
POLO ATIVO: GIRLENE NUNES DE FARIA
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: MONICA ARANTES SILVA - DF15665-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
RELATOR(A):MARCELO VELASCO NASCIMENTO ALBERNAZ

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 03 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1019735-89.2018.4.01.3400
APELANTE: GIRLENE NUNES DE FARIA
Advogado do(a) APELANTE: MONICA ARANTES SILVA - DF15665-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
RELATÓRIO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta por Girlene Nunes de Faria contra a decisão que julgou improcedente o pedido de declaração de inexistência da dívida alegada pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, no valor de R$ 122.325,96 (cento e vinte e dois mil, trezentos e vinte e cinco reais e noventa e seis centavos), referente ao recebimento concomitante do benefício de Amparo Social à Pessoa com Deficiência e Pensão por Morte.
Em suas razões de apelação, a parte apelante pleiteia o reconhecimento da prescrição/decadência e a declaração de inexistência da dívida.
Sem a apresentação de contrarrazões, os autos foram remetidos a esta Corte.
O Ministério Público Federal se manifestou favoravelmente, recomendando o conhecimento e provimento da apelação.
É o relatório.
Desembargador Federal MARCELO ALBERNAZ
Relator

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 03 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1019735-89.2018.4.01.3400
APELANTE: GIRLENE NUNES DE FARIA
Advogado do(a) APELANTE: MONICA ARANTES SILVA - DF15665-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ (RELATOR):
Preliminarmente, consigno que o recurso preenche os requisitos subjetivos e objetivos de admissibilidade.
Prescrição
Quanto à prescrição, é certo que o artigo 37, § 5º, da Constituição, ao dispor sobre a ocorrência de prescrição da pretensão de ressarcimento ao erário, estabelece que "a lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento".
Conforme já decidido pelo STF, “a Constituição, no mesmo dispositivo (art. 37, § 5º, CRFB) decota de tal comando para o Legislador as ações cíveis de ressarcimento ao erário, tornando-as, assim, imprescritíveis”. São, portanto, imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa” (RE 852475, Relator: Min. Alexandre de Moraes, Relator p/ Acórdão: Min. Edson Fachin, Tribunal Pleno, julgado em 08/08/2018, Processo Eletrônico Repercussão Geral - Mérito DJe-058 DIVULG 22-03-2019 PUBLIC 25-03-2019). (Sem grifos no original).
Por sua vez, em decisão proferida com repercussão geral reconhecida (Tema 666), o Supremo Tribunal Federal concluiu da seguinte forma: "É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil".
Além disso, aplica-se o prazo prescricional de 5 anos, nos termos do art. 1º do Decreto nº 20.910/32, à ação de ressarcimento de benefício previdenciário pago indevidamente, quando comprovada a má-fé do beneficiário (STJ. 2ª Turma. AgInt no REsp 1.998.744-RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 6/3/2023).
Portanto, a prescrição é a regra no ordenamento jurídico. Assim, ainda que configurada a má-fé do beneficiário no recebimento dos valores, inexistindo prazo específico definido em lei, o prazo prescricional aplicável é o de 5 anos, nos termos do art. 1º do Decreto 20.910/1932, em respeito aos princípios da isonomia e simetria.
Por fim, enquanto não reconhecida a natureza ímproba ou criminal do ato causador de dano ao erário, a pretensão de ressarcimento sujeita-se normalmente aos prazos prescricionais (STJ. 2ª Turma. AgInt no REsp 1.998.744-RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 6/3/2023).
No caso, levando em consideração que a parte autora moveu a presente ação com o objetivo de declarar a inexistência do indébito em dezembro de 2017, é pertinente reconhecer a prescrição da pretensão referente ao período anterior a 5 (cinco) anos da propositura da ação.
DO MÉRITO
A matéria controvertida versa sobre a inexigibilidade de reposição ao erário de valores pagos, em razão do recebimento indevido de benefício assistencial.
Na hipótese, nota-se que a autora requereu e teve deferido, administrativamente, o seu benefício assistencial de amparo assistencial previsto na LOAS.
Em razão de revisão administrativa, foi suspenso o benefício da LOAS, tendo sido determinada a devolução de valores já percebidos, ante a impossibilidade de cumulação dos benefícios (BPC e pensão por morte).
Ressalta-se que a boa-fé é presumida, enquanto a má-fé necessita de comprovação. Em outras palavras, é essencial demonstrar a má-fé do beneficiário ou, inversamente, refutar a boa-fé da pessoa que alegadamente recebeu de forma indevida determinado benefício previdenciário.
A jurisprudência tem manifestado a orientação de que seria preciso avaliar a aptidão do segurado "para compreender, de forma inequívoca, a irregularidade do pagamento", tal como decidiu o Ministro Benedito Gonçalves, no julgamento do REsp 1381734/RN, Rel. Primeira Seção, julgado em 10/03/2021, DJe 23/04/2021.
No caso em apreço, contrariamente ao que foi indicado na sentença, não se evidencia a má-fé por parte da autora. O INSS não apresentou, de maneira inequívoca, elementos que indiquem má-fé por parte da beneficiária, uma vez que não existem evidências de concessão indevida do benefício, surgindo apenas posteriormente uma situação fática que poderia justificar sua revogação, a saber, a concessão de pensão por morte.
Além disso, a continuidade do recebimento do benefício, concedido licitamente, sem prova de afirmação de fato inverídico pelo beneficiário destinada a evitar sua revogação, não afasta a boa-fé no caso concreto.
Afinal, para o cidadão comum, é razoável acreditar que a continuidade do pagamento de um benefício concedido licitamente, sem revogação pelo INSS, indica a licitude dos pagamentos.
Sobre a matéria, o Superior Tribunal de Justiça, sob o rito dos recursos repetitivos (Tema n. 979 - REsp 1.381.734), decidiu que, nos casos de valores pagos indevidamente pela Previdência Social em decorrência de erro administrativo (material ou operacional), sem que a hipótese seja de interpretação errônea ou equivocada de lei pela Administração, é devido o ressarcimento ao erário de tais verbas percebidas pelo segurado/beneficiário, salvo quando comprovada a sua boa-fé com a demonstração de que não lhe era possível constatar que o pagamento era indevido.
No julgamento do REsp n. 1.381.734 (Tema 979/STJ) foi firmada a seguinte tese:
"Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido." (Sem grifos no original).
No mesmo julgamento foi decidida a modulação dos efeitos da decisão, nos seguintes termos:
Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão.
Ante a modulação dos efeitos, apenas os processos distribuídos na primeira instância, a partir da data da publicação do acórdão, estarão sujeitos à devolução em caso de erro da administração (material ou operacional), ressalvada a comprovação de boa-fé do beneficiário. Tal não é a situação dos autos, uma vez que a ação foi proposta antes da publicação do acórdão em referência (acórdão publicado no DJe de 23/4/2021).
Nesse sentido, o INSS não demonstrou, de forma inequívoca, a má-fé do beneficiário. Deveria ter feito isso na esfera administrativa, inclusive para possibilitar a aplicação da teoria dos motivos determinantes
Assim, tendo em vista a modulação dos efeitos aplicada pelo STJ no Tema n. 979 e ante a ausência de comprovação de má-fé, verifica-se que, no caso dos autos, é indevida a cobrança dos valores pagos como benefício assistencial irregularmente concedido.
Encargos moratórios
Ante o entendimento firmado no julgamento do Tema 810-STF e do Tema 905-STJ, em se tratando de condenação de natureza previdenciária imposta à Fazenda Pública, a correção monetária segue o Manual de Cálculos da Justiça Federal (IGP-DI/IPC-R/IRSM/IPC/BTN, etc.) até a vigência da Lei nº. 11.430/2006, quando passa a incidir o INPC.
Os juros de mora, por sua vez, devem seguir a remuneração oficial da caderneta de poupança, na forma preconizada pelo art. 1º-F da Lei nº. 9.494/97, na redação dada pela lei nº. 11.960/2009 (No mesmo sentido: AC 0017122-79.2018.4.01.9199, Desembargador Federal Wilson Alves de Souza, TRF1 – Primeira Turma, e-DJF1 24/04/2019 PAG.).
Honorários advocatícios
Inverto os ônus da sucumbência, ficando a parte vencida condenada em honorários advocatícios em favor da parte vencedora, englobando trabalho do advogado em primeiro e segundo graus (art. 85, §11, CPC), que ora fixo em 1% (um por cento) acima dos percentuais mínimos previstos no art. 85, §§ 2º e 3º, do CPC, sobre o valor atualizado da causa.
Custas processuais
"Nas causas ajuizadas perante a Justiça Estadual, no exercício da jurisdição federal (§3º do art. 109 da CF/88), o INSS está isento das custas somente quando lei estadual específica prevê a isenção, como ocorre nos estados de Minas Gerais, Goiás, Rondônia, Mato Grosso, Bahia, Acre, Tocantins e Piauí (AC 0024564-48.2008.4.01.9199, Rel. Desembargador Federal Francisco de Assis Betti, Segunda Turma, e-DJF1 28/05/2020)" (AC 1026342-07.2021.4.01.9999, DESEMBARGADOR FEDERAL MORAIS DA ROCHA, TRF1 - PRIMEIRA TURMA, PJe 26/07/2023).
O INSS é isento de custas na Justiça Federal.
CONCLUSÃO
Ante o exposto, dou provimento à apelação para reconhecer a inexistência da dívida relacionada ao recebimento simultâneo do benefício de Amparo Social à Pessoa com Deficiência e Pensão por Morte, nos termos acima explicitados.
É como voto.
Desembargador Federal MARCELO ALBERNAZ
Relator

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 03 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1019735-89.2018.4.01.3400
APELANTE: GIRLENE NUNES DE FARIA
Advogado do(a) APELANTE: MONICA ARANTES SILVA - DF15665-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE AMPARO SOCIAL À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. IRREGULARIDADE NO DEFERIMENTO. PRESCRIÇÃO. PENSÃO POR MORTE CUMULADA COM BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. MÁ-FÉ NÃO COMPROVADA. TEMA 979 DO STJ. MODULAÇÃO DOS EFEITOS. ENCARGOS MORATÓRIOS. APELAÇÃO PROVIDA.
1. O Supremo Tribunal Federal em decisão proferida com repercussão geral reconhecida (Tema 666), assim concluiu: "É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil". Aplica-se à espécie, portanto, o prazo prescricional de 5 anos, nos termos do art. 1º do Decreto 20.910/1932. (AREsp 1441458/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/10/2020, DJe 17/11/2020) e (AC 0047626-35.2014.4.01.3500, JUIZ FEDERAL SAULO JOSÉ CASALI BAHIA, TRF1 - 1ª CÂMARA REGIONAL PREVIDENCIÁRIA DA BAHIA, PJe 27/06/2022 PAG). Portanto, levando em consideração que a parte autora moveu a presente ação com o objetivo de declarar a inexistência do indébito em dezembro de 2017, é pertinente reconhecer a prescrição da pretensão referente ao período anterior a 5 (cinco) anos da propositura da ação.
2. A matéria controvertida versa sobre a inexigibilidade de reposição ao erário de valores pagos, em razão do recebimento indevido de benefício assistencial.
3. Na hipótese, nota-se que a autora requereu e teve deferido, administrativamente, o seu benefício assistencial de amparo assistencial previsto na LOAS. Em razão de revisão administrativa, foi suspenso o benefício da LOAS, tendo sido determinada a devolução de valores já percebidos, ante a impossibilidade de cumulação dos benefícios (BPC e pensão por morte).
4. A jurisprudência tem manifestado a orientação de que seria preciso avaliar a aptidão do segurado "para compreender, de forma inequívoca, a irregularidade do pagamento", tal como decidiu o Ministro Benedito Gonçalves, no julgamento do REsp 1381734/RN, Rel. Primeira Seção, julgado em 10/03/2021, DJe 23/04/2021.
5. A continuidade do recebimento do benefício, concedido licitamente, sem prova de afirmação de fato inverídico pelo beneficiário destinada a evitar sua revogação, não afasta a boa-fé no caso concreto. Para o cidadão comum, é razoável acreditar que a continuidade do pagamento de um benefício concedido licitamente, sem revogação pelo INSS, indica a licitude dos pagamentos.
6. A má-fé necessita de comprovação. Em outras palavras, é essencial demonstrar a má-fé do beneficiário ou, inversamente, refutar a boa-fé da pessoa que alegadamente recebeu de forma indevida determinado benefício previdenciário. No caso em apreço, contrariamente ao que foi indicado na sentença, não se evidencia a má-fé por parte da autora. O INSS não apresentou, de maneira inequívoca, elementos que indiquem má-fé por parte da beneficiária, uma vez que não existem evidências de concessão indevida do benefício, surgindo apenas posteriormente uma situação fática que poderia justificar sua revogação, a saber, a concessão de pensão por morte. Deveria ter feito isso na esfera administrativa, inclusive para possibilitar a aplicação da teoria dos motivos determinantes.
7. Tendo em vista a modulação dos efeitos aplicada pelo STJ no Tema n. 979 e ante a ausência de comprovação de má-fé, verifica-se que, no caso dos autos, é indevida a cobrança dos valores pagos como benefício assistencial irregularmente concedido.
8. As parcelas vencidas devem ser acrescidas de correção monetária pelo INPC e juros moratórios nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal, que se encontra atualizado nos termos do julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 870.947-SE em sede de repercussão geral (Tema 810) e pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.495.146/MG (Tema 905).
9. Apelação provida para reconhecer a inexistência da dívida relacionada ao recebimento simultâneo do benefício de Amparo Social à Pessoa com Deficiência e Pensão por Morte.
ACÓRDÃO
Decide a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator.
Brasília/DF.
Desembargador Federal MARCELO ALBERNAZ
Relator
