
POLO ATIVO: ROSIMEIRE DA SILVA CARVALHO ALVES
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: EDNEY SIMOES - SP264897-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR(A):CANDICE LAVOCAT GALVAO JOBIM

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
GABINETE DA DESEMBARGADORA FEDERAL CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM
APELAÇÃO CÍVEL (198)1025980-68.2022.4.01.9999
APELANTE: ROSIMEIRE DA SILVA CARVALHO ALVES
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM (RELATORA):
Trata-se de recurso de apelação interposto pela parte autora em face da sentença que julgou improcedente o pedido de concessão de benefício de amparo assistencial à pessoa com deficiência (LOAS).
Nas razões recursais (ID 259022533, fls. 97 a 102), a parte apelante alega que ficou demonstrada a condição de miserabilidade, conforme o entendimento dos tribunais superiores.
As contrarrazões não foram apresentadas.
É o relatório.
Desembargadora Federal CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM
Relatora

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
GABINETE DA DESEMBARGADORA FEDERAL CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM
APELAÇÃO CÍVEL (198)1025980-68.2022.4.01.9999
APELANTE: ROSIMEIRE DA SILVA CARVALHO ALVES
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
VOTO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM (RELATORA):
A pretensão formulada pela parte autora na inicial é de concessão de benefício de amparo assistencial à pessoa com deficiência previsto na Lei nº 8.742/93.
É cediço que é necessária a presença cumulativa dos seguintes requisitos para concessão do benefício de prestação continuada: a) ser a pessoa portadora de deficiência ou idosa (65 anos ou mais); e b) comprovar a condição de miserabilidade nos termos do art. 203, V, da Constituição Federal.
A parte autora alega em suas razões de apelação que restou demonstrada nos autos a condição de miserabilidade da parte autora, como exigido pelo art. 20, §3º, da Lei nº 8.742/93, para fins de concessão do benefício de prestação continuada, razão pela qual pugna pela reforma da sentença.
Como a questão submetida a exame em sede de apelação cinge-se à demonstração da hipossuficiência financeira da parte autora, limito-me a analisar a referida questão e não procedo ao exame da comprovação de ser a parte autora portadora de deficiência que acarreta impedimento de longo prazo, já reconhecida pela sentença.
Pois bem.
A respeito da miserabilidade, assim dispõe o art. 20 da Lei nº 8.742/93:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
(...)
§ 3º Observados os demais critérios de elegibilidade definidos nesta Lei, terão direito ao benefício financeiro de que trata o caput deste artigo a pessoa com deficiência ou a pessoa idosa com renda familiar mensal per capita igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 14.176, de 2021)
(...)
§ 8º A renda familiar mensal a que se refere o § 3º deverá ser declarada pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido. (Incluído pela Lei nº 9.720, de 1998)
§9º Os rendimentos decorrentes de estágio supervisionado e de aprendizagem não serão computados para os fins de cálculo da renda familiar per capita a que se refere o § 3o deste artigo. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)
(...)
§11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento. (Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015)
§11-A. O regulamento de que trata o § 11 deste artigo poderá ampliar o limite de renda mensal familiar per capita previsto no § 3º deste artigo para até 1/2 (meio) salário-mínimo, observado o disposto no art. 20-B desta Lei. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021)
(...)
§ 14. O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo. (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020)
Relativamente à transcrita norma do art. 20, §3º, da Lei nº 8.742/93, o Eg. STJ, quando do julgamento do REsp n. 1.112.557/MG, sob o regime de recursos repetitivos, firmou o entendimento de que “a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade” (REsp n. 1.112.557/MG, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, julgado em 28/10/2009, DJe de 20/11/2009).
A referida norma também passou pelo crivo do Plenário do STF quando do julgamento dos RE 567985 e 580963, e da Reclamação nº 4374, oportunidade em que foi declarada a inconstitucionalidade parcial da norma, sem declaração de nulidade.
Diante da constatação de que uma nova realidade normativo-social alterou a realidade objetiva verificada à época do julgamento da ADI nº 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal assentou que o parâmetro previsto pelo mencionado art. 20, §3º, não mais atende à aferição da situação de hipossuficiência do idoso ou do deficiente, para fins de percepção do benefício, daí porque não pode ser ele invocado como fundamento exclusivo para o seu indeferimento.
Assim, a hipossuficiência financeira do requerente do benefício assistencial deve ser avaliada pelo julgador considerando todo o conjunto probatório apresentado no bojo dos autos e não apenas a renda per capita.
No caso dos autos, o laudo socioeconômico, realizado em 23/09/2021, informa que a parte autora reside na zona rural com um de seus filhos (adolescente), com seu atual companheiro e com os dois filhos pequenos do companheiro (ID 259022533 – fls. 73 a 76).
A renda familiar consiste em salário recebido pelo companheiro da parte autora, no valor de R$ 1.900,00, em razão de função exercida na fazenda em que reside a família. A renda per capita, portanto, era de R$ 380,00, sendo o salário mínimo vigente no valor de R$ 1.100,00.
Embora não haja despesa com moradia, água, energia e internet, que são fornecidos pelo patrão do companheiro, o laudo aponta um gasto extraordinário de R$ 700,00 com farmácia. Também informa que a parte autora cozinha diariamente com fogão a lenha, ante a falta de recursos para a compra de gás, e que a residência está desprovida de móveis e de eletrodomésticos necessários.
Portanto, considerando as circunstâncias do caso e a flexibilização do requisito legal relativo à renda per capita, conforme entendimento do STF e do STJ, verifico que foi comprovada a condição de miserabilidade, nos termos do art. 203, V, da Constituição Federal e do art. 20 da Lei nº 8.742/93.
Impõe-se, portanto, o provimento da apelação da parte autora, a fim de julgar-se procedente o pedido.
Quanto ao termo inicial do benefício, é necessário registrar inicialmente que houve mudança no contexto fático entre o requerimento administrativo e a realização dos laudos periciais, situação que exige a análise dos requisitos à época do requerimento administrativo, em 01/02/2018 (ID 259022533, fl. 14) e eventualmente à época da citação, em 25/05/2018 (fl. 21).
Sobre o requisito da miserabilidade, verifico que estava presente desde o requerimento administrativo. Conforme o comprovante do Cadúnico apresentado com a inicial (ID 259022533, fl. 13), a parte autora residia à época do requerimento com dois filhos adolescentes e com o ex-cônjuge, que ficou desempregado entre 17/06/2016 e 16/08/2021, conforme verificado em seu CNIS consultado através do sistema de atendimento do INSS.
Quanto ao requisito da deficiência, verifico que o perito judicial reconhece a existência das doenças (epilepsia e neurocisticercose cerebral – CID: G40.9 e B69.0) desde 2016. Contudo, apenas em 08/2018 as doenças teriam se agravado para um grau suficiente ao reconhecimento da incapacidade.
Diante da conclusão do laudo pericial, infere-se que não está demonstrado que a parte autora era, à época do requerimento, nem à época da citação, portadora de deficiência que acarretasse impedimento no grau exigido pelo art. 20, §§ 2º e 6º, da Lei nº 8.742/93, o que obsta a fixação da DIB nessas datas.
Assim, o caso dos autos configura situação excepcional que exige a fixação do termo inicial do benefício na data do laudo médico pericial, em 30/04/2019 (ID 259022533, fl. 48), momento em que também estava presente a miserabilidade.
Ademais, a fixação da DIB na data da perícia, neste caso concreto, não diverge do entendimento firmado pelo STJ, que, apesar de já ter se manifestado no sentido de não considerar correta a fixação da DIB na data do laudo pericial, faz a ressalva de situações excepcionais.
Com efeito, o STJ entende que “em regra, ela [a perícia judicial] declara uma situação fática a ela preexistente” (REsp n. 1.910.344/GO, DJe de 10/10/2022). Contudo, tal entendimento não pode resultar em concessão de benefício em época na qual não estavam presentes os requisitos para a sua concessão. Por isso, trata-se de uma regra geral que admite exceções em situações específicas como a destes autos.
Relativamente aos índices de correção monetária e juros de mora, sobre o montante da condenação incidirão juros segundo o índice previsto no art. 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei 11.960/2009, desde a data da citação, e correção monetária mediante a aplicação do INPC até 08/12/2021. A partir de 09/12/2021, para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, deverá incidir a SELIC, nos termos do Art. 3º da EC 113/2021 e do Manual de Cálculos da Justiça Federal, respeitada a prescrição quinquenal.
Inverto o ônus de sucumbência, ante o provimento do recurso interposto pela parte autora, e determino a incidência da verba advocatícia de sucumbência apenas em relação às prestações vencidas até o acórdão, nos termos da Súmula nº 111.
Ante o exposto, CONHEÇO do recurso e, no mérito, DOU PROVIMENTO à apelação da parte autora para, reformando a sentença, julgar procedente o pedido, a fim de conceder o benefício de prestação continuada à parte autora, a partir da data do laudo médico pericial, em 30/04/2019.
É como voto.
Desembargadora Federal CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM
Relatora

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
GABINETE DA DESEMBARGADORA FEDERAL CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM
APELAÇÃO CÍVEL (198)1025980-68.2022.4.01.9999
APELANTE: ROSIMEIRE DA SILVA CARVALHO ALVES
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE AMPARO SOCIAL À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ART. 203, V, CF/88. ART. 20, § 3º, DA LEI Nº 8.742/93. MISERABILIDADE CONFIGURADA. SENTENÇA REFORMADA. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PROVIDA.
1. A questão submetida a exame em sede de apelação cinge-se à demonstração da hipossuficiência financeira da parte autora, conforme exigido pelo art. 20, §3º, da Lei nº 8.742/93, para fins de concessão do benefício de prestação continuada.
2. Relativamente à norma do art. 20, §3º, da Lei nº 8.742/93, o Eg. STJ, quando do julgamento do REsp n. 1.112.557/MG, sob o regime de recursos repetitivos, firmou o entendimento de que “a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade” (REsp n. 1.112.557/MG, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, julgado em 28/10/2009, DJe de 20/11/2009).
3. O Plenário do STF, quando do julgamento dos RE 567985 e 580963, e da Reclamação nº 4374, declarou a inconstitucionalidade parcial da norma, sem declaração de nulidade.
4. O Supremo Tribunal Federal assentou que o parâmetro previsto pelo mencionado art. 20, §3º não mais atende à aferição da situação de hipossuficiência do idoso ou do deficiente, para fins de percepção do benefício, daí porque não pode ser ele invocado como fundamento exclusivo para o seu indeferimento.
5. A hipossuficiência financeira do requerente do benefício assistencial deve ser avaliada pelo julgador considerando todo o conjunto probatório apresentado no bojo dos autos e não apenas a renda per capita.
6. No caso dos autos, o laudo socioeconômico, realizado em 23/09/2021, informa que a parte autora reside na zona rural com um de seus filhos (adolescente), com seu atual companheiro e com os dois filhos pequenos do companheiro. A renda familiar consiste em salário recebido pelo companheiro da parte autora, no valor de R$ 1.900,00, em razão de função exercida na fazenda em que reside a família. A renda per capita, portanto, era de R$ 380,00, sendo o salário mínimo vigente no valor de R$ 1.100,00.
7. Embora não haja despesa com moradia, água, energia e internet, fornecidos pelo patrão do companheiro, o laudo aponta um gasto extraordinário de R$ 700,00 com farmácia. Também informa que a parte autora cozinha diariamente com fogão a lenha, ante a falta de recursos para a compra de gás, e que a residência está desprovida de móveis e de eletrodomésticos necessários.
8. Considerando as circunstâncias do caso e a flexibilização do requisito legal relativo à renda per capita, conforme entendimento do STF e do STJ, verifica-se que foi comprovada a condição de miserabilidade, nos termos do art. 203, V, da Constituição Federal e do art. 20 da Lei nº 8.742/93. Impõe-se, portanto, o provimento da apelação da parte autora, a fim de julgar-se procedente o pedido.
9. Excepcionalmente, o termo inicial do benefício deve ser fixado na data do laudo médico pericial, em 30/04/2019, tendo em vista que, diante da conclusão do laudo pericial, infere-se que não está demonstrado que a parte autora era à época do requerimento, nem à época da citação, portadora de deficiência que acarretasse impedimento no grau exigido pelo art. 20, §§ 2º e 6º, da Lei nº 8.742/93, o que obsta a fixação da DIB nessas datas.
10. Sobre o montante da condenação incidirão juros segundo o índice previsto no art. 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei 11.960/2009, desde a data da citação, e correção monetária mediante a aplicação do INPC até 08/12/2021. A partir de 09/12/2021, para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, deverá incidir a SELIC, nos termos do Art. 3º da EC 113/2021 e do Manual de Cálculos da Justiça Federal, respeitada a prescrição quinquenal.
11. Apelação da parte autora provida.
ACÓRDÃO
Decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, DAR PROVIMENTO ao recurso de apelação, nos termos do voto da Relatora.
Brasília, na data lançada na certidão do julgamento.
Desembargadora Federal CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM
Relatora
