
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
POLO PASSIVO:GERALDO ALVES CERQUEIRA
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: DANIEL TAMANDARE COSTA SAMPAIO - BA49749-A e AMAURI ALMEIDA FRAGA FILHO - BA57219-A
RELATOR(A):NILZA MARIA COSTA DOS REIS

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
APELAÇÃO CÍVEL (198)1010296-71.2020.4.01.3307
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS (RELATORA):
Trata-se de apelação interposta pelo INSS, de sentença na qual foi julgado procedente o pedido de concessão de benefício assistencial legalmente assegurada à pessoa portadora de deficiência, a contar da data do primeiro requerimento administrativo, em 17/07/2013 (fls. 450/452) ¹.
Nas suas razões, a autarquia previdenciária requer seja atribuído efeito suspensivo ao recurso. No mérito, pugna pela reforma parcial da sentença para que o termo inicial do benefício seja fixado na data do ajuizamento da ação, em 24/11/2020 (fls. 462/467).
Foram apresentadas contrarrazões (fls. 472/479).
É o relatório.
¹ Os números de folhas indicados referem-se à rolagem única, ordem crescente.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
VOTO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS (RELATORA):
O recurso reúne os requisitos de admissibilidade, merecendo ser conhecido.
Do efeito suspensivo
Tratando-se de sentença que condenou a parte ré a implementar benefício previdenciário, parcela de natureza alimentar, não merece acolhimento o pedido da apelante que pretende seja o recurso recebido com efeito suspensivo, por força do disposto no art. 1.012, §1º, inciso II, do CPC.
Mérito
Nos termos do art. 203, inciso V, da Constituição Federal, e da lei n. 8.742/93, é assegurado o benefício de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e à idosa que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, independente de contribuição à seguridade social.
Os requisitos para a concessão do benefício de prestação continuada estão elencados no art. 20 da Lei n. 8.742/93, quais sejam: a) ser pessoa com deficiência ou idoso com 65 anos de idade ou mais; b) não receber benefício no âmbito da seguridade social ou de outro regime e c) ter renda mensal familiar er capita inferior a ¼ do salário mínimo (requisito para aferição da miserabilidade).
Da situação existencial de miserabilidade
Em relação ao estado de miserabilidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos RE’s n. 567.985 e n. 580.963 e da Reclamação n. 4.374, decidiu que o parâmetro da renda mensal familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo não é mais adequado para aferir a situação de miserabilidade do idoso ou do deficiente, razão pela qual declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93.
O Superior Tribunal de Justiça, de sua vez, quando do julgamento de Recurso Especial 1112447/MG, submetido ao rito de Recurso Repetitivo, pronunciou-se da seguinte forma:
“RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. ACF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente a o cidadão social e economicamente vulnerável.
5. Alimitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido.”
(REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009)
Ressalte-se, ainda, que se tem utilizado como parâmetro razoável a renda per capita de ½ (meio) salário mínimo, estabelecida em legislações posteriores à LOAS, como a Lei n. 10.689/2003 (PNAA) e o Decreto n. 11.016/2022, referente ao Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal.
Nesse sentido, considerando o entendimento jurisprudencial atual, a vulnerabilidade social deve ser avaliada de acordo com o caso concreto, segundo fatores que possibilitem a constatação da hipossuficiência do requerente, sendo o critério objetivo legal apenas uma referência.
Da deficiência
Considera-se pessoa portadora de deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo (mínimo de dois anos) “de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas” (Lei 8.742/93, art. 20, §§ 2º e 10).
A deficiência e o grau do impedimento devem ser aferidos mediante avaliação médica e avaliação social, realizadas por médicos peritos e assistentes sociais do INSS, respectivamente, nos termos do § 6º do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social.
Do caso concreto
No caso em análise, o estudo socioeconômico (fls. 175/180 e 260/262) constatou que o requerente se encontra em situação de miserabilidade, pois reside sozinho e é auxiliado pela irmã, seno esta casada e residente em imóvel próximo à moradia do autor.. Apresenta como renda mensal apenas R$ 400,00 (quatrocentos reais) provenientes do Programa Auxílio Brasil, insuficientes para o suprimento das despesas fixas, cujo valor total, apenas com alimentação, é de aproximadamente R$ 620,00 (seiscentos e vinte) reais.
O parecer social foi favorável à parte autora, ora apelada, pois concluiu que:: “Considerando a receita e as despesas do usuário, neste momento indico que o mesmo, dentro dos parâmetros utilizados pela assistência social, se caracteriza por usuário em situação de pobreza, pois tem acesso precário aos mínimos sociais, a bens de sobrevivência sociais básicos, com alimentação, moradia e transportes, considerando o limite da carência social.”
Nessa seara, pelo estudo social realizado e cujo laudo foi trazido aos autos, constata-se que o requerente se encontra em situação existencial de vulnerabilidade social, pois sobrevive apenas com o valor advindo do Programa Auxílio Brasil.
Quanto ao impedimento de longo prazo, ainda de acordo com o estudo social, bem como com os relatórios médicos acostados aos autos e a sentença de interdição, verifica-se que o apelado sofre de esquizofrenia, cursando com isolamento social, psicose grave e comportamento violento de longa data, que resulta em agressões aos familiares, vizinhos e animais.
Ademais, o comportamento do autor impossibilitou ate a realização da perícia médica, colocando em risco o profissional que a realizaria. Inclusive, o relatório médico informa que o autor apresenta quadro de extrema violência e que todas as abordagens terapêuticas são efetuadas mediante apoio policial. Relata que o autor já passou por diversas internações de curta duração, sempre retornando para casa sem aceitar o tratamento e mantendo o comportamento de ameaças e violência.
Portanto, caracterizada esta a existência do impedimento de longa duração e do estado de miserabilidade do autor, fazendo jus a percepção do benefício assistencial em questão.
Quanto à data de início do benefício, sobre a qual se cinge a controvérsia, o Superior Tribunal de Justiça possui o entendimento de que o termo inicial do benefício deve ser estabelecido na data do requerimento administrativo, e, na sua ausência, na data da citação válida do INSS.
Ressalte-se que inexistem provas nos autos suficientes a embasar a fixação do termo inicial do benefício na data do primeiro requerimento administrativo, realizado no ano de 2013, uma vez que todos os relatórios médicos constantes dos autos possuem data a partir do ano de 2020 (fls. 16; 166/167; 199; 235/236; 311/312; 437/439).
Dessa forma, deve ser fixado o termo inicial do benefício na data do segundo requerimento administrativo, apresentado em 25/09/2020, uma vez que restou comprovada a existência de incapacidade apenas nessa data, bem como a ausência de alteração no estado de fato ou de direito do beneficiário, desde o mencionado requerimento.
Nesse sentido, destaca-se o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RESTABELECIMENTO DE APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. INDEFERIMENTO. PRESCRIÇÃO. REGRAS. ALTERAÇÃO NO DIREITO DA PARTE AUTORA. OCORRÊNCIA. TERMO INICIAL. CITAÇÃO.
1. Apesar de o direito ao benefício previdenciário ou assistencial não se submeter à prescrição de fundo, por estar inserido nos direitos fundamentais, a ocorrência de indeferimento do pedido administrativo faz nascer o interesse de agir, por se tratar de ato específico, o qual não se renova mês a mês. Inteligência da Súmula 85 do STJ.
2. O reconhecimento da prescrição do fundo de direito, por si só, não afasta a possibilidade de nova postulação de benefício por incapacidade, ou assistencial, tendo em vista a natureza dos direitos sociais e eventuais alterações no estado de fato ou de direito do segurado, de seu beneficiário ou do requerente de que trata a LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social), ex vi do art. 505, I, do CPC/2015 (art. 471, CPC/1973).
3. Caso em que a parte autora pode postular a concessão de benefício a qualquer tempo, sendo certo que, decorridos mais de cinco anos desde o indeferimento administrativo e havendo alteração no estado de fato ou de direito do segurado, este fará jus ao benefício, atendidos os requisitos legais, mas a contar do novo requerimento administrativo, se houver, ou da citação na ação judicial, na esteira do entendimento firmado pela Primeira Seção no REsp n. 1.369.165/SP.
4. Reconhecido, pela instância ordinária, o direito à percepção cumulativa da pensão por morte e da aposentadoria rural, não há como afastar o termo inicial desta última a contar da citação, dado o transcurso de mais de cinco anos entre a cessação administrativa e a propositura desta demanda.
5. Agravo interno desprovido.
(AgInt no REsp n. 1.878.667/AL, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 27/9/2021, DJe de 7/10/2021.)
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação interposta pelo INSS para fixar o termo inicial do benefício de prestação continuada à parte recorrida, pessoa portadora de deficiência, a partir do segundo requerimento administrativo, em 25/09/2020.
É como voto.
Brasília, data da assinatura eletrônica.
Desembargadora Federal Nilza Reis
Relatora

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
52APELAÇÃO CÍVEL (198)1010296-71.2020.4.01.3307
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
GERALDO ALVES CERQUEIRA
Advogados do(a) APELADO: AMAURI ALMEIDA FRAGA FILHO - BA57219-A, DANIEL TAMANDARE COSTA SAMPAIO - BA49749-A
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. APLICAÇÃO DO ART. 20, CAPUT E PARÁGRAFO 1° DA LEI 8.742/93. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. DATA DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. SENTENÇA MANTIDA.
1. Os requisitos para a concessão do benefício de prestação continuada encontram-se elencados no art. 20 da Lei nº 8.742/93, quais sejam: a) ser pessoa com deficiência ou idoso com 65 anos ou mais; b) não receber benefício no âmbito da seguridade social ou de outro regime e c) ter renda mensal familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo (requisito para aferição da miserabilidade).
2. Nos termos da jurisprudência pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça, inexistindo alteração de fato ou de direito na condição do beneficiário, o termo inicial para a concessão do benefício é a data do requerimento administrativo e, na sua ausência, a partir da citação válida do INSS.
3. Restou comprovado nos autos que a parte autora atende aos requisitos para a concessão do benefício assistencial à pessoa com deficiência e não há elementos probatórios que demonstrem que houve alteração no estado de fato ou de direito do beneficiário desde o segundo requerimento administrativo. Dessa forma, o termo inicial do benefício deve ser alterado.
4. Apelação do INSS a que se dá parcial provimento para alterar o termo inicial do benefício para a data do segundo requerimento administrativo.
ACÓRDÃO
Decide a Nona Turma, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do voto da relatora.
Brasília, data da assinatura eletrônica.
Desembargadora Federal NILZA REIS
Relatora
