
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:ARTHUR BRAZ GOMES e outros
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: IRAM BORGES DE MORAES ROCHA - GO32842-A
RELATOR(A):CANDICE LAVOCAT GALVAO JOBIM

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
GABINETE DA DESEMBARGADORA FEDERAL CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM
APELAÇÃO CÍVEL (198)1011758-61.2023.4.01.9999
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: A. B. G.
REPRESENTANTE: UELICA BRAZ DA SILVA GOMES
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM (RELATORA):
Trata-se de recurso de apelação interposto pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL em face da sentença que julgou procedente o pedido de concessão de benefício de amparo assistencial à pessoa com deficiência (LOAS), a partir da data do requerimento administrativo, efetuado em 21/07/2022.
Nas razões recursais (ID 324506629, fls. 151 a 157), a parte apelante pede o indeferimento do benefício, alegando que a renda per capita é superior a 1/4 de salário mínimo. Subsidiariamente, pede a alteração do termo inicial do benefício.
As contrarrazões foram apresentadas (ID 324506629, fls. 161 a 169).
Parecer ministerial pelo desprovimento da apelação (ID 344642630).
É o relatório.
Desembargadora Federal CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM
Relatora

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
GABINETE DA DESEMBARGADORA FEDERAL CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM
APELAÇÃO CÍVEL (198)1011758-61.2023.4.01.9999
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: A. B. G.
REPRESENTANTE: UELICA BRAZ DA SILVA GOMES
VOTO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM (RELATORA):
Inicialmente, assente-se a dispensa de remessa necessária no presente caso concreto, em face do teor da dispensa contida na norma do inciso I do § 3º do art. 496 do Código de Processo Civil, nos termos dos recentes precedentes do Superior Tribunal de Justiça (a propósito: REsp. 1735097/RS; REsp. 1844937/PR).
A pretensão formulada pela parte autora na inicial é de concessão de benefício de amparo assistencial à pessoa com deficiência previsto na Lei nº 8.742/93.
É cediço que é necessária a presença cumulativa dos seguintes requisitos para concessão do benefício de prestação continuada: a) ser a pessoa portadora de deficiência ou idosa (65 anos ou mais); e b) comprovar a condição de miserabilidade nos termos do art. 203, V, da Constituição Federal.
O INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL alega em suas razões de apelação que não restou demonstrada nos autos a condição de miserabilidade da parte autora, como exigido pelo art. 20, §3º, da Lei nº 8.742/93, para fins de concessão do benefício de prestação continuada, razão pela qual pugna pela reforma da sentença.
Como a questão submetida a exame em sede de apelação cinge-se à demonstração da hipossuficência financeira da parte autora, limito-me a analisar a referida questão e não procedo ao exame da comprovação de ser a parte autora portadora de deficiência que acarreta impedimento de longo prazo, já reconhecida pela sentença.
Pois bem.
A respeito da miserabilidade, assim dispõe o art. 20 da Lei nº 8.742/93:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
(...)
§ 3º Observados os demais critérios de elegibilidade definidos nesta Lei, terão direito ao benefício financeiro de que trata o caput deste artigo a pessoa com deficiência ou a pessoa idosa com renda familiar mensal per capita igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 14.176, de 2021)
(...)
§ 8º A renda familiar mensal a que se refere o § 3º deverá ser declarada pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido. (Incluído pela Lei nº 9.720, de 1998)
§9º Os rendimentos decorrentes de estágio supervisionado e de aprendizagem não serão computados para os fins de cálculo da renda familiar per capita a que se refere o § 3o deste artigo. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)
(...)
§11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento. (Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015)
§11-A. O regulamento de que trata o § 11 deste artigo poderá ampliar o limite de renda mensal familiar per capita previsto no § 3º deste artigo para até 1/2 (meio) salário-mínimo, observado o disposto no art. 20-B desta Lei. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021)
(...)
§ 14. O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo. (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020)
Relativamente à transcrita norma do art. 20, §3º, da Lei nº 8.742/93, o Eg. STJ, quando do julgamento do REsp n. 1.112.557/MG, sob o regime de recursos repetitivos, firmou o entendimento de que “a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade” (REsp n. 1.112.557/MG, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, julgado em 28/10/2009, DJe de 20/11/2009.)
A referida norma também passou pelo crivo do Plenário do STF quando do julgamento dos RE 567985 e 580963, e da Reclamação nº 4374, oportunidade em que foi declarada a inconstitucionalidade parcial da norma, sem declaração de nulidade.
Diante da constatação de que uma nova realidade normativo-social alterou a realidade objetiva verificada à época do julgamento da ADI nº 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal assentou que o parâmetro previsto pelo mencionado art. 20, §3º, não mais atende à aferição da situação de hipossuficiência do idoso ou do deficiente, para fins de percepção do benefício, daí porque não pode ser ele invocado como fundamento exclusivo para o seu indeferimento.
Assim, a hipossuficiência financeira do requerente do benefício assistencial deve ser avaliada pelo julgador considerando todo o conjunto probatório apresentado no bojo dos autos e não apenas a renda per capita.
No caso dos autos, o laudo socioeconômico realizado em 02/09/2022 informa que a parte autora é recém-nascida e reside em casa financiada com seus pais e com uma irmã de 5 (cinco) anos (ID 324506629 – fls. 51 a 58). Foi informado que a prima da parte autora estava cumprindo pena no presídio de Israelândia/GO.
A renda familiar consistiria em salário recebido pelo pai, no valor de R$ 1.800,00. A renda per capita, portanto, seria de R$ 450,00.
O INSS apresenta o CNIS do pai, Jose Pereira Gomes Filho, em que consta o salário de R$ 3.330,12 no mês do requerimento administrativo e salários superiores nos meses seguintes (ID 324506629 – fl. 153). A renda per capita média no período entre 07/2022 a 12/2022 é de aproximadamente R$ 890,00, sendo o salário mínimo vigente no valor de R$ 1.212,00.
Ademais, não merece prosperar a impugnação da parte autora ao documento apresentado, pois corresponde efetivamente ao CNIS de seu pai, conforme consulta ao sistema de atendimentos do INSS.
Para a correta aferição da miserabilidade, devem ser considerados ainda os gastos extraordinários que decorrem da situação concreta da família. O Ministério Público chama a atenção para as despesas com medicamentos, fraldas descartáveis e leite em fórmula, cuja soma resultaria em R$ 1.525,00 mensais. Também consta o pagamento de pensão alimentícia no valor de R$ 450,00 (ID 344642630 – fl. 4).
Dessa forma, constata-se que as despesas extraordinárias, no caso dos autos, reduzem a renda familiar per capita efetiva, aproximando-a do critério legal.
Portanto, considerando as circunstâncias do caso e a flexibilização do requisito legal relativo à renda per capita, conforme entendimento do STF e do STJ, verifico que foi comprovada a condição de miserabilidade, nos termos do art. 203, V, da Constituição Federal e do art. 20 da Lei nº 8.742/93.
Impõe-se, portanto, a manutenção da sentença.
Quanto ao termo inicial do benefício, o INSS pede a fixação na data da prolação da sentença. Contudo, não apresenta qualquer indício de que houve alguma alteração relevante no grupo familiar ou na renda per capita entre a data do requerimento e a data do laudo socioeconômico.
Nestes termos, entendo que estavam preenchidos à época do requerimento administrativo os requisitos legais necessários para a concessão do benefício assistencial pretendido pela parte autora.
Relativamente aos índices de correção monetária e juros de mora, o Juízo a quo deixou de observar a EC nº 113/2021. Em que pese o INSS não ter impugnado tais índices, pedindo de forma genérica aqueles já fixados na sentença; como consectários legais da condenação principal, a correção monetária e os juros possuem natureza de ordem pública e podem ser analisados de ofício pelos magistrados. Vejamos o entendimento do STJ:
PROCESSUAL CIVIL. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. QUESTÕES DE ORDEM PÚBLICA. ALTERAÇÃO. POSSIBILIDADE. 1. Consoante o entendimento do STJ, a correção monetária e os juros de mora, como consectários legais da condenação principal, possuem natureza de ordem pública e podem ser analisados pelas instâncias ordinárias até mesmo de ofício, o que afasta suposta violação do princípio do non reformatio in pejus. 2. Agravo interno não provido.
(AGINT NO RESP N. 1.663.981/RJ, RELATOR MINISTRO GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, JULGADO EM 14/10/2019, DJE DE 17/10/2019)
Dessa forma, sobre o montante da condenação, para fins de correção monetária e de juros moratórios, deverá incidir a SELIC, nos termos do Art. 3º da EC nº 113/2021 e do Manual de Cálculos da Justiça Federal, respeitada a prescrição quinquenal.
Majoro os honorários de sucumbência em 2%, ante o oferecimento de contrarrazões, nos termos do § 11 do art. 85 do Código de Processo Civil, e determino a sua incidência com base na Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça.
Ante o exposto, CONHEÇO do recurso e, no mérito, NEGO PROVIMENTO à apelação do INSS e ALTERO, de ofício, os índices de correção monetária e dos juros de mora.
É como voto.
Desembargadora Federal CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM
Relatora

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
GABINETE DA DESEMBARGADORA FEDERAL CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM
APELAÇÃO CÍVEL (198)1011758-61.2023.4.01.9999
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: A. B. G.
REPRESENTANTE: UELICA BRAZ DA SILVA GOMES
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE AMPARO SOCIAL À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ART. 203, V, CF/88. ART. 20, § 3º, DA LEI Nº LEI Nº 8.742/93. MISERABILIDADE CONFIGURADA. TERMO INICIAL. DATA DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. SENTENÇA MANTIDA. APELAÇÃO DO INSS DESPROVIDA. ÍNDICES DE JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA ALTERADOS DE OFÍCIO.
1. A questão submetida a exame em sede de apelação cinge-se à demonstração da hipossuficência financeira da parte autora, conforme exigido pelo art. 20, §3º, da Lei nº 8.742/93, para fins de concessão do benefício de prestação continuada. Subsidiariamente, o INSS pede a alteração do termo inicial do benefício.
2. Relativamente à norma do art. 20, §3º, da Lei nº 8.742/93, o Eg. STJ, quando do julgamento do REsp n. 1.112.557/MG, sob o regime de recursos repetitivos, firmou o entendimento de que “a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade” (REsp n. 1.112.557/MG, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, julgado em 28/10/2009, DJe de 20/11/2009).
3. O Plenário do STF quando do julgamento dos RE 567985 e 580963, e da Reclamação nº 4374, declarou a inconstitucionalidade parcial da norma, sem declaração de nulidade.
4. O Supremo Tribunal Federal assentou que o parâmetro previsto pelo mencionado art. 20, §3º não mais atende à aferição da situação de hipossuficiência do idoso ou do deficiente, para fins de percepção do benefício, daí porque não pode ser ele invocado como fundamento exclusivo para o seu indeferimento.
5. A hipossuficiência financeira do requerente do benefício assistencial deve ser avaliada pelo julgador considerando todo o conjunto probatório apresentado no bojo dos autos e não apenas a renda per capita.
6. No caso dos autos, o laudo socioeconômico realizado informa que a parte autora é recém-nascida e reside em casa financiada com seus pais e com uma irmã de 5 (cinco) anos. Embora o laudo tenha apresentado uma renda per capita de R$ 450,00, o INSS apresenta o CNIS do genitor, em que consta o salário de R$ 3.330,12 no mês do requerimento administrativo e salários superiores nos meses seguintes. Portanto, a renda per capita média no período entre 07/2022 a 12/2022 é de aproximadamente R$ 890,00, sendo o salário mínimo vigente no valor de R$ 1.212,00.
7. Para a correta aferição da miserabilidade, devem ser considerados ainda os gastos extraordinários que decorrem da situação concreta da família. O Ministério Público Federal chama a atenção para as despesas com medicamentos, fraldas descartáveis e leite em fórmula, cuja soma resultaria em R$ 1.525,00 mensais. Também consta o pagamento de pensão alimentícia no valor de R$ 450,00.
8. Constata-se que as despesas extraordinárias, no caso dos autos, reduzem a renda familiar per capita efetiva, aproximando-a do critério legal.
9. Considerando as circunstâncias do caso e a flexibilização do requisito legal relativo à renda per capita, conforme entendimento do STF e do STJ, verifica-se que foi comprovada a condição de miserabilidade, nos termos do art. 203, V, da Constituição Federal e do art. 20 da Lei nº 8.742/93.
10. Quanto ao termo inicial do benefício, como o INSS não apresenta qualquer indício de que houve alguma alteração relevante no contexto fático ocorrida entre a data do requerimento e a data das perícias; infere-se que estavam preenchidos à época do requerimento os requisitos legais necessários para a concessão do benefício assistencial.
11. Sobre o montante da condenação, para fins de correção monetária e de juros moratórios, deverá incidir a SELIC, nos termos do Art. 3º da EC nº 113/2021 e do Manual de Cálculos da Justiça Federal, respeitada a prescrição quinquenal.
12. Apelação do INSS desprovida. Índices de correção monetária e dos juros de mora alterados de ofício.
ACÓRDÃO
Decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO ao recurso de apelação e ALTERAR de ofício os índices de correção monetária e de juros, nos termos do voto da Relatora.
Brasília, na data lançada na certidão do julgamento.
Desembargadora Federal CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM
Relatora
