa, a contar da cessação, em 05/04/2021 (fls. 176/180)¹.
Nas suas razões, a autarquia previdenciária pugna pela reforma da sentença para que seja julgado improcedente o pedido inicial, diante da ausência de atendimento da situação de miserabilidade. (fls. 184/186).
Foram apresentadas contrarrazões (fls. 189/198).
É o relatório.
¹Os números de folhas indicados referem-se à rolagem única, ordem crescente.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
VOTO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS (RELATORA):
O recurso reúne os requisitos de admissibilidade, merecendo ser conhecido.
Mérito
Nos termos do art. 203, inciso V, da Constituição Federal, e da lei n. 8.742/93, é assegurado o benefício de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e à idosa que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, independente de contribuição à seguridade social.
Os requisitos para a concessão do benefício de prestação continuada estão elencados no art. 20 da Lei n. 8.742/93, quais sejam: a) ser pessoa com deficiência ou idoso com 65 anos de idade ou mais; b) não receber benefício no âmbito da seguridade social ou de outro regime e c) ter renda mensal familiar per capita igual ou inferior a ¼ do salário mínimo (requisito para aferição da miserabilidade).
Da situação existencial de miserabilidade
Em relação ao estado de miserabilidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos RE’s n. 567.985 e n. 580.963 e da Reclamação n. 4.374, decidiu que o parâmetro da renda mensal familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo não é mais adequado para a aferição da situação de miserabilidade da pessoa idosa ou deficiente, razão pela qual declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93.
O Superior Tribunal de Justiça, de sua vez, quando do julgamento de Recurso Especial 1112557/MG, submetido ao rito de Recurso Repetitivo, pronunciou-se da seguinte forma:
“RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. ACF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente a o cidadão social e economicamente vulnerável.
5. Alimitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido.”
(REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009)
Ressalte-se, ainda, que se tem utilizado como parâmetro razoável a renda per capita de ½ (meio) salário mínimo, estabelecida em legislações posteriores à LOAS, como a Lei n. 10.689/2003 (PNAA) e o Decreto n. 11.016/2022, referente ao Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal.
Nesse sentido, considerando o entendimento jurisprudencial atual, a situação existencial de vulnerabilidade social deve ser avaliada de acordo com o caso concreto, segundo fatores que possibilitem a constatação, ou não, da hipossuficiência do requerente, evidenciando, assim, que o critério objetivo legal é apenas uma referência.
Do caso concreto
A parte autora, nascida em 26/03/1943, completou 65 (sessenta e cinco) anos de idade no ano de 2008. Portanto, cumpriu o requisito etário para a concessão do benefício assistencial legalmente assegurado à pessoa idosa.
Não obstante, o implemento do benefício assistencial exige também a verificação da condição existencial de miserabilidade do núcleo familiar.
O estudo socioeconômico (fls. 62/67) constatou que o requerente reside em um cômodo alugado, na residência de propriedade da senhora Elíria Trindade Lupp (73 anos de idade), sendo, portanto, sua inquilina. Além disso, o autor é viúvo e possui 16 (dezesseis) filhos, todos maiores e residentes no Estado de Santa Catarina, porém nenhum deles lhe presta auxílio.
De acordo com o estudo, o autor trabalha esporadicamente, consertando ou reformando fogões e, quando não consegue dinheiro, depende da senhora Elíria e de sua família (filha, genro e neta de Elíria) para sobreviver. O cômodo que ocupa é alugado por R$ 450,00 (quatrocentos e cinquenta reais) e os seu gastos com alimentação e medicamentos totalizam R$ 490,00 (quatrocentos e noventa reais).
Constatou-se, por fim, que a renda da família da senhora Elíria é apenas a sua aposentadoria, no valor de R$ 1.100,00 (mil e cem reais).
Nessa seara, pelo estudo social realizado e acostado nos autos, constata-se que o requerente se encontra em situação de vulnerabilidade social, pois o seu núcleo familiar sobrevive apenas com o valor da aposentadoria de Elíria, sua locadora.
Quanto à alegação do INSS no sentido de que Elíria seria esposa do requerente e que recebe 2 (dois) benefícios, evidenciando, assim, a impossibilidade de menção ao seu estado de miserabilidade, verifico que o autor nega o fato de ser companheiro de Elíria e afirma ser apenas o seu inquilino. No entanto, ressalto que, ainda que se considerasse Elíria como companheira do autor, um dos benefícios previdenciários no valor de um salário mínimo, que aufere, deve ser excluído da renda familiar, conforme previsão do art. 20, §14°, da Lei 8.742/93, in verbis:
§ 14. O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo
Assim, restando apenas a renda de um dos benefícios previdenciários de Elíria e considerando um núcleo familiar composto por 5 (cinco) pessoa, revela-se evidente que a parte requerente se encontra em situação de vulnerabilidade, não possuindo meios de prover, por si mesmo, a sua subsistência ou de tê-la provida por integrantes da sua família.
No que se refere à carreta existente em nome do autor, verifico que no laudo social não consta qualquer menção a esse bem, nem restou comprovado que se trata de veículo de alto valor, como alegado pela autarquia previdenciária em recurso, tendo o autor informado tratar-se de carreta de engate, utilizada no seu serviço de manutenção de fogões.
Logo, por ser pessoa idosa e em situação de vulnerabilidade social constatada pelo estudo social, o requerente atende aos requisitos para a concessão do benefício assistencial, nos termos do art. 20 da Lei n. 8.742/93.
Assim, a insurgência do INSS contra a sentença que deferiu o benefício assistencial não pode prosperar, restando comprovados, portanto, a situação de miserabilidade e o preenchimento dos requisitos para a concessão do benefício assistencial, nos termos do art. 20 da Lei n. 8.742/93.
Vale ressaltar que o art. 21 da Lei 8.742/93 estabelece que o benefício deve ser revisto a cada 2 (dois) anos para a avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem, cessando no momento em que estas forem superadas:
Art. 21. O benefício de prestação continuada deve ser revisto a cada 2 (dois) anos para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem.
Assim, sendo apurada, posteriormente, a alteração das condições fáticas que ensejaram a concessão do benefício, este deve ser revisto pela Autarquia.
Ante o exposto, nego provimento à apelação interposta pelo INSS.
Os honorários advocatícios recursais ficam fixados em 1% sobre o valor da condenação.
É como voto.
Brasília, data da assinatura eletrônica.
Desembargadora Federal NILZA REIS
Relatora

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
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APELAÇÃO CÍVEL (198)1015179-93.2022.4.01.9999
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
BRAULIO LAUDELINO DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: ELEOMAR RENE BLOCHER - MT17865-A
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. IDOSO. LAUDO SOCIAL QUE ATESTOU A SITUAÇÃO EXISTENCIAL DE MISERABILIDADE. CABIMENTO. APLICAÇÃO DO ART. 20, CAPUT E PARÁGRAFO 1° DA LEI 8.742/93. SENTENÇA MANTIDA.
1. Os requisitos para a concessão do benefício de prestação continuada encontram-se elencados no art. 20 da Lei n. 8.742/93, quais sejam: a) ser pessoa com deficiência ou idoso com 65 anos ou mais; b) não receber benefício no âmbito da seguridade social ou de outro regime e c) ter renda mensal familiar per capita igual ou inferior a ¼ do salário mínimo (requisito para aferição da miserabilidade).
2. Em relação ao estado de miserabilidade, o Plenário do STF, no julgamento dos RE’s n. 567.985 e n. 580.963 e da Reclamação n. 4.374, entendeu que o parâmetro da renda mensal familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo não é o mais adequado para aferir a situação existencial de miserabilidade do idoso ou do deficiente, razão pela qual declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93.
3. Utiliza-se como parâmetro razoável a renda per capita de ½ (meio) salário mínimo, estabelecida em legislações posteriores à LOAS, como a Lei n. 10.689/2003 (PNAA) e o Decreto n. 11.016/2022, referente ao Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal.
4. Considerando o entendimento jurisprudencial atual, a situação existencial de vulnerabilidade social deve ser avaliada de acordo com o caso concreto, segundo fatores que possibilitem constatar a hipossuficiência, ou não, da parte autora, razão pela qual o critério objetivo legal serve apenas como uma referência.
5. No caso, por ser pessoa idosa, submetida à situação de vulnerabilidade social, constatada pelo estudo social, o requerente atende aos requisitos para a concessão do benefício assistencial, nos termos do art. 20 da Lei n. 8.742/93.
6. Apelação do INSS a que se nega provimento.
ACÓRDÃO
Decide a nona Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do voto da Relatora.
Brasília, data da assinatura eletrônica.
Desembargadora Federal NILZA REIS Relatora
