
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:MARIA NEUZA CAMARGO
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: CLAUDIO LEME ANTONIO - MT12613-A
RELATOR(A):NILZA MARIA COSTA DOS REIS

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
APELAÇÃO CÍVEL (198)1017339-96.2019.4.01.9999
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS (RELATORA):
Trata-se de apelação interposta pelo INSS de sentença na qual foi julgado procedente o pedido de concessão do benefício de amparo social ao deficiente, no valor de um salário mínimo, com termo inicial em 04/05/2009. Foi determinada, ainda, quanto à atualização dos valores atrasados, a incidência do INPC e de juros conforme o art. 1°-F da Lei 9.494/97 (fls. 237/247).¹
Nas suas razões, o INSS pugna pela reforma integral da sentença, pelo fato de a parte autora residir com seu filho e o companheiro, os quais são aptos para trabalhar e auferem renda de R$1.677,00 (mil seiscentos e setenta e sete reais). Aduz que a renda per capita é superior a ¼ do salário mínimo. Pugna pela improcedência do pedido. Subsidiariamente, requer a aplicação da Lei 11.960/2009 no tocante aos juros e à correção monetária (fls. 291/297).
Em suas contrarrazões, a parte autora requer preliminarmente o não recebimento da apelação, em razão da não qualificação da parte recorrida (fls. 308/317).
É o relatório.
¹O número de folhas refere-se à rolagem única, em ordem crescente.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
VOTO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS (RELATORA):
O recurso reúne os requisitos de admissibilidade, merecendo ser conhecido.
Friso que a ausência de qualificação das partes não importa inadmissibilidade do recurso, quando tais informações já se encontram devidamente descrita nos autos, como no caso em questão. Logo, deixo de acolher a preliminar suscitada nas contrarrazões.
DO MÉRITO
Do benefício assistencial ao deficiente
No termos do art. 203, inciso V, da Constituição Federal, e da Lei n. 8.742/93, é assegurado o benefício de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso, que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, independente de contribuição à seguridade social.
Os requisitos para a concessão do benefício de prestação continuada encontram-se elencados no art. 20 da Lei n. 8.742/93, quais sejam: a) ser pessoa com deficiência ou idoso com 65 anos ou mais; b) não receber benefício no âmbito da seguridade social ou de outro regime e c) ter renda mensal familiar per capita igual ou inferior a ¼ do salário mínimo (requisito para aferição da miserabilidade).
Do critério da miserabilidade
Em relação ao critério da miserabilidade, o Plenário do STF, no julgamento dos RE’s n. 567.985 e n. 580.963 e da Reclamação n. 4.374, entendeu que o parâmetro da renda mensal familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo não é mais adequado para aferir a situação de miserabilidade do idoso ou do deficiente, razão pela qual declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93.
O Superior Tribunal de Justiça, de sua vez, quando do julgamento de Recurso Especial 1112557/MG, submetido ao rito de Recurso Repetitivo pronunciou-se da seguinte forma:
“RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente a o cidadão social e economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. “Recurso Especial provido.”
(REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009)
Ressalta-se, ainda, que se tem utilizado como parâmetro razoável a renda per capita de ½ (meio) salário mínimo, estabelecida em legislações posteriores à LOAS, como a Lei n. 10.689/2003 (PNAA) e o Decreto n. 11.016/2022, referente ao Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal.
Nesse sentido, considerando o entendimento jurisprudencial atual, a vulnerabilidade social deve ser avaliada de acordo com o caso concreto, segundo fatores que possibilitem constatar a hipossuficiência do requerente, sendo o critério objetivo legal apenas uma referência.
Da deficiência
Considera-se deficiente a pessoa que apresenta impedimentos de longo prazo (mínimo de dois anos), de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, inviabilizam sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (§§ 2º e 10 do art. 20 da Lei 8.742/93).
A deficiência e o grau do impedimento devem ser aferidos mediante avaliação médica e avaliação social, realizadas por médicos peritos e assistentes sociais do INSS, nos termos do § 6º do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social.
O caso concreto
Insurge-se a parte recorrente (INSS) contra a sentença que julgou procedente o pedido de concessão do benefício assistencial ao deficiente, alegando que a parte autora não estaria em situação de vulnerabilidade social.
Em relação à miserabilidade, consta no laudo social (fls. 135/137) a informação de que a autora reside com outras duas pessoas: seu companheiro e um filho. A renda da família advém do trabalho de ambos e do valor de R$ 77,00 (setenta e sete reais), relativo ao Bolsa Família, totalizando R$1.677,00 (mil, seiscentos e setenta e sete reais).
O estudo foi favorável à concessão do benefício, que seria necessário à contribuição para o sustento da família e para a aquisição da medicação diária utilizada pela requerente, que é portadora de Sequela de Hanseníase e de Sequela de Câncer de Pele.
Cabe anotar, ainda, que o entendimento jurisprudencial atual considera que a vulnerabilidade social deve ser avaliada de acordo com o caso concreto, segundo fatores que possibilitem constatar a hipossuficiência do beneficiário, sendo o critério objetivo legal apenas uma referência.
Nessa seara, pelo estudo social acostado aos autos, constata-se que a requerente se encontra em situação de vulnerabilidade social, pois não possui condições de exercer sua atividade laboral habitual, e seu núcleo familiar sobrevive com o valor de R$1.677,00, que, de sua vez, se mostra insuficiente para suprir todas as despesas básicas da residência e com a medicação para a parte autora.
Logo, a insurgência do INSS contra a sentença que deferiu o benefício assistencial não pode prosperar, restando comprovado, no caso em exame, o preenchimento dos requisitos para a concessão do benefício assistencial, nos termos do art. 20 da Lei n. 8.742/93.
Dos acessórios
No tocante à correção monetária e aos juros de mora incidentes sobre as parcelas vencidas, deverão ser aplicados os índices constantes do Manual de Cálculos da Justiça Federal, visto que este se encontra atualizado de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RE 870.947 - Tema 810) e do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.495.146/MG - Tema 905), bem como com a Emenda Constitucional n. 113/2021 (Resolução 784/2022 - CJF, de 08/08/2022, Anexo, itens “4.2” e “4.3”).
Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo (REsp 1.495.146/MG – Tema 905), decidiu que nas ações envolvendo matéria administrativa em geral ou referente a servidores públicos, deve ser aplicado o IPCA-E, e nas condenações de natureza previdenciária deve incidir o INPC, para correção monetária, desde a vigência da Lei n. 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei n. 8.213/1991, sendo que, no período anterior, devem incidir os índices previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal para os benefícios previdenciários (IGP-DI/IPC-R/IRSM/IPC/BTN, etc.).
No que se refere aos juros de mora incidentes sobre as condenações impostas à Fazenda Pública, o Supremo Tribunal Federal considerou constitucional a sua fixação segundo o índice oficial de remuneração da caderneta de poupança, a partir da vigência da Lei n. 11.960/2009, que deu nova redação ao disposto no art. 1º-F, da Lei n. 9.494/1997.
Por fim, após 8/12/2021, deverá incidir apenas a taxa SELIC para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação de mora, até o efetivo pagamento, tendo em vista o disposto no art. 3° da Emenda Constitucional n. 113/2021.
Importante ressaltar que o Manual de Cálculos da Justiça Federal já está harmonizado com a jurisprudência das Cortes Superiores.
Com esses fundamentos, nego provimento à apelação interposta pelo INSS. Altero os consectários, de ofício, nos termos da fundamentação supra.
Fixo os honorários advocatícios recursais, devidos pelo INSS, em quantia equivalente a 1% (um por cento) do valor da condenação.
É como voto.
Brasília, data da assinatura eletrônica.
DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS
RELATORA

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
131
APELAÇÃO CÍVEL (198)1017339-96.2019.4.01.9999
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
MARIA NEUZA CAMARGO
Advogado do(a) APELADO: CLAUDIO LEME ANTONIO - MT12613-A
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. CRITÉRIO DE MISERABILIDADE. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. CABIMENTO. INTELIGÊNCIA DO ART. 203, V, DA CF/88, E DO ART. 20 DA LEI 8.742/93 E DA JURISPRUDÊNCIA DO STF.
1. No termos do art. 203, inciso V, da Constituição Federal, e da Lei n. 8.742/93, é assegurado o benefício de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso, que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, independente de contribuição à seguridade social.
2. Os requisitos para a concessão do benefício de prestação continuada encontram-se elencados no art. 20 da Lei n. 8.742/93, quais sejam: a) ser pessoa com deficiência ou idoso com 65 anos ou mais; b) não receber benefício no âmbito da seguridade social ou de outro regime, e c) ter renda mensal familiar per capita igual ou inferior a ¼ do salário mínimo (requisito para aferição da miserabilidade).
3. Em relação ao critério da miserabilidade, o Plenário do STF, no julgamento dos RE’s n. 567.985 e n. 580.963 e da Reclamação n. 4.374, entendeu que o parâmetro da renda mensal familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo não é mais adequado para aferir a situação de miserabilidade do idoso ou do deficiente, razão pela qual declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93.
4. Hipótese em que o laudo social concluiu que a parte autora não possui condições de garantir o seu sustento e, portanto, vive em situação de miserabilidade.
5. As parcelas vencidas devem ser corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora mediante a utilização dos índices constantes do Manual de Cálculos da Justiça Federal, que se encontra atualizado de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RE 870.947 - Tema 810) e do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.495.146/MG - Tema 905), bem como com a Emenda Constitucional n. 113/2021 (Resolução 784/2022 - CJF, de 08/08/2022, Anexo, itens “4.2” e “4.3”).
6. Apelação interposta pelo INSS a que se nega provimento. Alteração dos consectários, de ofício, nos termos da fundamentação do voto.
ACÓRDÃO
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS, nos termos do voto da Relatora.
Brasília, data da assinatura eletrônica.
Desembargadora Federal NILZA REIS Relatora
