
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:ROBERTO CARLOS BATISTA CORDEIRO
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: DANIELA ZORZIN DE CARVALHO - GO55071
RELATOR(A):NILZA MARIA COSTA DOS REIS

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728)1024044-71.2023.4.01.9999
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS (RELATORA):
Trata-se de apelação interposta pelo INSS de sentença na qual a aludida autarquia foi condenada a conceder à parte autora o benefício de aposentadoria por idade, de trabalhador rural, bem como a efetivar o pagamento das parcelas vencidas (fls. 179/183).
A sentença foi submetida ao reexame necessário.
Na apelação, o INSS argui a necessidade de recebimento do recurso no duplo efeito. Quanto ao mérito, sustenta que não foram demonstrados os requisitos para a concessão do benefício, com dois fundamentos: a) devem prevalecer as conclusões de âmbito administrativo, as quais indicam que não há impedimento para o trabalho; e b) o autor não é segurado especial, pois a renda principal do núcleo familiar advém de rendimentos decorrentes de atividade urbana (fls. 189/197).
Foram apresentadas contrarrazões.
É o relatório.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
VOTO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS (RELATORA):
O recurso reúne os requisitos de admissibilidade, merecendo ser conhecido.
Não cabimento da remessa necessária
A sentença, proferida na vigência do Código de Processo Civil de 2015, não está sujeita à remessa oficial, tendo em vista que a condenação nela imposta não tem o potencial de ultrapassar o limite de mil salários mínimos previsto no art. 496, § 3º, inciso I, do aludido diploma normativo (REsp 1.735.097/RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 11/10/2019, AREsp nº 1.712.101/RJ, Segunda Turma, julg. 22/09/2020).
Erro material na sentença
Inicialmente, registro a ocorrência de erro material na sentença recorrida.
Com efeito, embora no dispositivo o D. Juízo tenha determinado o pagamento do benefício de aposentadoria por idade, fundamentou a sua decisão como se tratasse de benefício por incapacidade permanente, prestação realmente postulada e devida nos autos.
A esse respeito, considerando as provas constantes nos autos, verifico que o Magistrado de primeiro grau incorreu em evidente erro material ao fazer constar no dispositivo da sentença a concessão do benefício de aposentadoria por idade, quando, na realidade, trata-se de deferimento de aposentadoria por invalidez.
Dessa forma, passo a apreciar o recurso considerando que se trata do deferimento do benefício de aposentadoria por invalidez.
Mérito
Os benefícios por incapacidade estão previstos nos artigos 42 e 59 da Lei n. 8.213/91, in verbis:
Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.
........
Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 dias consecutivos.
Dessa forma, os requisitos para a concessão dos benefícios por incapacidade são: 1) a qualidade de segurado; 2) o cumprimento do período de carência de doze contribuições mensais, quando necessário, e 3) a incapacidade para o trabalho, de caráter permanente e total (aposentadoria por invalidez) ou de forma temporária ou parcial (auxílio-doença).
Ademais, o deferimento dos benefícios por incapacidade pressupõe a identificação, por meio de exame médico-pericial, da total impossibilidade de o segurado exercer atividade que garanta a sua subsistência.
Quanto aos segurados especiais, o art. 39, inciso I, da Lei n. 8.213/91 dispõe que fica garantida a concessão “de aposentadoria por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão ou de pensão, no valor de 1 (um) salário mínimo, e de auxílio-acidente, conforme disposto no art. 86 desta Lei, desde que comprovem o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido [...]”.
Período de carência. O requisito de carência deve ser cumprido em período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, consoante decidido pelo Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso repetitivo (Tema 642), cuja tese ficou assim redigida: “O segurado especial tem que estar laborando no campo quando completar a idade mínima para se aposentar por idade rural, momento em que poderá requerer o benefício. Ressalvada a hipótese do direito adquirido, em que o segurado especial, embora não tenha requerido sua aposentadoria por idade rural, preenchera de forma concomitante, no passado, ambos os requisitos carência e idade” (REsp 1.354.908 SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/09/2015, DJe 10/02/2016).
Regime de economia familiar. Considera-se trabalho rural em regime de economia familiar, conforme dispõe o art. 11, § 1º, da Lei n. 8.213/91, “a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes”.
Início de prova material. Para fins de reconhecimento do tempo rural, conquanto não se admita a prova exclusivamente testemunhal (STJ, Súmula 149), não é necessário que a prova documental cubra todo o período de carência, de forma que pode ser estendida para tempo anterior ou posterior ao que especificamente se refira, desde que contemporânea à época dos fatos a comprovar (TNU, Súmula 34).
Ademais, é pacífica a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o rol previsto no art. 106 da Lei n. 8.213/91 é meramente exemplificativo (AgRG no REsp 1073730/CE), sendo admissíveis, portanto, outros documentos hábeis à comprovação do exercício da atividade rural, nos quais esteja especificada a profissão da parte autora ou de seu cônjuge ou companheiro como trabalhador rural.
O caso em exame
A parte autora ajuizou a ação em 09/06/2022, postulando a concessão de benefício por incapacidade, tendo formulado o requerimento administrativo em 17/07/2020 (fl. 160).
Para a comprovação da qualidade de segurado especial e da carência, foram apresentados os seguintes documentos: a) CTPS do autor, contendo registros de emprego rural de 03/1988 a 09/1990 e na atividade de servente em construção civil, de 10/1998 a 03/1999 (fls. 13/15); b) contrato de concessão de uso de imóvel rural, firmado entre o autor e sua esposa – como beneficiários – e o INCRA, de acordo com o qual ocupam terras rurais e exercem o labor campesino, com a data de 25/02/2016 (fls. 19/20).
Com a sua apelação, o INSS apresentou extrato do CNIS da esposa do autor, que comprova que o referido cônjuge foi empregada ou agente público dos Municípios de São Miguel do Araguaia-GO e Novo Planalto-GO, nos períodos de 01/2009 a 12/2012, 05/2017 a 12/2020 e de 01/2021 a 07/2023, auferindo rendimentos em 2023 na casa dos dois mil reais. Também verteu recolhimentos como contribuinte individual em 04/2022 (fl. 194).
Em assim sendo, deve-se ter por descaracterizado o início de prova material anterior, em vista da demonstração de que passou a companheira a exercer atividade urbana, por longo período, indicativa de que a renda da atividade campesina não é vital para o sustento da família.
O enquadramento como segurado especial, em regime de economia familiar, pressupõe que o trabalho rural seja indispensável à manutenção da própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar, o que não ocorre no caso dos autos.
Com efeito, é indevida a aposentadoria por invalidez, de trabalhador rural, ainda que sejam apresentados documentos em nome próprio, quando a renda principal da família é proveniente de atividade urbana exercida pelo cônjuge, de modo a descaracterizar o regime de economia familiar (Precedente: STJ Ag REsp 88.596 SP).
Nos termos do inciso I do § 9º do art. 11 da Lei n. 8.213, não é segurado especial o membro de grupo familiar que possuir outra fonte de rendimento, exceto se decorrente de benefício de pensão por morte, auxílio-acidente ou auxílio-reclusão, cujo valor não supere o do menor benefício de prestação continuada da Previdência Social.
Nesse contexto, não havendo início de prova material suficiente para embasar o pedido, não é possível a concessão do benefício, uma vez que fundamentado em prova exclusivamente testemunhal.
Em caso semelhante, assim decidiu esta corte em ocasiões anteriores, como se vê pelo seguinte precedente:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. QUALIDADE DE SEGURADO ESPECIAL NÃO DEMONSTRADA. AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL EM NOME PRÓPRIO. ATIVIDADE URBANA DO AUTOR E SEU CÔNJUGE. APELAÇÃO PROVIDA. 1. Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS contra a sentença que, julgando procedente o pedido de concessão de aposentadoria por idade (segurado especial), condenou a Autarquia à implantação do benefício. 2. No caso concreto, o Autor completou 60 anos em 2017, exigindo-se, portanto, o período de carência correspondente a 180 meses, a começar de 2002. Foram colacionados aos autos, com o fim de comprovar a sua qualidade de segurado/carência, apenas um documento em nome da sua esposa, consubstanciado na escritura pública de inventário e partilha de área rural deixada pelo genitor para a meeira e demais herdeiros. 3. O Demandante, além de não possuir prova em nome próprio, possui vínculos urbanos no CNIS em construtora e em supermercado. Consta, ainda, na sua certidão de casamento, informação de que a sua profissão é de açougueiro. Ademais, as anotações do CNIS do seu cônjuge demonstram histórico longo de atividade urbana, como empregada, inicialmente, passando a empresária/empregadora por 3 anos e, após, como servidora do Município de Paranaiguara, desde 01/03/81, com última remuneração em 12/2017, no valor de R$ 3.913,07 (três mil, novecentos e treze reais e sete centavos). Ademais, a prova testemunhal não foi convincente quanto ao exercício de atividade rural em regime de economia familiar pelo Autor. 4. Não havendo início de prova material de atividade rural em nome próprio e ficando a documentação inicial do seu cônjuge superada pela demonstração de trabalho urbano, inclusive pela próprio Suplicante, impõe-se a reforma da sentença, eis que não faz jus ao benefício de aposentadoria por idade, na qualidade de segurado especial. 5. Havendo inversão do ônus de sucumbência, os honorários advocatícios ficam arbitrados em 10% sobre o valor da causa, ficando a execução condicionada à prova da superação da miserabilidade ensejadora da gratuidade de justiça, e ao limite temporal previsto no art. 98, §3º, do Código de Processo Civil. 6. Apelação provida, para julgar improcedente o pedido de aposentadoria por idade rural.(AC 1028316-16.2020.4.01.9999, DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ALVES DE SOUZA, TRF1 - PRIMEIRA TURMA, PJe 02/07/2021 PAG.)
Assim, apesar de ter sido constatada a incapacidade laboral (fls. 143/147), não foram apresentados documentos suficientes para a comprovação da qualidade de segurado especial, não tendo sido produzido início razoável de prova material a respeito da atividade rural.
Finalmente, devo registrar que no julgamento do REsp 1352721/SP, em sede de recurso repetitivo, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que “A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa” (REsp n. 1.352.721/SP, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Corte Especial, julgado em 16/12/2015, DJe de 28/4/2016.).
Com esses fundamentos, e de ofício, julgo extinto o processo, sem resolução do mérito, com base no art. 485, inciso IV, do Código de Processo Civil, e declaro prejudicada a apelação interposta pelo INSS.
Fixo os honorários advocatícios recursais em quantia equivalente a 1% (um por cento) do valor atualizado da causa, ficando suspensa a exigibilidade, por se cuidar de beneficiário da gratuidade da justiça (fl. 42).
É o voto.
Brasília, 19 de junho de 2024.
Desembargadora Federal NILZA REIS
Relatora

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 27 - Desembargadora Federal Nilza Reis
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728)1024044-71.2023.4.01.9999
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
ROBERTO CARLOS BATISTA CORDEIRO
Advogado do(a) APELADO: DANIELA ZORZIN DE CARVALHO - GO55071
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. SENTENÇA CONCEDEU APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADOR RURAL. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL DO LABOR CAMPESINO DURANTE O PERÍODO DE CARÊNCIA LEGAL. VÍNCULOS URBANOS EM NOME DO CÔNJUGE. IMPOSSIBILIDADE DE DEFERIMENTO DO BENEFÍCIO. PROCESSO EXTINTO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO.
1. São requisitos para a concessão dos benefícios por incapacidade: 1) a qualidade de segurado; 2) o cumprimento do período de carência de 12 contribuições mensais, quando necessário, e 3) a incapacidade para o trabalho, de caráter permanente e total (aposentadoria por invalidez) ou de forma temporária ou parcial (auxílio-doença).
2. Não tendo sido apresentado início de prova material suficiente para a comprovação do exercício da atividade rural pelo período de carência exigido em lei, e sendo a prova testemunhal insuficiente, não se configura o direito ao benefício previdenciário de aposentadoria por invalidez.
3. É indevida a aposentadoria por invalidez, de trabalhador rural, ainda que sejam apresentados documentos em nome próprio, quando a renda principal da família é proveniente de atividade urbana exercida pelo cônjuge, de modo a descaracterizar o regime de economia familiar (Precedente: STJ Ag REsp 88.596 SP).
4. No julgamento do REsp 1352721/SP, em sede de recurso repetitivo, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que, nas ações previdenciárias, a ausência de prova a instruir a inicial implica o reconhecimento de ausência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem apreciação do mérito, podendo o autor ajuizar novamente a ação desde que reunidos novos elementos probatórios.
5. Processo julgado extinto sem apreciação do mérito. Exame da apelação do INSS prejudicado.
ACÓRDÃO
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, extinguir o processo sem resolução do mérito, dando por prejudicado o exame da apelação interposta pelo INSS, nos termos do voto da Relatora.
Brasília, 19 de junho de 2024.
Desembargadora Federal NILZA REIS Relatora
