
POLO ATIVO: MARIA DA ANUNCIACAO
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: NAYRA NAZARE DA SILVA - GO40295-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR(A):NILZA MARIA COSTA DOS REIS
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
APELAÇÃO CÍVEL (198)1016688-59.2022.4.01.9999
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS (RELATORA):
Trata-se de apelação interposta pela parte autora de sentença na qual foi julgado improcedente o seu pedido de benefício assistencial, sob o fundamento de que não restou demonstrada a sua situação de vulnerabilidade social (fls. 114/117) ¹.
Em suas razões, a apelante pugna pela reforma da sentença a fim de que o seu pedido seja julgado procedente, sustentando haver demonstrado, satisfatoriamente, o implemento de todos os requisitos legalmente exigidos para a concessão do benefício (fls. 120/136).
Sem contrarrazões.
É o relatório.
¹ O Número de folhas refere-se à rolagem única em ordem crescente.
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
VOTO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS (RELATORA):
O recurso reúne os requisitos de admissibilidade, merecendo ser conhecido.
Do benefício assistencial ao deficiente
No termos do art. 203, inciso V e da lei nº 8.742/93 é assegurado o benefício de um salário mínimo mensal, independente de contribuição à seguridade social, à pessoa com deficiência e ao idoso, que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
Os requisitos para a concessão do benefício de prestação continuada encontram-se elencados no art. 20 da Lei nº 8.742/93, quais sejam: a) ser pessoa com deficiência ou idoso com 65 anos ou mais; b) não receber benefício no âmbito da seguridade social ou de outro regime e c) ter renda mensal familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo (requisito para aferição da miserabilidade).
Do critério de miserabilidade
Em relação ao critério de miserabilidade, o Plenário do STF, no julgamento dos RE’s n. 567.985 e n. 580.963 e da Reclamação n. 4.374, entendeu que o parâmetro da renda mensal familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo não é mais adequado para aferir a situação de miserabilidade do idoso ou do deficiente, razão pela qual declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93.
O Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento de Recurso Especial 1112447/MG, submetido ao rito de Recurso Repetitivo, pronunciou-se da seguinte forma:
“RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente a o cidadão social e economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido.”
(REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009)(negritei)
Utiliza-se como parâmetro razoável a renda per capita de ½ (meio) salário mínimo, estabelecida em legislações posteriores à LOAS, como a Lei nº 10.689/2003 (PNAA) e o Decreto n. 11.016/2022 referente ao Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal.
Nesse sentido, considerando o entendimento jurisprudencial atual, a vulnerabilidade social deve ser avaliada de acordo com o caso concreto, segundo fatores que possibilitem constatar a hipossuficiência do requerente, sendo o critério objetivo legal apenas uma referência.
Da deficiência
Considera-se deficiente a pessoa que apresenta impedimentos de longo prazo (mínimo de 2 anos), de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, inviabilizam sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (§ 2º do art. 20, da Lei 8.742/93).
A deficiência e o grau do impedimento devem ser aferidos mediante avaliação médica e avaliação social, realizadas por médicos peritos e assistentes sociais do INSS, nos termos do § 6º do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social.
Do caso concreto
No caso em análise, o laudo da perícia médica judicial realizada constatou que a parte autora, então contando 62 (sessenta e dois) anos de idade, apresenta “Diagnóstico de hérnia de disco da coluna cervical cid m50.0 diagnóstico hérnia de disco da coluna lombar cid m51.1 diagnóstico lesões nos calcâneos cid m77.”
De acordo com a conclusão do expert, a patologia ocasiona sua incapacidade total desde 03/11/2019.
Assim sendo, a parte autora se enquadra no conceito de deficiente, pois possui impedimento de longo prazo que inviabiliza sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
Em relação ao segundo requisito (miserabilidade), o laudo social demonstrou a existência de vulnerabilidade social (fls. 82/83).
Com efeito, a apelante reside com a filha, genro e neta, sendo a renda mensal familiar no importe de R$2030,00, proveniente do salário da primeira.
A família dispende, mensalmente, o valor de R$ 600,00 de aluguel, e, aproximadamente, R$250,00. Os moveis e eletrodomésticos que guarnecem o imóvel são simples e compatíveis com a situação de vulnerabilidade declarada. Também foi informado que recebem doação de cestas básicas e remédios dos membros da igreja à qual pertencem.
Conclui-se, desta forma, que a renda per capta do nucleo familiar é inferior a ½ salário mínimo.
Assim sendo, nos termos da jurisprudência atual e dos demais elementos de prova, considerando as condições pessoais da parte autora, restou comprovado o preenchimento dos requisitos para a concessão do benefício assistencial à pessoa com deficiência.
Quanto ao termo inicial do beneficio, o Superior Tribunal de Justiça possui o entendimento de que, como regra geral, deve ser estabelecido nadata do requerimento administrativo, e, na ausência deste, nadatada citação válida do INSS. Isso porque olaudopericialserve, tão somente, para nortear tecnicamente o convencimento do juízo quanto à existência daincapacidade para a concessão de benefício.
Portanto, o seu termo inicial deve ser fixado na data do requerimento administrativo, em 02/03/2020 (fl. 38), uma vez que restou comprovada a existência de incapacidade anteriormente a essa data.
Dos acessórios
As parcelas vencidas devem ser acrescidas de correção monetária e de juros moratórios, observado o que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal no RE 870.947 (tema 810) e pelo Superior Tribunal de Justiça ao julgar o REsp 1.495.146/MG (Tema 905). Ou seja, deve ser aplicado o IPCA-E para a correção monetária dos valores e quanto aos juros moratórios, nos o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com redação da Lei nº 11.960/09, até o dia 8/12/2021, depois do que passará a incidir apenas a taxa SELIC, nos termos do art. 3º da Emenda Constitucional - EC n.º 113/2021, até o efetivo pagamento.
Importante ressaltar que o Manual de Cálculos da Justiça Federal já está harmonizado com a jurisprudência das Cortes Superiores.
Ante o exposto, dou provimento à apelação interposta pela parte autora para condenar o INSS a implantar o benefício assistencial à pessoa com deficiência, no valor de um salário mínimo, desde a data do requerimento administrativo.
O pagamento das parcelas vencidas deve ser corrigido monetariamente e acrescido de juros de mora, de acordo com a fundamentação do voto, nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal.
Condeno, ainda, o INSS ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) do valor da condenação, consideradas as parcelas vencidas até a prolação do acórdão.
É como voto.
Brasília, data da assinatura eletrônica.
DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS
RELATORA
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
10APELAÇÃO CÍVEL (198)1016688-59.2022.4.01.9999
MARIA DA ANUNCIACAO
Advogado do(a) APELANTE: NAYRA NAZARE DA SILVA - GO40295-A
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. CABIMENTO. APLICAÇÃO DO ART. 20 DA LEI 8.742/93 E DA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS.
1. Os requisitos para a concessão do benefício de prestação continuada encontram-se elencados no art. 20 da Lei nº 8.742/93, quais sejam: a) ser pessoa com deficiência ou idoso com 65 anos ou mais; b) não receber benefício no âmbito da seguridade social ou de outro regime e c) ter renda mensal familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo (requisito para aferição da miserabilidade).
2. Comprovado pelo laudo social e pela perícia médica judicial que a parte requerente preenche os requisitos legalmente exigidos (vulnerabilidade social e deficiência) para a concessão do benefício assistencial, este é devido desde a data do requerimento administrativo.
3. Apelação interposta pela parte autora a que se dá provimento para condenar o INSS a implantar o benefício assistencial à pessoa com deficiência, no valor de um salário mínimo, desde o requerimento administrativo.
ACÓRDÃO
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do voto da Relatora.
Brasília, data da assinatura eletrônica.
Desembargadora Federal NILZA REIS Relatora