
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
POLO PASSIVO:JOAO WALCY GOMES DA SILVA
RELATOR(A):MARCELO VELASCO NASCIMENTO ALBERNAZ

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 03 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1000880-80.2018.4.01.3200
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
APELADO: JOAO WALCY GOMES DA SILVA
RELATÓRIO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, em oposição à sentença que declarou a inexistência do débito no montante de R$ 68.396,88 (sessenta e oito mil trezentos o noventa e seis reais e oitenta e oito centavos), determinando, assim, a restituição integral de todos os valores descontados pela Autarquia Previdenciária.
Em suas razões de apelação, o INSS, argumenta pela necessidade de restituição dos valores indevidamente recebidos, mesmo quando provenientes de ações de boa-fé.
Contrarrazões foram devidamente apresentadas, defendendo a manutenção da sentença.
É o relatório.
Desembargador Federal MARCELO ALBERNAZ
Relator

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 03 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1000880-80.2018.4.01.3200
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
APELADO: JOAO WALCY GOMES DA SILVA
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ (RELATOR):
Preliminarmente, consigno que o recurso preenche os requisitos subjetivos e objetivos de admissibilidade.
Ademais, cumpre salientar que na presente demanda não figura pedido específico relacionado ao pagamento de danos morais, tampouco ao restabelecimento do benefício. Diante desse contexto, as assertivas genéricas apresentadas pelo apelante referentes a tais questões encontram-se prejudicadas.
DO MÉRITO
A matéria controvertida versa sobre a inexigibilidade de reposição ao erário de valores pagos, em razão do recebimento indevido de benefício assistencial.
Na situação em análise, a parte autora obteve benefício assistencial no intervalo compreendido entre agosto de 2002 a dezembro de 2016 (NB 1223591848), apesar de o Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) evidenciar a existência de vínculo empregatício a partir de 01/03/2010 (fl.3, ID 49380023).
Em decorrência da revisão administrativa, o INSS enviou o Ofício n. 195/2016, comunicando a identificação de indícios de irregularidades relacionadas ao recebimento dos valores do benefício durante os períodos de 25/03/2008 a 01/06/2010 e de 11/07/2011 a 31/10/2012, totalizando o montante de R$ 68.396,88 (sessenta e oito mil trezentos e noventa e seis reais e oitenta e oito centavos). Importa ressaltar que não existem evidências de fornecimento de informações inverídicas por parte do beneficiário.
Ressalta-se que a boa-fé é presumida, enquanto a má-fé necessita de comprovação. Em outras palavras, é essencial demonstrar a má-fé do beneficiário ou, inversamente, refutar a boa-fé da pessoa que alegadamente recebeu de forma indevida determinado benefício previdenciário.
A jurisprudência tem manifestado a orientação de que seria preciso avaliar a aptidão do segurado "para compreender, de forma inequívoca, a irregularidade do pagamento", tal como decidiu o Ministro Benedito Gonçalves, no julgamento do REsp 1381734/RN, Rel. Primeira Seção, julgado em 10/03/2021, DJe 23/04/2021.
No presente caso, o INSS não demonstrou, de forma inequívoca, a má-fé do beneficiário, pois não há elementos que indiquem concessão indevida do benefício, tendo apenas posteriormente surgido uma situação fática capaz de ensejar sua revogação (contrato de trabalho).
Além disso, a continuidade do recebimento do benefício, concedido licitamente, sem prova de afirmação de fato inverídico pelo beneficiário destinada a evitar sua revogação, não afasta a boa-fé no caso concreto.
Afinal, para o cidadão comum, é razoável acreditar que a continuidade do pagamento de um benefício concedido licitamente, sem revogação pelo INSS, indica a licitude dos pagamentos.
Sobre a matéria, o Superior Tribunal de Justiça, sob o rito dos recursos repetitivos (Tema n. 979 - REsp 1.381.734), decidiu que, nos casos de valores pagos indevidamente pela Previdência Social em decorrência de erro administrativo (material ou operacional), sem que a hipótese seja de interpretação errônea ou equivocada de lei pela Administração, é devido o ressarcimento ao erário de tais verbas percebidas pelo segurado/beneficiário, salvo quando comprovada a sua boa-fé com a demonstração de que não lhe era possível constatar que o pagamento era indevido.
No julgamento do REsp n. 1.381.734 (Tema 979/STJ) foi firmada a seguinte tese:
"Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido." (Sem grifos no original).
No mesmo julgamento foi decidida a modulação dos efeitos da decisão, nos seguintes termos:
Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão.
Ante a modulação dos efeitos, apenas os processos distribuídos na primeira instância, a partir da data da publicação do acórdão, estarão sujeitos à devolução em caso de erro da administração (material ou operacional), ressalvada a comprovação de boa-fé do beneficiário. Tal não é a situação dos autos, uma vez que a ação foi proposta antes da publicação do acórdão em referência.
Portanto, o fato de a parte autora ter obtido renda não invalida, por si só, a boa-fé, especialmente considerando que se trata de um vínculo formal, cuja informação era amplamente acessível ao INSS por meio do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS).
Nesse sentido, o INSS não demonstrou, de forma inequívoca, a má-fé do beneficiário. Deveria ter feito isso na esfera administrativa, inclusive para possibilitar a aplicação da teoria dos motivos determinantes
Assim, tendo em vista a modulação dos efeitos aplicada pelo STJ no Tema n. 979 e ante a ausência de comprovação de má-fé, verifica-se que, no caso dos autos, é indevida a cobrança dos valores pagos como benefício assistencial irregularmente concedido.
Encargos moratórios
A sentença estabeleceu os encargos moratórios nos seguintes termos:
“Consequentemente, condeno o INSS a restituir ao Autor o que, eventualmente, tenha sido descontado em decorrência do débito ora anulado, com juros e correção monetária conforme o Manual de Cálculos da Justiça Federal”.
Ante o entendimento firmado no julgamento do Tema 810-STF e do Tema 905-STJ, em se tratando de condenação de natureza previdenciária imposta à Fazenda Pública, a correção monetária segue o Manual de Cálculos da Justiça Federal (IGP-DI/IPC-R/IRSM/IPC/BTN, etc.) até a vigência da Lei nº. 11.430/2006, quando passa a incidir o INPC.
Os juros de mora, por sua vez, devem seguir a remuneração oficial da caderneta de poupança, na forma preconizada pelo art. 1º-F da Lei nº. 9.494/97, na redação dada pela lei nº. 11.960/2009 (No mesmo sentido: AC 0017122-79.2018.4.01.9199, Desembargador Federal Wilson Alves de Souza, TRF1 – Primeira Turma, e-DJF1 24/04/2019 PAG.).
Honorários advocatícios
A sentença estabeleceu os encargos moratórios nos seguintes termos:
"(...)CONDENO o INSS ao pagamento de honorários de sucumbência em favor da DPU , conforme fundamentação alhures exposta, cujo percentual fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos dos §§ 3º e 4º, inciso III, do art. 85 do CPC/2015, com a observância da limitação constante do § 5º do mesmo artigo, atentando-se para, no caso de o percentual de honorários exceder a faixa constante do inciso I, ser aplicada a faixa subsequente no menor percentual previsto para cada uma delas".
Dada a fixação dos honorários em um percentual mínimo e considerando que a redução pretendida pela Autarquia Previdenciária contrariaria os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, deve-se manter os honorários advocatícios sucumbenciais estabelecidos na sentença. Incidência do Tema 1076/STJ.
CONCLUSÃO
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação do INSS, nos termos acima explicitados.
Honorários advocatícios majorados na fase recursal em R$2.000,00 (dois mil reais), além do montante já fixado pelo Juízo de origem (art. 85, §11, CPC).
É como voto.
Desembargador Federal MARCELO ALBERNAZ
Relator

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 03 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1000880-80.2018.4.01.3200
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
APELADO: JOAO WALCY GOMES DA SILVA
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE AMPARO SOCIAL À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. IRREGULARIDADE NO DEFERIMENTO. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. MÁ-FÉ NÃO COMPROVADA. TEMA 979 DO STJ. MODULAÇÃO DOS EFEITOS. ENCARGOS MORATÓRIOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. APELAÇÃO DO INSS DESPROVIDA.
1. A matéria controvertida versa sobre a inexigibilidade de reposição ao erário de valores pagos, em razão do recebimento indevido de benefício assistencial.
2. Na situação em análise, a parte autora obteve benefício assistencial no intervalo compreendido entre agosto de 2002 a dezembro de 2016, apesar de o Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) evidenciar a existência de vínculo empregatício a partir de 01/03/2010. Em decorrência da revisão administrativa, o INSS enviou o Ofício n. 195/2016, comunicando a identificação de indícios de irregularidades relacionadas ao recebimento dos valores do benefício durante os períodos de 25/03/2008 a 01/06/2010 e de 11/07/2011 a 31/10/2012, totalizando o montante de R$ 68.396,88 (sessenta e oito mil trezentos e noventa e seis reais e oitenta e oito centavos). Importa ressaltar que não existem evidências de fornecimento de informações inverídicas por parte do beneficiário.
3. A jurisprudência tem manifestado a orientação de que seria preciso avaliar a aptidão do segurado "para compreender, de forma inequívoca, a irregularidade do pagamento", tal como decidiu o Ministro Benedito Gonçalves, no julgamento do REsp 1381734/RN, Rel. Primeira Seção, julgado em 10/03/2021, DJe 23/04/2021.
4. A continuidade do recebimento do benefício, concedido licitamente, sem prova de afirmação de fato inverídico pelo beneficiário destinada a evitar sua revogação, não afasta a boa-fé no caso concreto. Para o cidadão comum, é razoável acreditar que a continuidade do pagamento de um benefício concedido licitamente, sem revogação pelo INSS, indica a licitude dos pagamentos.
5. A má-fé necessita de comprovação. Em outras palavras, é essencial demonstrar a má-fé do beneficiário ou, inversamente, refutar a boa-fé da pessoa que alegadamente recebeu de forma indevida determinado benefício previdenciário. Nesse sentido, o INSS não demonstrou, de forma inequívoca, a má-fé da segurada. Deveria ter feito isso na esfera administrativa, inclusive para possibilitar a aplicação da teoria dos motivos determinantes.
6. Tendo em vista a modulação dos efeitos aplicada pelo STJ no Tema n. 979 e ante a ausência de comprovação de má-fé, verifica-se que, no caso dos autos, é indevida a cobrança dos valores pagos como benefício assistencial irregularmente concedido.
7. As parcelas vencidas devem ser acrescidas de correção monetária pelo INPC e juros moratórios nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal, que se encontra atualizado nos termos do julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 870.947-SE em sede de repercussão geral (Tema 810) e pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.495.146/MG (Tema 905).
8. Dada a fixação dos honorários em um percentual mínimo e considerando que a redução pretendida pela Autarquia Previdenciária contrariaria os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, deve-se manter os honorários advocatícios sucumbenciais estabelecidos na sentença. Incidência do Tema 1076/STJ.
9. Apelação do INSS desprovida.
ACÓRDÃO
Decide a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS, nos termos do voto do Relator.
Brasília/DF.
Desembargador Federal MARCELO ALBERNAZ
Relator
