
POLO ATIVO: WALDENICE DE MATTOS PEREIRA
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: ROQUE PIRES DA ROCHA FILHO - MT9870-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR(A):EDUARDO MORAIS DA ROCHA

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 01 - DESEMBARGADOR FEDERAL MORAIS DA ROCHA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) n. 1019104-68.2020.4.01.9999
R E L A T Ó R I O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MORAIS DA ROCHA (RELATOR):
1. A parte autora propôs ação de procedimento comum contra o INSS, a fim de obter a o restabelecimento de benefício de prestação continuada à pessoa idosa desde a data da cessação do benefício.
2. Sentença prolatada pelo MM. Juiz a quo julgando improcedentes os pedidos.
3. Apela a parte autora, sustentando, em síntese, que o restou provado pela perícia socioeconômica, a parte Apelante se encontra em situação de miserabilidade, haja vista que a renda auferida não é capaz de suportar as despesas mais básicas da família.
É o breve relatório.
Desembargador Federal MORAIS DA ROCHA
Relator

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 01 - DESEMBARGADOR FEDERAL MORAIS DA ROCHA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) n. 1019104-68.2020.4.01.9999
V O T O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MORAIS DA ROCHA (RELATOR):
1. Segundo os termos do Enunciado Administrativo n. 3/STJ, aprovado pelo Plenário da Corte na sessão de 9/3/2016: “Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.”
2. A sentença recorrida, no ponto objeto da controvérsia recursal, se fundamenta, em síntese, no seguinte: “Contudo, anoto que, conforme o estudo social realizado, a Autora possui um carro modelo Palio/2001, recebido através de uma doação de seu ex-patrão da Material de Construção Castelo. Assinalo, ainda, que quanto ao requisito relacionado a miserabilidade, verifico que no que concerne a descrição da casa em que mora, esta é própria, possuindo seis cômodos, sendo qualificada como confortável, tendo mobílias antigas porém suficientes para suprir as necessidades da família. Ademais, percebo que seu esposo o Sr. José Martins Pereira percebe o valor de um salário mínimo todo mês, oriundo do benefício de aposentadoria por invalidez, ressalto que no imóvel residem apenas a Autora e seu companheiro. No caso em tela, tenho que em que pese a Autora preencher o requisito etário, não demonstrou de forma clara a condição de miserabilidade”.
3. Compulsando os autos, verifico, no laudo sócio econômico às fls. 20/27 do doc de ID 71311604, constam as seguintes informações objetivas que são pertinentes ao deslinde da controvérsia recursal: a) a renda bruta do grupo familiar era de R$ 998 ( novecentos e noventa e oito reais) em 15/03/2019 ( data do laudo pericial socioeconômico); b) Os gastos com Energia, água, alimentação, gás de cozinha, transporte, Telefone, Medicação e Plano de Saúde somam o total de R$ 773,00 ( setecentos e setenta e três reais); c) A expert constituída pelo juízo conclui o seu laudo pericial, dizendo, textualmente, o seguinte: “Ressaltamos que a renda per capita do núcleo familiar estudado é acima do previsto no § 3º do Art. 20 da Lei nº lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, a qual seja, inferior a ¼ do salário mínimo vigente, se considerarmos a Aposentadoria do Srº José Martins, esposo, para efeito de cálculo da renda per capita familiar, do contrário, a renda encontra -se abaixo do previsto. Convêm -se que a aferição da renda per capita é um elemento objetivo da necessidade, cabendo ao magistrado decidir o caso em tela, conforme os dados apresentados”.
4. O STJ, no julgamento do Tema Repetitivo 640, REsp 1.355.052/SP, fixou a seguinte tese: “Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93”(grifamos). Só por isso, no caso concreto, a parte autora já se enquadraria no aspecto objetivo legal da renda per capita de ¼ do salário mínimo.
5. Mesmo que se computasse o salário mínimo do esposo da autora no cálculo, considerando o grupo familiar composto por 2 pessoas, a renda per capita seria de de ½ salário mínimo ( considerando o salário vigente em 2019).
6. Quanto ao critério objetivo da renda per capita, o autor estava, portanto, enquadrado no critério de miserabilidade, consoante a interpretação do Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento da Reclamação nº 4.374/PE, na qual se reconheceu que teria ocorrido um processo de inconstitucionalização da regra estabelecida no art. 20, § 3º, da LOAS, em razão das mudanças políticas, econômicas, sociais e jurídicas ocorridas no Brasil nos 20 anos seguintes à publicação da Lei.
7. Da leitura do voto do Ministro Relator, Gilmar Mendes (Reclamação nº 4.374/PE), é possível extrair que o reconhecimento de inconstitucionalidade superveniente da norma decorreu da compreensão de que o critério legal de ¼ do salário mínimo seria insuficiente para identificar os casos de miserabilidade que a Constituição e a Lei se propunham a combater. Assim, o STF não afastou o critério objetivo para apuração da miserabilidade da família, mas permitiu que critérios objetivos outros (½ SM de renda per capita, por exemplo) e, sequencialmente (caso não se conseguisse apurar a miserabilidade por aquele critério), os subjetivos que conseguissem demonstrar a miserabilidade real (há casos em que a renda per capita supera o critério objetivo, mas os critérios subjetivos denotam a presença da miserabilidade).
8. Entretanto, apesar da evidente ratio protetiva contida naquela decisão da Suprema Corte, a inconstitucionalidade do critério legal passou, então, a ser defendida de forma distorcida pelo INSS, tal como no caso em estudo e tal defesa vem sendo, equivocadamente, convalidada por alguns juízes de primeiro grau.
9. Como ilustrado por Sabrina Nunes Vieira et al. (2019), em trabalho publicado na Revista Nacional da Defensoria Pública da União: “Dados até então meramente acidentais constantes dos laudos socioeconômicos juntados às demandas, passaram a ser apontados como fundamento principal para indeferimento de benefícios. A renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo deixaria de ser indicador seguro da miserabilidade para se tornar, segundo as conjecturas do INSS, mero dado a ser considerado em cotejo com outras informações sobre a realidade socioeconômica familiar. Logo, a autarquia previdenciária passou a apontar elementos dos mais variados como o estado de conservação da residência, a existência de eletrodomésticos, o fato de se tratar de imóvel de grandes dimensões, ainda que em péssimo estado de conservação, além de muitos outros, como indicadores da mais alta relevância para fins de avaliação da situação socioeconômica familiar, mesmo para aqueles cuja renda per capita era inferior a 1/4 do salário mínimo” (VIEIRA, Sabrina Nunes et al. Considerações sobre a presunção absoluta de miserabilidade na LOAS: uma análise à luz da tese definida no IRDR 5013036-79.2017. 4.04. 0000/RS julgado pelo TRF da 4ª Região. Revista da Defensoria Pública da União, n. 12, p. 275-293, 2019, grifamos).
10. Nesse contexto, inclusive, o Superior Tribunal de Justiça, no entendimento firmado por ocasião do julgamento do REsp 1.112.557/MG, sob a sistemática dos recursos repetitivos, Tema 185, reconhece, expressamente, que a renda per capita inferior ao critério objetivo legal (¼ do salário mínimo) deve ser usada como suficiente, quando verificada a exigência legal, obstando o avanço para critérios subjetivos nesses casos (STJ - REsp: 1112557 MG 2009/0040999-9, Relator: Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Data de Julgamento: 28/10/2009, S3 - TERCEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 20/11/2009 RSTJ vol. 217 p. 963, grifamos)
11. Não foi por outro motivo, senão pela inteligência jurisprudencial ditada pelo STJ e pelo STF, que o próprio legislador ordinário previu a aplicação do critério objetivo de 1/2 salário mínimo de renda per capita para demonstração da miserabilidade por meio de regulamentação pelo INSS ( o que seria contributivo para redução da litigiosidade), tal como dispõe o Art. 20, §11-A. da Lei 8.742/93 ( LOAS): " § 11-A. O regulamento de que trata o § 11 deste artigo poderá ampliar o limite de renda mensal familiar per capita previsto no § 3º deste artigo para até 1/2 (meio) salário-mínimo, observado o disposto no art. 20-B desta Lei".
12. Sendo assim, equivocada a interpretação do juizo primevo quando avança para critérios subjetivos, tais como: a) Quantidade de cômodos da residência; b) existência de boas mobílias no imóvel de residência (não há qualquer restrição do tipo na Lei 8.742/93); c) propriedade de carro antigo (ano de 2001), fruto de doação, quando já se tinha aferido a miserabilidade pelo critério objetivo da renda per capita. Não é demais lembrar a máxima de que "Onde o legislador não distingue, não cabe ao intérprete fazê-lo, muito menos para adotar óptica que acabe por prejudicar aquele a quem o preceito visa a proteger". (citação a trecho de voto contido no AG. REG. no RE 547.900, /MG, Rel. Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, DJe 15/02/2012).
13. Nos casos em que o valor da renda per capita familiar supera ½ salário mínimo, a análise subjetiva deve ser feita para verificar se as condições pessoais (devido aos gastos familiares) não reduzem a capacidade da família de prover o seu sustento de forma digna e não para fazer ilações e conjecturas sobre a existência de mobiliários e eletrodomésticos como forma de apontar (de forma indiciária) eventual má-fé na declaração sobre a renda familiar verificada. Não é demais lembrar que a boa-fé se presume a má-fé deve ser provada (Precedente: AgInt nos EDcl no REsp: 1745782 PR 2018/0134778-6, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 13/11/2018, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 29/11/2018).
14. É possível, pois, afirmar que uma pessoa que um dia possuiu uma boa condição de vida, pode ter ficado miserável (sem uma renda familiar razoável para se viver dignamente na velhice). Não é o caso dos autos, uma vez que a descrição da residência contida no laudo sócio econômico produzido nos autos do processo (fls. 20/27 do doc de ID 71311604), demonstra simplicidade condizente com um padrão de vida sem muitos luxos, apenas com o razoável para uma vida digna. Há informação, inclusive, de que a casa está localizada em área de risco de desabamento ou alagamento.
15. Conquanto se possa discutir aspectos teleológicos da LOAS, o caso dos autos se resume ao contexto eminentemente probatório: o Estudo sócio econômico realizado revelou a renda per capita inferior a 1/4 salário mínimo, critério objetivo de aferição da miserabilidade, considerando que a renda de um salário mínimo do esposo da autora (idoso) não entra no cálculo da renda per capita. Mas mesmo que se não se ecluísse aquela renda, ainda assim a autora estaria contemplada quanto ao critério objetivo de ½ salário mínimo, consoante a jurisprudência dos Tribunais Superiores.
16. Ainda que se avançasse para critérios subjetivos, mas de forma correta, dever-se-ia levar em conta os gastos familiares com gastos com Energia, água, alimentação, gás de cozinha, transporte, Telefone, Medicação e Plano de Saúde, os quais somam o total de R$ 773,00 (setecentos e setenta e três reais) , conforme consta no laudo socioeconômico às fls. 20/27 do doc de ID 71311604 e não a existência de mobiliário e veículo automotor antigo ( fruto de doação) . As conjecturas e ilações, nas decisões judiciais relacionadas a concessão de benefícios assistenciais às pessoas em vulnerabilidade social, devem ser rechaçadas para que não se anule a máxima de que a boa-fé se presume e má fé deve ser provada.
17. Acaso o benefício assistencial tenha sido reconhecido na via administrativa, tal como informado na petição de ID 268535544, ainda assim há interesse processual para fixação da DIB na primeira DER, constante nestes autos, com pagamento das parcelas pretéritas desde àquela data.
18. Correção monetária e juros nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal.
19. Honorários de advogado fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor das prestações devidas até a data da prolação deste acórdão.
20. Em face do exposto, dou provimento à apelação.
É o voto
Desembargador Federal MORAIS DA ROCHA
Relator

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 01 - DESEMBARGADOR FEDERAL MORAIS DA ROCHA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1019104-68.2020.4.01.9999
RELATOR: Des. MORAIS DA ROCHA
APELANTE: WALDENICE DE MATTOS PEREIRA
Advogado do(a) APELANTE: ROQUE PIRES DA ROCHA FILHO - MT9870-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
E M E N T A
BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA AO IDOSO. CRITÉRIO DE APURAÇÃO DA RENDA FAMILIAR. IMPOSSIBILIDADE DE AVANÇO PARA CRITÉRIOS SUBJETIVOS QUANDO O CRITÉRIO OBJETIVO JÁ PERMITE A VERIFICAÇÃO DA MISERABILIDADE. INTERPRETAÇÃO DA EXEGESE CONTIDA POR OCASIÃO DO JULGAMENTO DA RECLAMAÇÃO AO STF Nº 4.374/PE E DO TEMA REPETITIVO 185 DO STJ. ESTUDO SÓCIO ECONÔMICO. PROVA QUE DEMONSTRA A MISERABILIDE PELO CRITÉRIO OBJETIVO DA RENDA PER CAPITA. RENDA DE SALÁRIO MÍNIMO DE IDOSO NÃO ENTRA NO CALCULO DA RENDA PER CAPITA. APELAÇÃO PROVIDA.
1. Segundo os termos do Enunciado Administrativo n. 3/STJ, aprovado pelo Plenário da Corte na sessão de 9/3/2016: “Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.”
2. A sentença recorrida, no ponto objeto da controvérsia recursal, se fundamenta, em síntese, no seguinte: “Contudo, anoto que, conforme o estudo social realizado, a Autora possui um carro modelo Palio/2001, recebido através de uma doação de seu ex-patrão da Material de Construção Castelo. Assinalo, ainda, que quanto ao requisito relacionado a miserabilidade, verifico que no que concerne a descrição da casa em que mora, esta é própria, possuindo seis cômodos, sendo qualificada como confortável, tendo mobílias antigas, porém suficientes para suprir as necessidades da família. Ademais, percebo que seu esposo o Sr. José Martins Pereira percebe o valor de um salário mínimo todo mês, oriundo do benefício de aposentadoria por invalidez, ressalto que no imóvel residem apenas a Autora e seu companheiro. No caso em tela, tenho que em que pese a Autora preencher o requisito etário, não demonstrou de forma clara a condição de miserabilidade”.
3. Compulsando os autos, verifico, no laudo sócio econômico às fls. 20/27 do doc de ID 71311604, constam as seguintes informações objetivas que são pertinentes ao deslinde da controvérsia recursal: a) a renda bruta do grupo familiar era de R$ 998 ( novecentos e noventa e oito reais) em 15/03/2019 ( data do laudo pericial socioeconômico); b) Os gastos com Energia, água, alimentação, gás de cozinha, transporte, Telefone, Medicação e Plano de Saúde somam o total de R$ 773,00 ( setecentos e setenta e três reais); c) A expert constituída pelo juízo conclui o seu laudo pericial, dizendo, textualmente, o seguinte: “Ressaltamos que a renda per capita do núcleo familiar estudado é acima do previsto no § 3º do Art. 20 da Lei nº lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, a qual seja, inferior a ¼ do salário mínimo vigente, se considerarmos a Aposentadoria do Srº José Martins, esposo, para efeito de cálculo da renda per capita familiar, do contrário, a renda encontra -se abaixo do previsto. Convêm -se que a aferição da renda per capita é um elemento objetivo da necessidade, cabendo ao magistrado decidir o caso em tela, conforme os dados apresentados”.
4. O STJ, no julgamento do Tema Repetitivo 640, REsp 1.355.052/SP, fixou a seguinte tese: “Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93”(grifos nossos). Só por isso, no caso concreto, a parte autora já se enquadraria no aspecto objetivo legal da renda per capita de ¼ do salário mínimo.
5. Mesmo que se computasse o salário mínimo do esposo da autora no cálculo, considerando o grupo familiar composto por 2 pessoas, a renda per capita seria de de ½ salário mínimo ( considerando o salário vigente em 2019).
6. Quanto ao critério objetivo da renda per capita, o autor estava, portanto, enquadrado no critério de miserabilidade, consoante a interpretação do Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento da Reclamação nº 4.374/PE, na qual se reconheceu que teria ocorrido um processo de inconstitucionalização da regra estabelecida no art. 20, § 3º, da LOAS, em razão das mudanças políticas, econômicas, sociais e jurídicas ocorridas no Brasil nos 20 anos seguintes à publicação da Lei.
7. Da leitura do voto do Ministro Relator, Gilmar Mendes (Reclamação nº 4.374/PE), é possível extrair que o reconhecimento de inconstitucionalidade superveniente da norma decorreu da compreensão de que o critério legal de ¼ do salário mínimo seria insuficiente para identificar os casos de miserabilidade que a Constituição e a Lei se propunham a combater. Assim, o STF não afastou o critério objetivo para apuração da miserabilidade da família, mas permitiu que critérios objetivos outros (½ SM de renda per capita, por exemplo) e, sequencialmente (caso não se conseguisse apurar a miserabilidade por aquele critério), os subjetivos que conseguissem demonstrar a miserabilidade real (há casos em que a renda per capita supera o critério objetivo, mas os critérios subjetivos denotam a presença da miserabilidade).
8. Entretanto, apesar da evidente ratio protetiva contida naquela decisão da Suprema Corte, a inconstitucionalidade do critério legal passou, então, a ser defendida de forma distorcida pelo INSS, tal como no caso em estudo e tal defesa vem sendo, equivocadamente, convalidada por alguns juízes de primeiro grau.
9. Como ilustrado por Sabrina Nunes Vieira et al. (2019), em trabalho publicado na Revista Nacional da Defensoria Pública da União: “Dados até então meramente acidentais constantes dos laudos socioeconômicos juntados às demandas, passaram a ser apontados como fundamento principal para indeferimento de benefícios. A renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo deixaria de ser indicador seguro da miserabilidade para se tornar, segundo as conjecturas do INSS, mero dado a ser considerado em cotejo com outras informações sobre a realidade socioeconômica familiar. Logo, a autarquia previdenciária passou a apontar elementos dos mais variados como o estado de conservação da residência, a existência de eletrodomésticos, o fato de se tratar de imóvel de grandes dimensões, ainda que em péssimo estado de conservação, além de muitos outros, como indicadores da mais alta relevância para fins de avaliação da situação socioeconômica familiar, mesmo para aqueles cuja renda per capita era inferior a 1/4 do salário mínimo” (VIEIRA, Sabrina Nunes et al. Considerações sobre a presunção absoluta de miserabilidade na LOAS: uma análise à luz da tese definida no IRDR 5013036-79.2017. 4.04. 0000/RS julgado pelo TRF da 4ª Região. Revista da Defensoria Pública da União, n. 12, p. 275-293, 2019, grifamos).
10. Nesse contexto, inclusive, o Superior Tribunal de Justiça, no entendimento firmado por ocasião do julgamento do REsp 1.112.557/MG, sob a sistemática dos recursos repetitivos, Tema 185, reconhece, expressamente, que a renda per capita inferior ao critério objetivo legal (¼ do salário mínimo) deve ser usada como suficiente, quando verificada a exigência legal, obstando o avanço para critérios subjetivos nesses casos (STJ - REsp: 1112557 MG 2009/0040999-9, Relator: Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Data de Julgamento: 28/10/2009, S3 - TERCEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 20/11/2009 RSTJ vol. 217 p. 963, grifamos)
11. Não foi por outro motivo, senão pela inteligência jurisprudencial ditada pelo STJ e pelo STF, que o próprio legislador ordinário previu a aplicação do critério objetivo de 1/2 salário mínimo de renda per capita para demonstração da miserabilidade por meio de regulamentação pelo INSS ( o que seria contributivo para redução da litigiosidade), tal como dispõe o Art. 20, §11-A. da Lei 8.742/93 ( LOAS): " § 11-A. O regulamento de que trata o § 11 deste artigo poderá ampliar o limite de renda mensal familiar per capita previsto no § 3º deste artigo para até 1/2 (meio) salário-mínimo, observado o disposto no art. 20-B desta Lei".
12. Sendo assim, equivocada a interpretação do juizo primevo quando avança para critérios subjetivos, tais como: a) Quantidade de cômodos da residência; b) existência de boas mobílias no imóvel de residência (não há qualquer restrição do tipo na Lei 8.742/93); c) propriedade de carro antigo (ano de 2001), fruto de doação, quando já se tinha aferido a miserabilidade pelo critério objetivo da renda per capita. Não é demais lembrar a máxima de que "Onde o legislador não distingue, não cabe ao intérprete fazê-lo, muito menos para adotar óptica que acabe por prejudicar aquele a quem o preceito visa a proteger". (citação a trecho de voto contido no AG. REG. no RE 547.900, /MG, Rel. Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, DJe 15/02/2012).
13. Nos casos em que o valor da renda per capita familiar supera ½ salário mínimo, a análise subjetiva deve ser feita para verificar se as condições pessoais (devido aos gastos familiares) não reduzem a capacidade da família de prover o seu sustento de forma digna e não para fazer ilações e conjecturas sobre a existência de mobiliários e eletrodomésticos como forma de apontar (de forma indiciária) eventual má-fé na declaração sobre a renda familiar verificada. Não é demais lembrar que a boa-fé se presume a má-fé deve ser provada (Precedente: AgInt nos EDcl no REsp: 1745782 PR 2018/0134778-6, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 13/11/2018, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 29/11/2018).
14. É possível, pois, afirmar que uma pessoa que um dia possuiu uma boa condição de vida, pode ter ficado miserável (sem uma renda familiar razoável para se viver dignamente na velhice). Não é o caso dos autos, uma vez que a descrição da residência contida no laudo sócio econômico produzido nos autos do processo (fls. 20/27 do doc de ID 71311604), demonstra simplicidade condizente com um padrão de vida sem muitos luxos, apenas com o razoável para uma vida digna. Há informação, inclusive, de que a casa está localizada em área de risco de desabamento ou alagamento.
15. Conquanto se possa discutir aspectos teleológicos da LOAS, o caso dos autos se resume ao contexto eminentemente probatório: o Estudo sócio econômico realizado revelou a renda per capita inferior a 1/4 salário mínimo, critério objetivo de aferição da miserabilidade, considerando que a renda de um salário mínimo do esposo da autora (idoso) não entra no cálculo da renda per capita. Mas mesmo que se não se ecluísse aquela renda, ainda assim a autora estaria contemplada quanto ao critério objetivo de ½ salário mínimo, consoante a jurisprudência dos Tribunais Superiores.
16. Ainda que se avançasse para critérios subjetivos, mas de forma correta, dever-se-ia levar em conta os gastos familiares com gastos com Energia, água, alimentação, gás de cozinha, transporte, Telefone, Medicação e Plano de Saúde, os quais somam o total de R$ 773,00 (setecentos e setenta e três reais) , conforme consta no laudo socioeconômico às fls. 20/27 do doc de ID 71311604 e não a existência de mobiliário e veículo automotor antigo ( fruto de doação) . As conjecturas e ilações, nas decisões judiciais relacionadas a concessão de benefícios assistenciais às pessoas em vulnerabilidade social, devem ser rechaçadas para que não se anule a máxima de que a boa-fé se presume e má fé deve ser provada.
17. Acaso o benefício assistencial tenha sido reconhecido na via administrativa, tal como informado na petição de ID 268535544, ainda assim há interesse processual para fixação da DIB na primeira DER, constante nestes autos, com pagamento das parcelas pretéritas desde àquela data.
18. Correção monetária e juros, nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal.
19. Honorários de advogado fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor das prestações devidas até a data da prolação deste acórdão.
20. Apelação provida.
A C Ó R D Ã O
Decide a Primeira Turma, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator.
Brasília/DF, data da sessão de julgamento.
Desembargador Federal MORAIS DA ROCHA
