
POLO ATIVO: CLEONICE VIEIRA DE MELO
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: THIAGO HENRIQUE BARBOSA - RO9583-A, EDER MIGUEL CARAM - SP296412-A e KARIMA FACCIOLI CARAM - RO3460-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
RELATOR(A):NILZA MARIA COSTA DOS REIS

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
APELAÇÃO CÍVEL (198)1004309-18.2024.4.01.9999
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS (RELATORA):
Trata-se de apelação interposta pela parte autora, de sentença na qual foi julgado improcedente o pedido de benefício assistencial à pessoa portadora de deficiência, sob o fundamento de que a renda per capita é suficiente para prover o sustento da parte, inexistindo situação de vulnerabilidade social (fls. 317/323) ¹.
Em suas razões, a apelante pugna pela reforma da sentença, a fim de que lhe seja concedido o benefício assistencial pleiteado, desde a data do seu requerimento administrativo, alegando haver demonstrado, satisfatoriamente, todos os requisitos necessários para tanto, sustentando que deve haver a exclusão da renda do seu genitor da base de cálculo da renda per capita (fls. 326/337).
Embora devidamente intimado, o INSS deixou de apresentar contrarrazões.
É o relatório.
¹Os números de folhas indicados referem-se à rolagem única, ordem crescente.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
VOTO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS (RELATORA):
O recurso reúne os requisitos de admissibilidade, merecendo ser conhecido.
Mérito
Nos termos do art. 203, inciso V, da Constituição Federal, e da lei n. 8.742/93, é assegurado o benefício de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, independente de contribuição à seguridade social.
Os requisitos para a concessão do benefício de prestação continuada estão elencados no art. 20 da Lei n. 8.742/93, quais sejam: a) ser pessoa com deficiência ou idoso com 65 anos de idade ou mais; b) não receber benefício no âmbito da seguridade social ou de outro regime e c) ter renda mensal familiarper capitainferior a ¼ do salário mínimo (requisito para aferição da miserabilidade).
Do estado de miserabilidade
Em relação ao estado de miserabilidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos RE’s n. 567.985 e n. 580.963 e da Reclamação n. 4.374, decidiu que o parâmetro da renda mensal familiarper capitainferior a ¼ do salário mínimo não é mais adequado para aferir a situação de miserabilidade do idoso ou do deficiente, razão pela qual declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93.
O Superior Tribunal de Justiça, de sua vez, quando do julgamento de Recurso Especial 1112447/MG, submetido ao rito de Recurso Repetitivo, pronunciou-se da seguinte forma:
“RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. ACF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente a o cidadão social e economicamente vulnerável.
5. Alimitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido.”
(REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009)
Ressalte-se, ainda, que se tem utilizado como parâmetro razoável a renda per capita de ½ (meio) salário mínimo, estabelecida em legislações posteriores à LOAS, como a Lei n. 10.689/2003 (PNAA) e o Decreto n. 11.016/2022, referente ao Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal.
Nesse sentido, considerando o entendimento jurisprudencial atual, a vulnerabilidade social deve ser avaliada de acordo com o caso concreto, segundo fatores que possibilitem a constatação da hipossuficiência do requerente, sendo o critério objetivo legal apenas uma referência.
Da deficiência
Considera-se pessoa portadora de deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo (mínimo de dois anos) “de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas” (Lei 8.742/93, art. 20, §§ 2º e 10).
A deficiência e o grau do impedimento devem ser aferidos mediante avaliação médica e avaliação social, realizadas por médicos peritos e assistentes sociais do INSS, nos termos do § 6º do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social.
Do caso concreto
No caso em análise, o laudo de perícia médica judicial constatou que a parte autora apresenta hemiplegia e tetraplegia, o que a incapacita total e permanentemente, desde o nascimento, para qualquer atividade laboral e inclusive para a realização de atividades básicas diárias, diante da ausência de fala e de mobilização (fls. 121/125).
Assim, restou caracterizado o impedimento de longo prazo da parte, diante da presença de incapacidade total e permanente, desde o seu nascimento.
Logo, a parte autora se enquadra no conceito de deficiente, pois possui impedimento de longo prazo que inviabiliza a sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas.
Em relação ao segundo requisito (miserabilidade), o laudo social (fls. 127/131) demonstrou a existência de vulnerabilidade social, na medida em que constatou que a apelante reside com os genitores em casa cedida, que era dos avós, já falecidos. As despesas mensais totalizam em média R$ 2.413,00 (dois mil quatrocentos e treze reais) e a renda familiar advém da aposentadoria dos genitores, no valor de R$ 2.640,00.
Constatou-se, a partir do estudo social, que a requerente faz uso de fraldas (em média 120 por mês), o que gera um gasto de R$480,00 (quatrocentos e oitenta reais), além dos medicamentos, com os quais gasta R$400,00 (quatrocentos reais).
Evidente, portanto, que a parte requerente se encontra em situação de vulnerabilidade, não possuindo meios de prover a sua subsistência ou de tê-la provida pela sua família.
Ressalte-se que o benefício previdenciário, no valor de um salário mínimo, auferido pelo genitor da parte autora, que possui atualmente 68 (sessenta e oito) anos de idade, deve ser excluída da renda familiar, previsão do art. 20, §14°, da Lei 8.742/93, in verbis:
§ 14. O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo
Logo, nos termos da jurisprudência atual e dos demais elementos de prova, considerando as condições pessoais da parte autora, restou comprovado o preenchimento dos requisitos para a concessão do benefício assistencial à pessoa portadora de deficiência. Dessa forma, deve lhe ser concedido o referido benefício.
Quanto à data de início do benefício, o Superior Tribunal de Justiça possui o entendimento de que, como regra geral, o termo inicial do benefício deve ser estabelecido na data do requerimento administrativo, e, na ausência deste, na data da citação válida do INSS. Isso porque o laudo pericial serve, tão somente, para nortear tecnicamente o convencimento do juízo quanto à existência da incapacidade que autoriza a concessão de benefício.
No caso, deve-se reconhecer que a parte autora estava total e permanentemente incapacitada para o trabalho quando o benefício recebido no período de 28/04/1997 a 01/11/2022 foi cessado, em vista da conclusão do perito e da existência de outros elementos probatórios, tais como relatórios médicos, indicando que a parte autora se encontrava incapacitada em momento anterior à suspensão do benefício.
Portanto, deve ser fixado o termo inicial do benefício na data da cessação do benefício recebido (01/11/2022), uma vez que restou comprovada a existência de incapacidade anteriormente a essa data.
Dos acessórios
As parcelas vencidas devem ser corrigidas monetariamente e acrescidas de juros moratórios, observado o que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal no RE 870.947 (tema 810) e pelo Superior Tribunal de Justiça ao julgar o REsp 1.495.146/MG (Tema 905). Ou seja, deve ser aplicado oIPCA-E para a correção monetária dos valores e quanto aos juros moratórios, nos o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com redação da Lei nº 11.960/09, até o dia 8/12/2021, depois do que passará a incidir apenas a taxa SELIC, nos termos do art. 3º da Emenda Constitucional - EC n.º 113/2021, até o efetivo pagamento.
Importante ressaltar que o Manual de Cálculos da Justiça Federal já está harmonizado com a jurisprudência das Cortes Superiores.
Ante o exposto, dou provimento à apelação interposta pela parte autora para condenar o INSS na obrigação da implantar, a favor da apelante, o benefício assistencial à pessoa portadora de deficiência, no valor de um salário mínimo, desde a data do seu requerimento administrativo.
O valor das parcelas vencidas deve ser corrigido monetariamente e acrescido de juros de mora, de acordo com a fundamentação do voto, nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal.
Condeno, ainda, o INSS no pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) do valor da condenação, consideradas as parcelas vencidas até a prolação do acórdão.
É como voto.
Brasília, data da assinatura eletrônica.
Desembargadora Federal NILZA REIS
Relatora

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
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APELAÇÃO CÍVEL (198)1004309-18.2024.4.01.9999
CLEONICE VIEIRA DE MELO
Advogados do(a) APELANTE: EDER MIGUEL CARAM - SP296412-A, KARIMA FACCIOLI CARAM - RO3460-A, THIAGO HENRIQUE BARBOSA - RO9583-A
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. CABIMENTO. APLICAÇÃO DO ART. 20 DA LEI 8.742/93 E DA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS. SENTENÇA REFORMADA.
1. Os requisitos para a concessão do benefício de prestação continuada encontram-se elencados no art. 20 da Lei nº 8.742/93, quais sejam: a) ser pessoa com deficiência ou idoso com 65 anos ou mais; b) não receber benefício no âmbito da seguridade social ou de outro regime e c) ter renda mensal familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo (requisito para aferição da miserabilidade).
2. Comprovado pelo laudo social e pela perícia médica judicial que a parte requerente preenche os requisitos legalmente exigidos para a concessão do benefício assistencial deficiência e vulnerabilidade social), ele há de ser concedido, desde a data do requerimento administrativo.
3. Apelação interposta pela parte autora a que se dá provimento para condenar o INSS a implantar o benefício assistencial à pessoa portadora de deficiência, no valor de um salário mínimo, desde a data do requerimento administrativo.
ACÓRDÃO
Decide a Nona Turma, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do voto da relatora.
Brasília, data da assinatura eletrônica.
Desembargadora Federal NILZA REIS Relatora
