
POLO ATIVO: MICAELE GOMES SANTOS
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: KAREM ALINE DE CARVALHO ISIDORO - PI4568-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR(A):ANTONIO OSWALDO SCARPA
PODER JUDICIÁRIO FEDERAL
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 26 - DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO SCARPA
PJE/TRF1-Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1000159-14.2022.4.01.4001
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
APELANTE: MICAELE GOMES SANTOS
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO SCARPA (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pela impetrante de sentença que denegou a segurança, em que se buscava o restabelecimento de benefício assistencial; sem condenação em honorários advocatícios (art. 25 da Lei 12.016/2009) e sem condenação em custas processuais.
Nas razões da apelação a impetrante alega que a sentença deve ser reformada em virtude da comprovação de violação constitucional do contraditório e ampla defesa, em ato de suspensão do benefício assistencial de titularidade da recorrente, pessoa portadora de deficiência.
O Ministério Público Federal manifestou-se pela concessão da segurança.
Não foram apresentadas as contrarrazões.
É o breve relatório.
PODER JUDICIÁRIO FEDERAL
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 26 - DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO SCARPA
PJE/TRF1-Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1000159-14.2022.4.01.4001
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
APELANTE: MICAELE GOMES SANTOS
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO SCARPA (RELATOR):
O recurso reúne as condições de admissibilidade, merecendo ser conhecido.
O benefício de prestação continuada está previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, que garante o pagamento de um salário mínimo à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, nos termos da lei.
No caso dos autos, o juízo a quo denegou a segurança e julgou extinto o processo com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil.
Nas razões da apelação a impetrante alega que a sentença deve ser reformada para que seja restabelecido o benefício assistencial, haja vista a comprovação de violação constitucional do contraditório e ampla defesa, em ato de suspensão do benefício assistencial de titularidade da recorrente, pessoa portadora de deficiência.
A Lei que rege o benefício de prestação continuada no artigo 20 § 14 estabelece o que se segue. “O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo.” (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020) (grifos nossos).
Conforme consta nos autos, a impetrante recebia benefício assistencial ao deficiente (NB 537.350.251-7) desde 16/09/2009. Posteriormente, no período de 01/10/2017 a 31/12/2019, em decorrência do vínculo empregatício do irmão (MARCOSVENICIO GOMES SANTOS) da impetrante, a autarquia previdenciária verificou a superação dos requisitos para a manutenção do benefício, suspendo o pagamento do benefício. Todavia, a impetrante alega não ter sido foi notificada para apresentar defesa.
Segundo consta dos autos, a autarquia enviou um ofício ao endereço da impetrante que consta no cadastro do INSS de seu benefício, qual seja: POVOADO ESTEVAO SN, SAO JOAO DA CANABRAVA, ZONA RURAL. Todavia, o ofício foi devolvido ao remetente por tratar-se de endereço de Zona rural. Em conformidade com o inciso IV do parágrafo 2º do art. 69 da Lei 8.212/91 e art. 26 da Lei 9.784/99, a impetrante (titular do benefício), foi convocada, por meio de sua representante legal, para tomar ciência da apuração através de edital de notificação publicado no Diário Oficial da União publicado em 29/07/2021. Em virtude da ausência de defesa, o benefício foi suspenso em 01/11/2021.
Compulsando os autos verifico que o endereço do irmão da impetrante (Marcovenicio Gomes Santos) CNIS (ID255032535, fl.17/32) é diverso daquele para o qual fora enviado a notificação da impetrante.
Portanto, vê-se que a Administração se valeu do CNIS para averiguar a regularidade do benefício, mas não o fez para assegurar a ampla defesa administrativa. Nessa trilha, reputa-se que a suspensão do benefício não observou o devido processo administrativo.
Conquanto seja certo que a Administração Pública tem o poder-dever de rever os seus próprios atos quando eivados de vícios, em observância ao princípio da legalidade, do qual deriva a autotutela administrativa, é também indubitável que a Carta Magna de igual modo assegura a observância, inclusive no processo administrativo, aos corolários de "contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (CR, art. 5º, LV).
Sob essa perspectiva, sabe-se que para exercer o direito de defesa, o interessado deve, primeiramente, ser notificado/intimado para ter ciência dos termos do processo, sendo que a notificação por edital apenas deve ser utilizada como último expediente, o que não foi o caso, já que a Administração tinha acesso a outro endereço em cadastro por ela acessível.
Portanto, havendo outro endereço disponível para notificação (informação, inclusive, de livre consulta no próprio processo administrativo), tem-se que a citação por edital é nula. Nesse sentido, cita-se jurisprudência do STJ:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL ADMINISTRATIVO. PROCESSO DE REVISÃO DE ANISTIA DE MILITAR. CABO DA AERONÁUTICA. MANDADO DE SEGURANÇA. ENUNCIADO APROVADO PELO STF EM REGIME DE REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 839. NOTIFICAÇÃO POR EDITAL. PREJUÍZO AO EXERCÍCIO DA AMPLA DEFESA. NULIDADE RECONHECIDA. ORDEM CONCEDIDA. RESTABELECIMENTO DA CONDIÇÃO DE ANISTIADO DO EX-MILITAR. (...) 4. A validade do processo administrativo é constitucionalmente vinculada à rigorosa observação do princípio da ampla defesa "com os meios e recursos a ela inerentes". Inteligência do disposto no art. 5º, LV, da Carta Republicana. Ao disciplinar, no âmbito do processo administrativo, a incidência do princípio da ampla defesa e "dos meios e recursos a ela inerentes", o legislador ordinário positivou parâmetros mais precisos, cuidadosamente descritos no art. 2º, parágrafo único, da Lei do Processo Administrativo Federal – LPA (Lei n. 9.784/1999), os quais não foram fixados para conveniência, ou dos administrados, razão pela qual a notificação que não chega ao conhecimento do cidadão intimado não cumpre, em linha de princípio, a sua função constitucionalmente prevista. Assim, a intimação por via postal sópode ser tida como meio idôneo se alcançar o fim a que se destina: dar, ao interessado, inequívoca ciência da decisão ou da efetivação de diligências (Lei n. 9.784/199, art. 26). 5. Nas hipóteses em que a tentativa de entrega da notificação pelos Correios é frustrada, cabe à Administração buscar outro meio idôneo para provar, nos autos, "a certeza da ciência do interessado", reservando-se a publicação oficial, nos termos da lei, tão somente às hipóteses de: a) interessado indeterminado; b) interessado desconhecido; ou c) interessado com domicílio indefinido. 6. Ordem concedida para anular a notificação feita por edital, bem como todos os atos que lhe seguiram nos autos do processo administrativo correspondente. (STJ – MS:27227 DF 2021/0000965-0, Relator: Ministro SÉRGIO KUKINA, Data de Julgamento: 27/10/2021, S1 – PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 09/11/2021).
Ademais, é importante pontuar que, antes mesmo do esgotamento do grau recursal, a autoridade coatora suspendeu o pagamento do benefício da impetrante, posto que, no ID 255032536, fl.3/3, já se comunica que vencido o prazo para informações, deu-se a suspensão, sem que antes fosse facultada a interposição de recurso dessa decisão: “8- Destacamos que o benefício em referência encontra-se suspenso, sendo oportunizado a interposição de recurso administrativo para a beneficiária”.
Portanto, também sob essa perspectiva, tem-se desrespeito aos pressupostos constitucionais alhures destacados, repita-se, “contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Nesse ponto, precedentes do Superior Tribunal de Justiça:
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SUSPENSÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. CANCELAMENTO OCORRIDO ANTES DA INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ADMINISTRATIVO. NECESSIDADE DE ESGOTAMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA. AGRAVO REGIMENTAL DO INSS DESPROVIDO.1. Levando-se em conta o caráter social das normas previdenciárias, que prima pela proteção do Trabalhador Segurado da Previdência Social, os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido de amparar a parte hipossuficiente e que, por esse motivo, possui proteção legal que lhe garante a flexibilização dos rígidos institutos processuais, especialmente em casos, como o discutido nos autos, em que busca-se o restabelecimento de benefício de aposentadoria. 2. É firme o entendimento desta Corte de que a suspensão ou cancelamento de benefício previdenciário concedido mediante fraude pressupõe, necessariamente, prévio e regular procedimento administrativo, no qual seja assegurado ao beneficiário o direito à defesa, ao contraditório e ao devido processo legal. 3. No presente caso, embora o INSS tenha instaurado regular procedimento administrativo para a apuração das irregularidades, o benefício foi suspenso antes mesmo que iniciasse a contagem de prazo para recurso do segurado, o que contraria a jurisprudência desta Corte consolidada ao afirmar que para que sejam respeitados os consectários do contraditório e da ampla defesa não basta a concessão de prazo para a defesa, mas também que seja garantido ao segurado a resposta sobre eventual recurso interposto, exigindo-se o esgotamento da via administrativa. Precedentes: RESP. 1.323.209/MG, REL. P/ACÓRDÃO, MIN. SÉRGIO KUKINA, DJE 15.4.2014, AGRG NO ARESP 42.574/RR, 2T, REL. MIN. OG FERNANDES, DJE 13.11.2013, AGRG NO ARESP 92.215/AL, 5T, REL. MIN. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, DJE 29.5.2013.4. Agravo Regimental do INSS desprovido.(AgRg no REsp 1373645/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12/05/2015, DJe 21/05/2015).
Por fim, verifica-se acostado nos autos atestado médico, emitido em 08/12/21, demonstrando que a impetrante é portadora de retardo mental moderado ( CID F-71.8), ID 255032542, fl.1/8.
Pelo exposto, houve mesmo irregularidade procedimental na suspensão do benefício da impetrante (NB º 87/537.350.251-7), pois o ato não parece ter sido precedido da devida comunicação da representante legal do beneficiário, algo que só ocorreu por via do Edital de Notificação publicado DOU em 29/07/2021.
Nesse sentido, o benefício previdenciário deve ser restabelecido, uma vez que foi cessado, ao menos sob o aspecto formal, indevidamente.
Ante o exposto, dou provimento à apelação da parte autora, para, concedendo a ordem, determinar o restabelecimento do benefício assistencial, no prazo de 30 dias, nos termos em que postulado.
Honorários incabíveis.
É como voto.
Desembargador Federal ANTÔNIO SCARPA
Relator
PODER JUDICIÁRIO FEDERAL
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 26 - DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO SCARPA
PJE/TRF1-Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1000159-14.2022.4.01.4001
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
APELANTE: MICAELE GOMES SANTOS
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL- LOAS. MANDADO DE SEGURANÇA. CESSAÇÃO INDEVIDA DO BENEFÍCIO. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO OU NOTIFICAÇÃO DO BENEFICIÁRIO. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. DIREITO VIOLADO. RESTABELECIMENTO. RECURSO PROVIDO.
1. Trata-se de recurso de apelação interposto pela impetrante contra sentença, proferida em mandado de segurança que extinguiu o processo sem resolução do mérito, sob o fundamento de necessidade de dilação probatória.
2. Constando nos autos os elementos de fato e de direito que permitem o exame da causa, na forma do previsto art. 1.013, §§ 1º e 3º do CPC, examino o mérito da ação.
3. Em suas razões recursais, afirma que buscou liminarmente, pela via mandamental, que o benefício fosse restabelecido até que seja julgada a apuração de suposta irregularidade, em razão da nulidade do processo administrativo, que violou o direito líquido e certo de exercício do contraditório e da ampla defesa.
4. Vê-se que a Administração se valeu do CNIS para averiguar a regularidade do benefício, mas não o fez para assegurar a ampla defesa administrativa. Nessa trilha, reputa-se que a suspensão do benefício não observou o devido processo administrativo
5. Resta caracterizada a abusividade do ato coator ao restringir a percepção de benefício pelo impetrante sem que ao menos lhe fosse concedida a oportunidade para apresentar defesa, restando violado o seu direito líquido e certo ao exercício do contraditório e ampla defesa na seara administrativa.
6 Apelação da impetrante provida, para, concedendo a ordem, determinar o restabelecimento do benefício assistencial, no prazo de 30 dias.
7. Sem honorários, na forma da Lei.
A C Ó R D Ã O
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, à unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator.
Brasília (DF), (data da Sessão).
Desembargador Federal ANTÔNIO SCARPA