
POLO ATIVO: ITAU UNIBANCO S.A.
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: JULIANO RICARDO SCHMITT - SC20875-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
RELATOR(A):KATIA BALBINO DE CARVALHO FERREIRA
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Desembargadora Federal KÁTIA BALBINO
PROCESSO: 1007429-54.2019.4.01.3400
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pelo ITAU UNIBANCO S.A. contra a sentença pela qual o juízo a quo julgou improcedente o pedido deduzido em ação anulatória de cobrança administrativa decorrente do pagamento de benefício previdenciário após o óbito de segurados.
Honorários arbitrados em 10% sobre o valor atribuído à causa.
O apelante aduz que a sentença merece ser reformada, pois no contrato vigente entre as partes inexiste previsão contratual que permita à autarquia previdenciária cobrar tais débitos administrativamente.
Contrarrazões apresentadas.
É o relatório.
(assinado digitalmente)
Desembargadora Federal KÁTIA BALBINO
Relatora
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Desembargadora Federal KÁTIA BALBINO
PROCESSO: 1007429-54.2019.4.01.3400
VOTO
“A responsabilidade civil somente se perfaz se presentes seus elementos essenciais, quais sejam, ação ou omissão do agente, nexo causal e dano” (REsp 608.869/RJ, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, Quarta Turma, julgado em 09/12/2008, DJe 09/02/2009).
Na espécie, o acervo probatório não comprova a existência de ato ilícito cometido pelo banco apelado.
Com efeito, o art. 60 da Lei nº 8.212/91 disciplina que o pagamento dos benefícios da Seguridade Social serão realizados por intermédio da rede bancária ou por outras formas definidas pelo Ministério da Previdência Social.
Já o art. 179 do Decreto nº 3.048/99, com a redação dada pelo Decreto nº 5.545/2005, dispõe que o Ministério da Previdência e Assistência Social e o INSS manterão programa permanente de revisão da concessão e da manutenção dos benefícios da previdência social, a fim de apurar irregularidades e falhas existentes.
A norma cunhada no referido normativo disciplina que o recenseamento previdenciário deverá ser realizado pelo menos uma vez a cada quatro anos e que a coleta e transmissão de dados cadastrais de titulares de benefícios serão realizados por meio da rede bancária contratada (§ 4º do art. 179 do Decreto nº 3.048/99).
Por sua vez, o art. 68 da Lei nº 8.212/91, com a redação vigente à época da ocorrência dos fatos[1], estabelece que o Titular do Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais fica obrigado a comunicar ao INSS até o dia 10 de cada mês o registro dos óbitos ocorridos no mês imediatamente anterior. Da relação deve constar a filiação, a data e o local de nascimento da pessoa falecida.
O parágrafo 2º do art. 68 da Lei nº 8.212/91, igualmente vigente à época dos fatos, previu que a falta de comunicação na época própria, bem como o envio de informações inexatas, sujeitaria Titular do Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais à penalidade prevista no art. 92 da Lei[2].
Segundo os dispositivos em exame, compete ao INSS gerenciar a realização de censo previdenciário - executado pela rede bancária credenciada - e ao Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais cumpre comunicar o óbito do segurado à autarquia previdenciária.
Tal o contexto, cabe ao INSS informar ao banco credenciado acerca do óbito do titular da prestação, de modo que em relação ao período anterior ao recebimento dessa informação a instituição financeira não pode ser responsabilizada por eventuais pagamentos indevidos.
In casu, não há elementos probatórios de que a instituição financeira tivesse sido notificada do óbito do beneficiário e que ainda assim tivesse permitido a realização de possíveis saques indevidos, tampouco de que tivesse se beneficiado dos créditos indevidos, muito menos de que tivesse negligenciado em suas atribuições afetas ao recenseamento.
Tratando da questão, confira-se o entendimento desta Corte:
“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. PROCEDIMENTO ORDINÁRIO. SAQUES DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS REALIZADOS APÓS O FALECIMENTO DO SEGURADO. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DEPOSITÁRIA. BANCO ITAÚ. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE. ANULAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO QUE RECONHECEU A OBRIGAÇÃO DE RESSARCIR O ERÁRIO. POSSIBILIDADE. SENTENÇA CONFIRMADA.
I Trata-se de ação em que se discute a responsabilidade de instituição financeira pelo pagamento indevido de benefício previdenciário a segurado já falecido.
II Nos termos do art. 179 do Decreto nº 3.048/1999, com redação dada pelo Decreto nº 5.545/2005, que trata do regulamento da Previdência Social, a responsabilidade pela realização do censo previdenciário é do INSS, cabendo à instituição financeira apenas coletar os dados e repassá-los à autarquia previdenciária.
III De acordo com o art. 68 da Lei nº 8.212/1991, com a redação dada pela Lei nº 8.870/1994, vigente à época dos fatos, "o Titular do Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais fica obrigado a comunicar, ao INSS, até o dia 10 de cada mês, o registro dos óbitos ocorridos no mês imediatamente anterior, devendo da relação constar afiliação, a data e o local de nascimento da pessoa falecida".
IV - Na hipótese dos autos, o pagamento de benefício previdenciário efetuado de forma indevida, seja por falhas no sistema de controle do INSS, que é responsável por gerenciar a realização do censo previdenciário, seja por eventual ausência de comunicação do óbito pelo Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais, não pode ser atribuído à instituição bancária, que atuou como mera depositária dos valores creditados. Precedentes.
V Apelação desprovida. Sentença confirmada. A verba honorária de sucumbência, fixada em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa (R$ 115.678,73), resta acrescida de 1% (um por cento), totalizando 11% (onze por cento) sobre o referido montante, nos termos do § 11 do art. 85 do NCPC.
(TRF1 - AC 1002588-16.2019.4.01.3400, Desembargador Federal Souza Prudente, Quinta Turma PJe 12/12/2022 PAG.).’
E nem se diga que a renovação da senha para o saque dos valores após o óbito do segurado poderia ensejar a responsabilidade do banco pelo pagamento indevido. Isso por ser cediço que em situações como a que verificada nos autos a ilicitude é geralmente perpetrada com a confecção de documentos falsificados pelas pessoas que permanecem recebendo indevidamente a prestação, ou mesmo com a apresentação de documentos da pessoa já falecida, como se ela fosse, com os quais comparecem às agências bancárias para realizar a renovação da senha.
A ilustrar essa constatação, confira-se o seguinte julgado que, na esfera penal, tratou do problema (destaquei).
“PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO. ART. 171, §3º, DO CÓDIGO PENAL. SAQUES INDEVIDOS DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO APÓS A MORTE DO TITULAR. PROVA DA AUTORIA E MATERIALIDADE SUFICIENTES PARA A CONDENAÇÃO. DOLO COMPROVADO. ERRO DE PROIBIÇÃO AFASTADO. ESTELIONATO PRIVILEGIADO (§ 1º DO ART. 171 DO CÓDIGO PENAL). IMPOSSIBILIDADE. PARCELAMENTO DA DÍVIDA (ART. 916 DO CPC). DESCONTO DE VALOR PAGO COM FUNERAL. INADEQUAÇÃO DO MOMENTO PROCESSUAL PARA O PLEITO. RECURSO DO RÉU DESPROVIDO.
1. Os elementos de prova presentes nos autos são suficientes para certificar a materialidade do delito, consubstanciada no extrato do benefício da falecida que comprovam os saques, por meio de cartão magnético, após o óbito.
2. Inexiste dúvida acerca da conduta do réu na prática da infração penal, não havendo que se falar em aplicação do princípio do in dubio pro reo. A autoria do delito ficou comprovada pelos depoimentos, tanto na fase inquisitiva - quando o réu, apesar de negar o crime, afirmou que tanto ele como sua esposa eram os responsáveis pelos saques do benefício quando a segurada era viva, alegando que foi ele que ficou com o cartão de benefício da falecida após o óbito desta - quanto na fase judicial, quando o apelante confessou, ainda, que efetuou um dos saques após o falecimento da avó de sua esposa e que esta não tinha conhecimento da senha do cartão.
3. O fato de o apelante se apresentar na instituição bancária, de forma livre e consciente, portando documentos de terceira pessoa já falecida, tais como informações pessoais e intransferíveis (cartão bancário e senha), para sacar os valores do benefício previdenciário daquela, por si só, afasta a tese defensiva de ausência do elemento subjetivo do tipo penal em análise. Tendo a segurada falecido, não há como ilidir o dolo da conduta de quem se apropria de valor que sabia não ser seu, ainda mais quando não comunica o óbito da instituidora ao INSS, como ocorreu no presente caso, mantendo a autarquia em erro quando da continuidade do pagamento.
(...)
(TRF1, ACR 0001418-31.2017.4.01.4003, Desembargador Federal Cesar Cintra Jatahy Fonseca, Quarta Turma, PJe 22/06/2023 PAG.)”
Com esse cenário, não se pode exigir da instituição bancária que detenha a expertise de identificar a veracidade dos documentos apresentados (salvo em caso de falsificação grosseira), ou mesmo a correlação da identidade de quem comparece à agência com a que consignada no documento verdadeiro apresentado, em um contexto no qual os responsáveis pelos ilícitos são geralmente parentes próximos do segurado falecido, que com ele guardam semelhança física.
Por derradeiro, inaplicável Súmula 479 do STJ[3], pois o enunciado sumular rege as relações de consumo, não sendo esta a hipótese em exame.
Tratando da questão ora analisada, confira-se o entendimento desta Corte:
"CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. PROCEDIMENTO ORDINÁRIO. SAQUES DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS REALIZADOS APÓS O FALECIMENTO DO SEGURADO. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DEPOSITÁRIA. BANCO ITAÚ. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE. ANULAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO QUE RECONHECEU A OBRIGAÇÃO DE RESSARCIR O ERÁRIO. POSSIBILIDADE. SENTENÇA CONFIRMADA.
I Trata-se de ação em que se discute a responsabilidade de instituição financeira pelo pagamento indevido de benefício previdenciário a segurado já falecido.
II Nos termos do art. 179 do Decreto nº 3.048/1999, com redação dada pelo Decreto nº 5.545/2005, que trata do regulamento da Previdência Social, a responsabilidade pela realização do censo previdenciário é do INSS, cabendo à instituição financeira apenas coletar os dados e repassá-los à autarquia previdenciária.
III De acordo com o art. 68 da Lei nº 8.212/1991, com a redação dada pela Lei nº 8.870/1994, vigente à época dos fatos, "o Titular do Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais fica obrigado a comunicar, ao INSS, até o dia 10 de cada mês, o registro dos óbitos ocorridos no mês imediatamente anterior, devendo da relação constar afiliação, a data e o local de nascimento da pessoa falecida".
IV - Na hipótese dos autos, o pagamento de benefício previdenciário efetuado de forma indevida, seja por falhas no sistema de controle do INSS, que é responsável por gerenciar a realização do censo previdenciário, seja por eventual ausência de comunicação do óbito pelo Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais, não pode ser atribuído à instituição bancária, que atuou como mera depositária dos valores creditados. Precedentes.
V Apelação desprovida. Sentença confirmada. A verba honorária de sucumbência, fixada em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa (R$ 115.678,73), resta acrescida de 1% (um por cento), totalizando 11% (onze por cento) sobre o referido montante, nos termos do § 11 do art. 85 do NCPC.
(TRF1, AC 1002588-16.2019.4.01.3400, Desembargador Federal Souza Prudente, Quinta Turma, PJe 12/12/2022)"
Ante o exposto, dou provimento à apelação, para julgar procedente o pedido deduzido na petição inicial, reconhecendo a nulidade da cobrança administrativa levada a efeito pelo INSS em razão do pagamento de benefício previdenciário discutido no presente processo, bem assim determinando a retirada do nome do apelante de órgãos restritivos de crédito.
Invertidos os honorários da sucumbência, considerados os parâmetros fixados na origem (10% sobre o valor atribuído à causa).
É como voto.
(assinado digitalmente)
Desembargadora Federal KÁTIA BALBINO
Relatora
[1] Com a nova redação dada pela Lei nº 13.846, de 18/06/2019, o prazo para a remessa das informações foi reduzido para 01 (um) dia útil: “Art. 68. O Titular do Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais remeterá ao INSS, em até 1 (um) dia útil, pelo Sistema Nacional de Informações de Registro Civil (Sirc) ou por outro meio que venha a substituí-lo, a relação dos nascimentos, dos natimortos, dos casamentos, dos óbitos, das averbações, das anotações e das retificações registradas na serventia”.
[2] Art. 92. A infração de qualquer dispositivo desta Lei para a qual não haja penalidade expressamente cominada sujeita o responsável, conforme a gravidade da infração, a multa variável de Cr$ 100.000,00 (cem mil cruzeiros) a Cr$ 10.000.000,00 (dez milhões de cruzeiros), conforme dispuser o regulamento.
[3] Súmula 479 do STJ: "as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias"
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Desembargadora Federal KÁTIA BALBINO
PROCESSO: 1007429-54.2019.4.01.3400
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
POLO ATIVO: APELANTE: ITAU UNIBANCO S.A.
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: Advogado do(a) APELANTE: JULIANO RICARDO SCHMITT - SC20875-A
POLO PASSIVO: APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO:
EMENTA
CIVIL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO PAGO APÓS A MORTE DO SEGURADO. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DA INSTITUIÇAO FINANCEIRA. SENTENÇA REFORMADA.
1. Apelação interposta por instituição financeira credenciada contra a sentença pela qual o juízo a quo julgou improcedente o pedido deduzido em ação anulatória de cobrança administrativa decorrente do pagamento de benefício previdenciário após o óbito de segurados.
2. Embora as instituições financeiras tenham responsabilidade de zelar pelos valores que lhes são confiados, não podem responder por eventuais falhas de cadastramento imputáveis ao próprio INSS ou aos cartórios de registro civil, estes que têm a obrigação de comunicar os óbitos ocorridos à autarquia previdenciária (artigos 60, 68 e 69 da Lei nº 8.212/91 e art. 17 do Decreto nº 3.048/99).
3. Não tendo sido comprovado o descumprimento de nenhuma obrigação pela instituição financeira, bem como que esta tivesse se beneficiado dos pagamentos indevidos realizados nas contas bancárias dos segurados do INSS entre a data do óbito e a data da cessação do benefício, é procedente a pretensão de anular cobrança administrativa decorrente do pagamento de benefício previdenciário após óbito de segurado da autarquia previdenciária.
4. Apelação provida para julgar procedente o pedido deduzido na petição inicial, reconhecendo a nulidade da cobrança administrativa levada a efeito pelo INSS em razão do pagamento de benefício previdenciário discutido no processo, bem assim para determinar a retirada do nome do apelante de órgãos restritivos de crédito.
5. Inversão dos honorários de sucumbência, considerando os parâmetros fixados na origem (10% sobre o valor atribuído à causa - R$30.464,13).
A C Ó R D Ã O
Decide a Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do voto da Relatora.
Brasília (DF), assinado digitalmente na data do rodapé.
(assinado digitalmente)
Desembargadora Federal KÁTIA BALBINO
Relatora