
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
POLO PASSIVO:ITAU UNIBANCO S.A.
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: JULIANO RICARDO SCHMITT - SC20875-A
RELATOR(A):KATIA BALBINO DE CARVALHO FERREIRA

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Desembargadora Federal KÁTIA BALBINO
PROCESSO: 1012598-90.2017.4.01.3400
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pelo INSS contra a sentença pela qual o juízo a quo rejeitou a prejudicial de prescrição e julgou procedente o pedido deduzido na petição inicial, para assim obstar o ressarcimento por instituição financeira de valores despendidos com o pagamento de benefício previdenciário após o óbito de segurado, além de determinar a abstenção de inclusão do CNPJ do apelado em órgãos restritivos de crédito.
Honorários arbitrados em percentual sobre o valor atribuído à causa.
O apelante aduz que a sentença merece ser reformada, pois “não incide prescrição sobre bens públicos”.
Afirma que a instituição financeira deve ser responsabilizada pela devolução dos valores, cabendo-lhe impedir que terceiros não autorizados saquem valores sob sua guarda ou deve ser imputada a ela a obrigação de restituir os valores que ainda se encontram em depósito atualizados monetariamente.
Salienta que a apelada responde objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias (enunciado sumular 479 do STJ).
Contrarrazões apresentadas.
É o relatório.
(assinado digitalmente)
Desembargadora Federal KÁTIA BALBINO
Relatora

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Desembargadora Federal KÁTIA BALBINO
PROCESSO: 1012598-90.2017.4.01.3400
VOTO
Consta dos autos que o INSS, instaurou processo administrativo de cobrança registrado sob o nº 17023.100/0164/2011, tendo em vista que após o óbito da segurada Rosa do Espírito Santo Silva, falecida em 03/03/1999, houve o recebimento de benefícios no período de 03/03/1999 a 31/07/2011.
Com efeito, por substanciar matéria de ordem pública a prescrição é passível de análise e declaração de ofício e em qualquer grau de jurisdição.
No caso em exame não há que se falar em ofensa ao princípio que veda a decisão surpresa (CPC, art. 10), porquanto oportunizou-se às partes se manifestaram sobre a ocorrência da referida prejudicial de mérito.
A pretensão do INSS era exigir da instituição financeira credenciada o ressarcimento dos valores depositados na conta bancária da falecida e indevidamente sacado no período acima mencionado.
O Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que “é prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil.” (RE 669069, Relator: Min. Teori Zavascki, Tribunal Pleno, julgado em 03/02/2016, Acórdão Eletrônico Repercussão Geral - Mérito DJe-082 DIVULG 27-04-2016 PUBLIC 28-04-2016).
No caso, inequívoca a conclusão de que a pretensão de ressarcimento proposta pelo INSS em desfavor da parte autora, decorrente de dano causado pelos saques de benefício após o óbito do beneficiário.
Logo, aplicável ao caso o entendimento firmado pelo STF no julgamento do RE 669069 no sentido de que “é prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil”.
Vê-se, assim, que quando da instauração do processo administrativo de cobrança nº 17023.100/0164/2011, em 2011, já havia decorrido mais de 05 (cinco) anos do início dos pagamentos, resultando configurada a prescrição das parcelas mais antigas.
Quanto ao mérito propriamente dito, razão não assiste ao INSS.
Na espécie versada, a petição inicial narra que o apelante creditou em contas bancárias valores de benefício previdenciário após o óbito de seus titulares, tendo o apelado autorizado o saque indevido da verba, que veio a ser apropriada indevidamente por terceiros não identificados.
Sob a óptica da autarquia previdenciária, cabe à instituição financeira indenizá-la, em razão da negligência no dever de realização periódica do censo previdenciário.
Com efeito, a responsabilidade civil somente se perfaz se presentes seus elementos essenciais, quais sejam, ação do agente, nexo causal e dano. Na espécie, o acervo probatório não comprova a existência de ato ilícito cometido pelo banco apelado.
Isso porque o art. 60 da Lei nº 8.212/91 disciplina a realização do pagamento dos benefícios previdenciários se dará por intermédio da rede bancária ou por outras formas definidas pelo Ministério da Previdência Social.
Já o art. 179 do Decreto nº 3.048/99, com a redação dada pelo Decreto nº 5.545/2005, dispõe que o Ministério da Previdência e Assistência Social e o INSS manterão programa permanente de revisão da concessão e da manutenção dos benefícios da previdência social, a fim de apurar irregularidades e falhas existentes.
A norma cunhada no referido normativo disciplina que o recenseamento previdenciário deverá ser realizado pelo menos uma vez a cada quatro anos e que a coleta e transmissão de dados cadastrais de titulares de benefícios serão realizados por meio da rede bancária contratada (§ 4º do art. 179 do Decreto nº 3.048/99).
Por sua vez, estabelece o art. 68 da Lei nº 8.212/91, com a redação vigente à época da ocorrência dos fatos [1], que o Titular do Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais fica obrigado a comunicar ao INSS até o dia 10 de cada mês o registro dos óbitos ocorridos no mês imediatamente anterior. Da relação deve constar a filiação, a data e o local de nascimento da pessoa falecida.
O parágrafo 2º do art. 68 da Lei nº 8.212/91, igualmente vigente à época dos fatos, previa que a falta de comunicação na época própria, bem como o envio de informações inexatas, sujeitaria Titular do Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais à penalidade prevista no art. 92 da Lei[2].
Tal o contexto, conclui-se caber ao INSS o gerenciamento do censo previdenciário, este que será executado pela rede bancária credenciada, e que ao Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais compete a comunicação do óbito do segurado à autarquia previdenciária.
Definidas as responsabilidades legais das partes envolvidas no pagamento dos benefícios da Seguridade Social, urge extrair as respectivas consequências jurídicas a partir do acervo probatório colhido.
O recenseamento previdenciário, por si só, não atrai eventual responsabilidade do ente bancário pelos pagamentos indevidos. Em verdade, o banco apelado somente promove atos materiais para renovação/revalidação, a conhecida prova de vida, não sendo responsável pelo depósito de valores nas contas, mas tão somente por sua custódia.
Ademais, de acordo com o contrato entabulado entre as partes, o banco apelado deve efetuar os créditos dos benefícios nos exatos termos e valores constantes dos arquivos magnéticos fornecidos pelo INSS, descabendo-lhe responsabilidade por eventuais erros, omissões ou imperfeições neles existentes.
Com esse cenário, não é do banco a responsabilidade pelas informações pertinentes para fins de interrupção do pagamento do benefício após o óbito do segurado, mas sim do cartório de registro civil, que deve comunicá-lo ao ente previdenciário para que este, por sua vez, cesse o pagamento do benefício.
E nem se diga que a renovação da senha para o saque dos valores após o óbito do segurado poderia ensejar a responsabilidade do banco pelo pagamento indevido. Isso por ser cediço que em situações como a que verificada nos autos a ilicitude é geralmente perpetrada com a confecção de documentos falsificados pelas pessoas que permanecem recebendo indevidamente a prestação, ou mesmo com a apresentação de documentos da pessoa já falecida, como se ela fosse, com os quais comparecem às agências bancárias para realizar a renovação da senha.
A ilustrar essa constatação, confira-se o seguinte julgado que, na esfera penal, tratou do problema (destaquei).
“PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO. ART. 171, §3º, DO CÓDIGO PENAL. SAQUES INDEVIDOS DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO APÓS A MORTE DO TITULAR. PROVA DA AUTORIA E MATERIALIDADE SUFICIENTES PARA A CONDENAÇÃO. DOLO COMPROVADO. ERRO DE PROIBIÇÃO AFASTADO. ESTELIONATO PRIVILEGIADO (§ 1º DO ART. 171 DO CÓDIGO PENAL). IMPOSSIBILIDADE. PARCELAMENTO DA DÍVIDA (ART. 916 DO CPC). DESCONTO DE VALOR PAGO COM FUNERAL. INADEQUAÇÃO DO MOMENTO PROCESSUAL PARA O PLEITO. RECURSO DO RÉU DESPROVIDO.
1. Os elementos de prova presentes nos autos são suficientes para certificar a materialidade do delito, consubstanciada no extrato do benefício da falecida que comprovam os saques, por meio de cartão magnético, após o óbito.
2. Inexiste dúvida acerca da conduta do réu na prática da infração penal, não havendo que se falar em aplicação do princípio do in dubio pro reo. A autoria do delito ficou comprovada pelos depoimentos, tanto na fase inquisitiva - quando o réu, apesar de negar o crime, afirmou que tanto ele como sua esposa eram os responsáveis pelos saques do benefício quando a segurada era viva, alegando que foi ele que ficou com o cartão de benefício da falecida após o óbito desta - quanto na fase judicial, quando o apelante confessou, ainda, que efetuou um dos saques após o falecimento da avó de sua esposa e que esta não tinha conhecimento da senha do cartão.
3. O fato de o apelante se apresentar na instituição bancária, de forma livre e consciente, portando documentos de terceira pessoa já falecida, tais como informações pessoais e intransferíveis (cartão bancário e senha), para sacar os valores do benefício previdenciário daquela, por si só, afasta a tese defensiva de ausência do elemento subjetivo do tipo penal em análise. Tendo a segurada falecido, não há como ilidir o dolo da conduta de quem se apropria de valor que sabia não ser seu, ainda mais quando não comunica o óbito da instituidora ao INSS, como ocorreu no presente caso, mantendo a autarquia em erro quando da continuidade do pagamento.
(...)
(TRF1, ACR 0001418-31.2017.4.01.4003, Desembargador Federal Cesar Cintra Jatahy Fonseca, Quarta Turma, PJe 22/06/2023 PAG.)”
Com esse cenário, não se pode exigir da instituição bancária que detenha a expertise de identificar a veracidade dos documentos apresentados (salvo em caso de falsificação grosseira), ou mesmo a correlação da identidade de quem comparece à agência com a que consignada no documento verdadeiro apresentado, em um contexto no qual os responsáveis pelos ilícitos são geralmente parentes próximos do segurado falecido, que com ele guardam semelhança física.
Por derradeiro, inaplicável Súmula 479 do STJ[3], pois o enunciado sumular rege as relações de consumo, não sendo esta a hipótese em exame.
Tratando da questão ora analisada, confira-se o entendimento desta Corte:
"CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. PROCEDIMENTO ORDINÁRIO. SAQUES DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS REALIZADOS APÓS O FALECIMENTO DO SEGURADO. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DEPOSITÁRIA. BANCO ITAÚ. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE. ANULAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO QUE RECONHECEU A OBRIGAÇÃO DE RESSARCIR O ERÁRIO. POSSIBILIDADE. SENTENÇA CONFIRMADA.
I Trata-se de ação em que se discute a responsabilidade de instituição financeira pelo pagamento indevido de benefício previdenciário a segurado já falecido.
II Nos termos do art. 179 do Decreto nº 3.048/1999, com redação dada pelo Decreto nº 5.545/2005, que trata do regulamento da Previdência Social, a responsabilidade pela realização do censo previdenciário é do INSS, cabendo à instituição financeira apenas coletar os dados e repassá-los à autarquia previdenciária.
III De acordo com o art. 68 da Lei nº 8.212/1991, com a redação dada pela Lei nº 8.870/1994, vigente à época dos fatos, "o Titular do Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais fica obrigado a comunicar, ao INSS, até o dia 10 de cada mês, o registro dos óbitos ocorridos no mês imediatamente anterior, devendo da relação constar afiliação, a data e o local de nascimento da pessoa falecida".
IV - Na hipótese dos autos, o pagamento de benefício previdenciário efetuado de forma indevida, seja por falhas no sistema de controle do INSS, que é responsável por gerenciar a realização do censo previdenciário, seja por eventual ausência de comunicação do óbito pelo Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais, não pode ser atribuído à instituição bancária, que atuou como mera depositária dos valores creditados. Precedentes.
V Apelação desprovida. Sentença confirmada. A verba honorária de sucumbência, fixada em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa (R$ 115.678,73), resta acrescida de 1% (um por cento), totalizando 11% (onze por cento) sobre o referido montante, nos termos do § 11 do art. 85 do NCPC.
(TRF1, AC 1002588-16.2019.4.01.3400, Desembargador Federal Souza Prudente, Quinta Turma, PJe 12/12/2022)"
Ante o exposto, reconheço de ofício a prescrição das parcelas mais antigas e nego provimento à apelação quanto às parcelas remanescentes.
Majoram-se os honorários em cinco pontos percentuais observados os critérios fixados na origem (10% sobre o valor atribuído à causa).
É como voto.
(assinado digitalmente)
Desembargadora Federal KÁTIA BALBINO
Relatora
[1] Com a nova redação dada pela Lei nº 13.846, de 18/06/2019, o prazo para a remessa das informações foi reduzido para 01 (um) dia útil: “Art. 68. O Titular do Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais remeterá ao INSS, em até 1 (um) dia útil, pelo Sistema Nacional de Informações de Registro Civil (Sirc) ou por outro meio que venha a substituí-lo, a relação dos nascimentos, dos natimortos, dos casamentos, dos óbitos, das averbações, das anotações e das retificações registradas na serventia”.
[2] Art. 92. A infração de qualquer dispositivo desta Lei para a qual não haja penalidade expressamente cominada sujeita o responsável, conforme a gravidade da infração, a multa variável de Cr$ 100.000,00 (cem mil cruzeiros) a Cr$ 10.000.000,00 (dez milhões de cruzeiros), conforme dispuser o regulamento.
[3] Súmula 479 do STJ: "as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias"

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Desembargadora Federal KÁTIA BALBINO
PROCESSO: 1012598-90.2017.4.01.3400
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
POLO ATIVO: APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO:
POLO PASSIVO: APELADO: ITAU UNIBANCO S.A.
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: Advogado do(a) APELADO: JULIANO RICARDO SCHMITT - SC20875-A
EMENTA
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO PAGO APÓS A MORTE DO SEGURADO. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. INCIDÊNCIA SOBRE AS PARCELAS MAIS LONGEVAS. QUESTÃO DE FUNDO. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DA INSTITUIÇAO FINANCEIRA. APELAÇÃO DESPROVIDA.
1. Apelação interposta pelo INSS contra a sentença pela qual o juízo a quo julgou procedente o pedido deduzido na petição inicial, para assim eximir a instituição financeira autora da devolução de valores despendidos pela referida autarquia com o pagamento de benefício previdenciário após o óbito do segurado, além de determinar a abstenção de inclusão ou a exclusão do CNPJ do apelado em órgãos restritivos de crédito.
2. Por substanciar matéria de ordem pública, a prescrição pode ser declarada de ofício e em qualquer grau de jurisdição – observância, na espécie, do devido contraditório em relação ao tema.
3. É prescritível a pretensão de ressarcimento ao erário, por danos oriundos de ilícito civil não qualificado (STF - RE 669.069, Repercussão Geral, rel. min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 03/02/2016).
4. Quando da instauração do processo administrativo de cobrança já havia decorrido mais de 05 (cinco) anos do início dos pagamentos, resultando configurada a prescrição das parcelas mais antigas.
5. Embora as instituições financeiras tenham responsabilidade de zelar pelos valores que lhes são confiados, não podem responder por eventuais falhas de cadastramento imputáveis ao próprio INSS ou aos cartórios de registro civil, estes que têm a obrigação de comunicar os óbitos ocorridos à autarquia previdenciária (artigos 60, 68 e 69 da Lei nº 8.212/91 e art. 17 do Decreto nº 3.048/99).
6. Não tendo sido comprovado o descumprimento de nenhuma obrigação pela instituição financeira, bem como que ela tivesse se beneficiado dos pagamentos indevidos realizados nas contas bancárias dos segurados do INSS entre a data do óbito e a data da cessação do benefício, é improcedente a pretensão de ressarcimento dos valores sacados por terceiros ou da atualização monetária incidente sobre os depósitos que permaneceram nas contas bancárias e que foram restituídos à autarquia previdenciária.
7. Reconhecimento de ofício da prescrição das parcelas mais antigas.
8. Apelação a que se nega provimento quanto à devolução das parcelas remanescentes.
9. Honorários majorados em cinco pontos percentuais sobre a base de cálculo fixada na origem (10% sobre o valor atribuído à causa - R$228.079,23).
A C Ó R D Ã O
Decide a Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, reconhecer de ofício a prescrição das parcelas mais antigas e quanto a parte não prescrita negar provimento à apelação, nos termos do voto da Relatora.
Brasília (DF), assinado digitalmente na data do rodapé.
(assinado digitalmente)
Desembargadora Federal KÁTIA BALBINO
Relatora
