
POLO ATIVO: NILTON CESAR MARTINS
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: FABIANA TIRABOSCHI CARVALHO - GO33516-A, KATIA REGINA DO PRADO FARIA - GO14845-A e PALOMA AYRES DA SILVA - GO46918-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
RELATOR(A):NILZA MARIA COSTA DOS REIS

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
APELAÇÃO CÍVEL (198)0001392-66.2017.4.01.3507
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS (RELATORA):
Trata-se de apelação interposta pela parte autora de sentença na qual foi julgado improcedente o pedido inicial de concessão do benefício assistencial à pessoa com deficiência, sob o fundamento de que não restou demonstrada a situação de vulnerabilidade social (fls. 96/110).¹
Em suas razões, o apelante pugna pela reforma da sentença a fim de que lhe seja concedido o benefício assistencial pleiteado, alegando haver demonstrado, satisfatoriamente, todos os requisitos necessários para tanto. Sustenta que a renda de um salário mínimo de pessoa idosa acima de 65 anos não deve ser considerada na renda per capita (fls. 113/137).
Sem contrarrazões.
É o relatório.
¹Número de folhas refere-se à rolagem única em ordem crescente.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
VOTO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS (RELATORA):
O recurso reúne os requisitos de admissibilidade, merecendo ser conhecido.
Mérito
Do benefício assistencial ao deficiente
No termos do art. 203, inciso V, da Constituição Federal, e da Lei n. 8.742/93, é assegurado à pessoa com deficiência e ao idoso, que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, o benefício de um salário mínimo mensal, independente de contribuição à seguridade social.
Os requisitos para a concessão do benefício de prestação continuada encontram-se elencados no art. 20 da Lei n. 8.742/93, quais sejam: a) ser pessoa com deficiência ou idoso com 65 anos ou mais; b) não receber benefício no âmbito da seguridade social ou de outro regime e c) ter renda mensal familiar per capita igual ou inferior a ¼ do salário mínimo (requisito para aferição da miserabilidade).
Do critério da miserabilidade
Em relação ao critério da miserabilidade, o Plenário do STF, no julgamento dos RE’s n. 567.985 e n. 580.963 e da Reclamação n. 4.374, entendeu que o parâmetro da renda mensal familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo não é mais adequado para aferir a situação de miserabilidade do idoso ou do deficiente, razão pela qual declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93.
O Superior Tribunal de Justiça, de sua vez, quando do julgamento de Recurso Especial 1112557/MG, submetido ao rito de Recurso Repetitivo pronunciou-se da seguinte forma:
“RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente a o cidadão social e economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. “Recurso Especial provido.”
(REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009)
Ressalta-se, ainda, que se tem utilizado como parâmetro razoável a renda per capita de ½ (meio) salário mínimo, estabelecida em legislações posteriores à LOAS, como a Lei n. 10.689/2003 (PNAA) e o Decreto n. 11.016/2022, referente ao Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal.
Nesse sentido, considerando o entendimento jurisprudencial atual, a vulnerabilidade social deve ser avaliada de acordo com o caso concreto, segundo fatores que possibilitem constatar a hipossuficiência do requerente, sendo o critério objetivo legal apenas uma referência.
Da deficiência
Considera-se deficiente a pessoa que apresenta impedimentos de longo prazo (mínimo de 2 anos), de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, inviabilizam sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (§§ 2º e 10 do art. 20 da Lei 8.742/93).
A deficiência e o grau do impedimento devem ser aferidos mediante avaliação médica e avaliação social, realizadas por médicos peritos e assistentes sociais do INSS, nos termos do § 6º do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social.
O caso concreto
No caso em análise, a perícia médica judicial realizada constatou que a parte autora, então contando com 43 (quarenta e três) anos de idade, apresenta “Esquizofrenia — CID10 F20”. Possui incapacidade total e permanente desde o ano de 2013 (fls. 65/79).
Logo, a parte autora se enquadra no conceito de deficiente, pois possui impedimento de longo prazo que inviabiliza a sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
Em relação ao segundo requisito (miserabilidade), o laudo social (fls. 73/78) demonstrou a existência de vulnerabilidade social, na medida em que constatou que o apelante reside com a genitora, idosa com 74 anos, com renda de um salário mínimo proveniente de aposentadoria.
Além dos rendimentos da genitora do autor, a única renda é proveniente de um aluguel no valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais) de um imóvel da família.
Em respeito ao princípio da dignidade humana, deveria ser excluído do cálculo de aferição da renda per capita, a aposentadoria no valor de um salário mínimo recebido por idoso, conforme entendimento jurisprudencial consolidado no Supremo Tribunal Federal, o que, todavia, não foi observado na espécie.
Vale anotar, ainda, que a própria Lei n. 8.213/91 já regulamenta a situação, como se pode observar do disposto no § 14 do seu art. 20, in verbis: “O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo.(Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020)”
Assim, excluindo a renda mensal a título de aposentadoria por idade no valor de um salário mínimo recebido por idoso, resta evidente a situação de hipossuficiência da autora, nos termos do art. 20 da Lei n. 8.742/93.
Nesse sentido, tem decidido esta Corte:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE AMPARO SOCIAL À PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA E AO IDOSO. LOAS. ART. 203, V, DA CF/88. LEI 8.742/93. CEGUEIRA EM AMBOS OLHOS PROFUNDA E GLAUCOMA CONGÊNITO. EXCLUSÃO DE RENDA PROVENIENTE DE APOSENTADORIA RECEBIDA POR IDOSO NO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO. APELAÇÃO PROVIDA. 1. Nos termos do art. 20, caput, da Lei n. 8.742/93, o benefício de prestação continuada é a garantia de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. 2. Laudo médico pericial atestou que a parte autora possui cegueira em ambos olhos profunda (CID H54.2) e glaucoma congênito (CID Q 15.0). O expert indica que, em decorrência da enfermidade, resta a incapacidade total e permanente. 3. Estudo Social informa que o núcleo familiar é composto pela parte autora e seus genitores. Indica, ainda, que a renda familiar é proveniente da aposentadoria por idade de seus genitores (ambos idosos), no valor de um salário mínimo cada. Por fim, acrescenta que a família tem despesa mensal com medicamento no valor aproximado de R$ 600,00 (seiscentos reais). 4. Em respeito ao princípio da dignidade humana, deveria ser excluído do cálculo de aferição da renda per capita, a aposentadoria no valor de um salário mínimo recebido por idoso, conforme entendimento jurisprudencial consolidado no Supremo Tribunal Federal (Recursos Extraordinários nº 567.985/MT e 580.963/PR). Entretanto, o Magistrado não considerou tal exclusão. 5. Excluindo a renda mensal a título de aposentadoria por idade no valor de um salário mínimo recebido por idoso, resta evidente a situação de hipossuficiência da autora, nos termos do art. 20 da Lei nº 8.742/93. 6. Apelação provida. (AC 1021638-14.2022.4.01.9999, JUIZ FEDERAL FAUSTO MENDANHA GONZAGA, TRF1 - PRIMEIRA TURMA, PJe 30/10/2023 PAG.)
Logo, nos termos da jurisprudência atual e dos demais elementos de prova, considerando as condições pessoais da parte autora, restou comprovado o preenchimento dos requisitos para a concessão do benefício assistencial à pessoa com deficiência.
Quanto ao termo inicial do benefício, deve ser fixado a partir da data do requerimento administrativo.
Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça possui o entendimento de que, como regra geral, o termo inicial do benefício deve ser estabelecido na data do requerimento administrativo, e, na ausência deste, na data da citação válida do INSS. Isso porque o laudo pericial serve, tão somente, para nortear tecnicamente o convencimento do juízo quanto à existência da incapacidade para a concessão de benefício.
Portanto, deve ser fixado o termo inicial do benefício na data do requerimento administrativo, uma vez que restou comprovada a existência de incapacidade anteriormente a essa data.
Finalmente, no tocante à correção monetária e aos juros de mora incidentes sobre as parcelas vencidas, deverão ser aplicados os índices constantes do Manual de Cálculos da Justiça Federal, visto que este se encontra atualizado de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RE 870.947 - Tema 810) e do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.495.146/MG - Tema 905), bem como com a Emenda Constitucional n. 113/2021 (Resolução 784/2022 - CJF, de 08/08/2022, Anexo, itens “4.2” e “4.3”).
Com esses fundamentos, dou provimento à apelação para, reformando a sentença, condenar o INSS a implantar em favor da parte autora o benefício assistencial à pessoa com deficiência, no valor de um salário mínimo, desde a data do requerimento administrativo.
Condeno o INSS, ainda, no pagamento das parcelas vencidas, com a incidência de juros e correção monetária conforme os índices do Manual de Cálculos da Justiça Federal, bem como no pagamento de honorários advocatícios, que fixo em quantia equivalente a 10% (dez por cento) do valor da condenação, consideradas as parcelas vencidas até a data da prolação do acórdão.
É como voto.
Brasília, data da assinatura eletrônica.
DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS
RELATORA

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
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APELAÇÃO CÍVEL (198)0001392-66.2017.4.01.3507
NILTON CESAR MARTINS
Advogados do(a) APELANTE: FABIANA TIRABOSCHI CARVALHO - GO33516-A, KATIA REGINA DO PRADO FARIA - GO14845-A, PALOMA AYRES DA SILVA - GO46918-A
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. CABIMENTO. APLICAÇÃO DO ART. 20 DA LEI 8.742/93 E DA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS. SENTENÇA REFORMADA.
1. Os requisitos para a concessão do benefício de prestação continuada encontram-se elencados no art. 20 da Lei n. 8.742/93, quais sejam: a) ser pessoa com deficiência ou idoso com 65 anos ou mais; b) não receber benefício no âmbito da seguridade social ou de outro regime e c) ter renda mensal familiar per capita igual ou inferior a ¼ do salário mínimo (requisito para aferição da miserabilidade).
2. Comprovado pelo laudo social e pela perícia médica judicial que a parte requerente preenche os requisitos legais (vulnerabilidade social e deficiência) para a concessão do benefício assistencial, este é devido desde a data do requerimento administrativo.
3. Apelação interposta pela parte autora a que se dá provimento, para condenar o INSS a implantar o benefício assistencial à pessoa com deficiência, no valor de um salário mínimo, desde o requerimento administrativo.
ACÓRDÃO
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do voto da Relatora.
Brasília, data da assinatura eletrônica.
Desembargadora Federal NILZA REIS Relatora
