
POLO ATIVO: TIAGO SILVA SANTOS e outros
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: JOSIAS BANDEIRA MOTA - TO6328-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
RELATOR(A):NILZA MARIA COSTA DOS REIS

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
APELAÇÃO CÍVEL (198)1003608-55.2019.4.01.4301
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS (RELATORA):
Trata-se de apelação interposta pela parte autora, de sentença na qual foi julgado improcedente o pedido de concessão de benefício assistencial à pessoa portadora de deficiência, sob o fundamento de que não foi verificada a condição de miserabilidade (fls. 241/243¹).
Nas suas razões, o recorrente requer a reforma da sentença, por restar demonstrado nos autos a sua hipossuficiência. Pugna seja concedido o benefício assistencial desde a data do requerimento administrativo em 29/5/2012, com a antecipação dos efeitos da tutela (fls. 248/256).
Sem contrarrazões.
O Ministério Público Federal emitiu parecer favorável ao provimento do recurso.
É o relatório.
¹O número de folhas refere-se à rolagem única, em ordem crescente.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
VOTO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS (RELATORA):
O recurso reúne os requisitos de admissibilidade, merecendo ser conhecido.
Nos termos do art. 203, inciso V, da Constituição Federal, e da lei n. 8.742/93, é assegurado o benefício de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, independente de contribuição à seguridade social.
Os requisitos para a concessão do benefício de prestação continuada estão elencados no art. 20 da Lei n. 8.742/93, quais sejam: a) ser pessoa com deficiência ou idoso com 65 anos de idade ou mais; b) não receber benefício no âmbito da seguridade social ou de outro regime e c) ter renda mensal familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo (requisito para aferição da miserabilidade).
Da situação existencial de miserabilidade
Em relação ao estado de miserabilidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos RE’s n. 567.985 e n. 580.963 e da Reclamação n. 4.374, decidiu que o parâmetro da renda mensal familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo não é mais adequado para aferir a situação de miserabilidade do idoso ou do deficiente, razão pela qual declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93.
O Superior Tribunal de Justiça, de sua vez, quando do julgamento de Recurso Especial 1112447/MG, submetido ao rito de Recurso Repetitivo, pronunciou-se da seguinte forma:
“RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente a o cidadão social e economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido.”
(REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009)
Ressalte-se, ainda, que se tem utilizado como parâmetro razoável a renda per capita de ½ (meio) salário mínimo, estabelecida em legislações posteriores à LOAS, como a Lei n. 10.689/2003 (PNAA) e o Decreto n. 11.016/2022, referente ao Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal.
Nesse sentido, considerando o entendimento jurisprudencial atual, a vulnerabilidade social deve ser avaliada de acordo com o caso concreto, segundo fatores que possibilitem a constatação da hipossuficiência do requerente, sendo o critério objetivo legal apenas uma referência.
Da deficiência
Considera-se pessoa portadora de deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo (mínimo de dois anos) “de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas” (Lei 8.742/93, art. 20, §§ 2º e 10).
A deficiência e o grau do impedimento devem ser aferidos mediante avaliação médica e avaliação social, realizadas por médicos peritos e assistentes sociais do INSS, nos termos do § 6º do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social.
Do caso concreto
Verifica-se que o laudo pericial atestou que a parte autora possui retardo mental moderado, com comprometimento significativo de comportamento, requerendo vigilância ou tratamento, sendo o seu mal acrescido de transtorno especifico misto do desenvolvimento (fls. 132/134).
Logo, restou incontroversa a existência de deficiência.
Quanto ao estado de miserabilidade social, o entendimento jurisprudencial atual considera ser necessária uma avaliação de acordo com o caso concreto, segundo fatores que possibilitem constatar a hipossuficiência, ou não, do beneficiário, sendo o critério objetivo legal apenas uma referência.
Nessa seara, pelo estudo social realizado em 11/5/2022, constata-se que a parte requerente se encontra em situação de vulnerabilidade social.
Sobre a residência do autor, descreve o laudo que a parte autora reside em casa simples, com poucos móveis e “coberta parte de telhas cerâmicas outra parte por telhas brasilit, paredes feitas de tijolos, rebocadas sem pinturas, piso parte em cerâmica, outra parte em piso cimentado, possuindo 03 quartos, 01 sala, 01 cozinha, 01 banheiro interno e 02 áreas. O domicílio é murado, abastecido por redes de água e energia elétrica, desprovido de esgoto sanitário, situada em rua com pavimentação asfáltica, com coleta de lixo, e acesso a escola e Posto de Saúde nas proximidades”.
No que se refere à renda familiar, aponta o estudo que o núcleo é composto pelo autor, os seus genitores e uma irmã, sendo que apenas o seu pai trabalha como vendedor, auferindo o valor de R$2.664,00 (dois mil seiscentos e sessenta e quatro reais). A mãe do autor não possui condições de trabalhar, pois o aquele exige acompanhamento permanente.
Quanto às despesas descreve a perícia:
“2.8 Quais as despesas mensais fixas do grupo familiar? Foram exibidos comprovantes de despesas? Quais?
Alimentação: R$ 1.200 Medicamentos: R$ 36,10 Gás de cozinha: R$ 130 Água e energia elétrica: R$ 155,82 Impostos – parcela de IPTU: R$ 76,08 Combustível, internet e outros: R$ R$ 1.200 Total de despesas: R$ 2.798 (dois mil setecentos noventa oito reais). Sim, os receituários médicos, boletos de IPTU, internet e comprovantes de água e energia.”
Diante da prova social produzida nos autos, verifica-se que a parte autora atualmente se encontra em situação de miserabilidade, pois o rendimento do seu pai não é capaz de suprir todas as despesas básicas da residência, bem como suportar gastos com vestuário e lazer para o autor, sendo estes direitos sociais necessários a uma vida digna.
Vale ressaltar que o núcleo familiar do autor possui renda per capita inferior a meio salário mínimo, critério atualmente considerado como parâmetro razoável para a concessão do benefício.
Logo, merece reforma a sentença que indeferiu o benefício assistencial, restando comprovado o preenchimento dos requisitos para a sua concessão, de acordo com o art. 20 da Lei n. 8.742/93.
No que se refere ao termo inicial do benefício, este deve ser fixado na data da elaboração do laudo social, ocasião em que foi constatado o preenchimento de todos os requisitos necessários para a concessão do benefício assistencial.
Isso porque, à época do requerimento administrativo, em 2012, conforme os contracheques acostados às fls. 220/237, o genitor do autor auferia renda que superava em muito o critério legal, o que não se verifica no ano de 2022, quando da elaboração do laudo social.
Dos acessórios
As parcelas vencidas devem ser corrigidas monetariamente e acrescidas de juros moratórios, observado o que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal no RE 870.947 (tema 810) e pelo Superior Tribunal de Justiça ao julgar o REsp 1.495.146/MG (Tema 905). Ou seja, deve ser aplicado o IPCA-E para a correção monetária dos valores e quanto aos juros moratórios, nos o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com redação da Lei nº 11.960/09, até o dia 8/12/2021, depois do que passará a incidir apenas a taxa SELIC, nos termos do art. 3º da Emenda Constitucional - EC n.º 113/2021, até o efetivo pagamento.
Importante ressaltar que o Manual de Cálculos da Justiça Federal já está harmonizado com a jurisprudência das Cortes Superiores.
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação interposta pela parte autora para condenar o INSS a implantar o benefício assistencial à pessoa portadora de deficiência, no valor de um salário mínimo, desde a data da elaboração do laudo social, em 11/5/2022.
O pagamento das parcelas vencidas deve ser corrigido monetariamente e acrescido de juros de mora, de acordo com a fundamentação do voto, nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal.
Condeno, ainda, o INSS no pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) do valor da condenação, consideradas as parcelas vencidas até a prolação do acórdão.
Em se tratando de verba alimentar e porque fortes são os elementos que evidenciam a existência da probabilidade de reconhecimento definitivo do direito postulado (CPC/2015, art. 300), concedo a tutela provisória de urgência para que seja imediatamente implantado o benefício.
É o voto.
Brasília, data da assinatura eletrônica.
Desembargadora Federal NILZA REIS
Relatora

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
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APELAÇÃO CÍVEL (198)1003608-55.2019.4.01.4301
T. S. S. e outros
Advogado do(a) REPRESENTANTE: JOSIAS BANDEIRA MOTA - TO6328-A
Advogado do(a) APELANTE: JOSIAS BANDEIRA MOTA - TO6328-A
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA.SITUAÇÃO EXISTENCIAL DE MISERABILIDADE.. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. CABIMENTO. INTELIGÊNCIA DO ART. 203, V, DA CF/88, DO ART. 20 DA LEI 8.742/93 E DA JURISPRUDÊNCIA DO STF.
1. Os requisitos para a concessão do benefício de prestação continuada encontram-se elencados no art. 20 da Lei nº 8.742/93, quais sejam: a) ser pessoa com deficiência ou idoso com 65 anos ou mais; b) não receber benefício no âmbito da seguridade social ou de outro regime, e c) ter renda mensal familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo (requisito para aferição da miserabilidade).
2. Em relação ao estado de miserabilidade, o Plenário do STF, no julgamento dos RE’s n. 567.985 e n. 580.963 e da Reclamação n. 4.374, entendeu que o parâmetro da renda mensal familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo não é mais adequado para aferir a situação de miserabilidade do idoso ou do deficiente, razão pela qual declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93.
3. Hipótese em que o laudo social demonstra que a parte autora se encontra em situação de vulnerabilidade social, pois a renda do seu núcleo familiar é insuficiente para suprir todas as despesas básicas da residência e demais necessidades pessoais. Ainda, atende ao critério objetivo atual, sendo a renda per capita inferior a meio salário mínimo.
4. Apelação da parte autora parcialmente provida para condenar o INSS a implantar o benefício assistencial à pessoa com deficiência, no valor de um salário mínimo, desde a data da elaboração do laudo social, em 11/5/2022.
ACÓRDÃO
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação da parte autora, nos termos do voto da relatora.
Brasília, data da assinatura eletrônica.
Desembargadora Federal NILZA REIS Relatora
