
POLO ATIVO: ALTAMAR DOS SANTOS e outros
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: MARCELO PIRES TORREAO - DF19848-A e ISABEL IZAGUIRRE ZAMBROTTI DORIA - DF49682-A
POLO PASSIVO:UNIÃO FEDERAL
RELATOR(A):JOAO CARLOS MAYER SOARES
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da Primeira Região
Gab. 18 - DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO CARLOS MAYER
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1012807-88.2019.4.01.3400
R E L A T Ó R I O
O EXMO SR. DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO CARLOS MAYER SOARES (RELATOR):
Trata-se de apelação, interposta pela parte autora, em face da sentença (fls. 71/76), proferida em ação de procedimento comum, por meio da qual foi julgada improcedente, com apoio no art. 487, inciso I, do CPC/2015, a pretensão de transferência, em caso de falecimento, da reparação econômica mensal, permanente e continuada, do anistiado político aos beneficiários elencados no art. 7.º da Lei 3.765/60, em sua redação original, bem como a de pagamento de eventuais valores retroativos decorrentes de atraso na implementação do direito, acrescidos de correção monetária e de juros moratórios. A parte sucumbente foi condenada ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, no percentual de 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, § 3.º, inciso I, e § 4.º, incisos I e III, do CPC/2015, observada a concessão da gratuidade de justiça.
Na peça recursal (fls. 82/91), sustenta a parte apelante, em síntese, que foi deferido ao genitor, ex-militar da Força Aérea Brasileira – FAB, a condição de anistiado político, com a concessão da reparação econômica em prestação mensal, permanente e continuada, com base na graduação de Segundo-Sargento, com proventos de Primeiro-Sargento. Afirma que a Lei 10.559/2002 confere às beneficiárias do anistiado, no caso as três filhas maiores e capazes, o direito à transferência da prestação mensal, independentemente de qualquer condição, mas que tal direito está sendo obstado pelo Ministério da Defesa, conforme arts. 6.º e 7.º da Portaria Normativa 657/2004.
Prossegue para defender que o art. 8.º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT/88 garante aos anistiados todas as vantagens inerentes ao cargo que serve de referência para o pagamento de suas prestações mensais. Aduz que o art. 13 da Lei 10.559/2002 traz a previsão expressa do direito à transferência da reparação às beneficiárias do anistiado político em caso de falecimento, devendo ser observada, ainda, as disposições da Lei 6.880/80 e Lei 3.765/60, na sua redação original. Donde pugna pelo provimento do recurso para que, reformada a sentença, seja julgada procedente a pretensão autoral, com inversão da sucumbência.
Contrarrazões apresentadas (fls. 95/99).
Em decisão monocrática (fls. 105/107), foi declinada da competência em favor da Terceira Seção, sendo os autos distribuídos a este Relator.
É o relatório.
Desembargador Federal JOÃO CARLOS MAYER SOARES
Relator
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da Primeira Região
Gab. 18 - DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO CARLOS MAYER
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1012807-88.2019.4.01.3400
V O T O
O EXMO SR. DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO CARLOS MAYER SOARES (RELATOR):
Presentes os pressupostos genéricos e específicos de admissibilidade, conheço da apelação para negar-lhe provimento.
A questão controvertida cinge-se à discussão acerca, em matéria de anistia política, do direito à transferência, em caso de falecimento, da prestação mensal, permanente e continuada, aos beneficiários elencados no art. 7.º da Lei 3.765/60, em sua redação original, ou seja, na forma estabelecida para a concessão da pensão militar.
De saída, cumpre consignar a orientação jurisprudencial sedimentada no âmbito do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que incide, para a concessão de benefícios previdenciários, a lei vigente ao tempo do preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício pretendido, em observância à regra do tempus regit actum, sendo que, nos casos de pensão por morte, a lei que rege tal concessão é a vigente na data do óbito do segurado. (Cf. STF, MS 34.859-MC/DF, decisão monocrática do ministro Edson Fachin, DJ 08/06/2017; ARE 693.243-AgR/RJ, Segunda Turma, da relatoria da ministra Cármen Lúcia, DJ 11/04/2013; ARE 717.077-AgR/SP, Segunda Turma, da relatoria do ministro Gilmar Mendes, DJ 11/12/2012; STJ, AgRg no REsp 764.052/DF, Sexta Turma, da relatoria do ministro Antonio Saldanha Palheiro, DJ 1.º/09/2016; AgRg no REsp 1.522.221/SC, Segunda Turma, da relatoria do ministro Herman Benjamin, DJ 05/08/2015; AgRg no Ag 1.148.422/RS, Quinta Turma, da relatoria da ministra Laurita Vaz, DJ 13/10/2009.)
Nessa vertente intelectiva, a Corte Infraconstitucional firmou o entendimento de que a declaração da condição de anistiado político, prevista na Lei 10.559/2002, enseja a instituição de um regime jurídico próprio, não sendo possível a manutenção do militar, ou ex-militar, no regime jurídico da pensão militar da Lei 3.765/60, bem como a compreensão de que os arts. 16 e 19 da Lei 10.559/2002 expressamente impedem a acumulação de pagamentos, benefícios ou indenizações, facultando ao anistiado político a opção de escolha (cf. AR 4.979/DF, Terceira Seção, da relatoria do ministro Reynaldo Soares da Fonseca, DJ 09/12/2015).
Assim sendo, ao optar pelo regime instituído pela atual lei de anistia, o anistiado político faz jus à reparação econômica de natureza indenizatória e, conforme prescrito no diploma legal, após o falecimento deste, os seus dependentes possuem o direito à transferência do referido benefício, desde que preenchidos os requisitos legais.
De sorte que, em conformidade com o posicionamento sedimentado pela Corte Superior de Justiça, o pagamento da prestação mensal, permanente e continuada, instituída pela Lei 10.559/2002, somente é devida aos dependentes econômicos do anistiado político, nos termos dos arts. 13 e 16 da Lei de regência. É dizer: a reparação econômica é um benefício instituído pela Lei 10.559/2002 em favor dos anistiados políticos que não se confunde com a pensão militar ordinária, motivo pelo qual independe das contribuições obrigatórias previstas no art. 1.º da Lei 3.765/60. Desse modo, a remissão contida no art. 13 da Lei da Anistia ao regime próprio dos militares e servidores civis da União refere-se exclusivamente ao rol de dependentes a serem considerados para fins de transmissão da reparação econômica em caso de morte do anistiado político. (Cf. AgInt no REsp 2.117.227/RN, Segunda Turma, da relatoria do ministro Francisco Falcão, DJ 11/04/2024; REsp 2.117.227/RN, decisão monocrática do ministro Francisco Falcão, DJ 20/02/2024; AgInt no REsp 1.592.366/RS, Segunda Turma, da relatoria do ministro Francisco Falcão, DJ 24/04/2020; MS 23.225/DF, Primeira Seção, da relator do ministro Sérgio Kukina, DJ 19/02/2021.)
De se ver que o disposto no art. 13 da Lei n. 10.559/2002 não transfere automaticamente o direito à reparação, devendo os interessados, segundo a mesma norma, habilitar-se como dependentes econômicos, "observados os critérios fixados nos regimes jurídicos dos servidores civis e militares". (Cf. STJ, AgInt no MS 26.312/DF, Primeira Seção, da relatoria do ministro Sérgio Kukina, DJ 07/06/2021.)
Com efeito, não especificando a lei de anistia o rol de dependentes, a transferência da reparação econômica, conforme determinação legal, deve observar, subsidiariamente, os critérios estabelecidos no regime jurídico dos militares, ou seja, a Lei 6.880/80, o que inclui, por conseguinte, a definição sobre os dependentes do militar, sendo afastada, na hipótese, a incidência da Lei 3.765/60. Nesse sentido, já decidiu esta Corte Regional ao determinar a não aplicação da Lei 3.765/60 para os casos em que se pretendia a transferência da reparação econômica, em forma de pensão militar, com a aplicação do disposto no art. 50 da Lei 6.880/80, na forma do art. 13 da Lei 10.559/2002. (Cf. AC 1001792-59.2018.4.01.3400, Nona Turma, da relatoria do desembargador federal Euler de Almeida Silva Junior, PJe 20/05/2024.)
Na concreta situação dos autos, a parte apelante visa assegurar o direito à futura transferência da reparação econômica instituída pela atual lei de anistia, concedida em prestação mensal, permanente e continuada, na mesma forma da pensão militar definida pela Lei 3.765/60, em sua redação original. Nessa linha de entendimento, não há previsão legal para a pretensão da autora recorrente, que pleiteia, além disso, um direito antes mesmo da implementação.
À vista do exposto, nego provimento à apelação.
Nos termos do art. 85, § 11, do CPC/2015, majoro os honorários advocatícios em desfavor da parte recorrente em 10% (dez por cento) sobre o valor já arbitrado na instância de origem, observados, se aplicáveis, os limites percentuais previstos nos §§ 2.º e 3.º do referido dispositivo legal, observada a gratuidade de justiça.
Desembargador Federal JOÃO CARLOS MAYER SOARES
Relator
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da Primeira Região
Gab. 18 - DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO CARLOS MAYER
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1012807-88.2019.4.01.3400
PROCESSO REFERÊNCIA: 1012807-88.2019.4.01.3400
APELANTE: JANE DOS SANTOS CARVALHO DA COSTA, ALTAMAR DOS SANTOS, JANAINA PECHIR DOS SANTOS, TACIMAR DUARTE ROLEMBERG DOS SANTOS
Advogados do(a) APELANTE: ISABEL IZAGUIRRE ZAMBROTTI DORIA - DF49682-A, MARCELO PIRES TORREAO - DF19848-A
APELADO: UNIÃO FEDERAL
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. ANISTIA POLÍTICA. AÇÃO DE PROCEDIMENTO COMUM. EX-MILITAR. FORÇA AÉREA BRASILEIRA – FAB. PRETENSÃO DE TRANSFERÊNCIA DA REPARAÇÃO ECONÔMICA AOS BENEFICIÁRIOS DO ART. 7.º DA LEI 3.765/60. INCIDÊNCIA DE LEI VIGENTE À DATA DO ÓBITO. IMPOSSIBILIDADE DE ACUMULAÇÃO DE PAGAMENTOS, BENEFÍCIOS OU INDENIZAÇÕES. OPÇÃO PELA LEI 10.559/2002. LEI 6.880/80. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. A questão controvertida cinge-se à discussão acerca, em matéria de anistia política, do direito à transferência, em caso de falecimento, da prestação mensal, permanente e continuada, aos beneficiários elencados no art. 7.º da Lei 3.765/60, em sua redação original, ou seja, na forma estabelecida para a concessão da pensão militar.
2. A orientação jurisprudencial sedimentada no âmbito do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que incide, para a concessão de benefícios previdenciários, a lei vigente ao tempo do preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício pretendido, em observância à regra do tempus regit actum, sendo que, nos casos de pensão por morte, a lei que rege tal concessão é a vigente na data do óbito do segurado. Precedentes selecionados.
3. Em conformidade com o posicionamento sedimentado pela Corte Superior de Justiça, o pagamento da prestação mensal, permanente e continuada, instituída pela Lei 10.559/2002, somente é devida aos dependentes econômicos do anistiado político, nos termos dos arts. 13 e 16 da Lei de regência. É dizer: a reparação econômica é um benefício instituído pela Lei 10.559/2002 em favor dos anistiados políticos que não se confunde com a pensão militar ordinária, motivo pelo qual independe das contribuições obrigatórias previstas no art. 1.º da Lei 3.765/60. Desse modo, a remissão contida no art. 13 da Lei da Anistia ao regime próprio dos militares e servidores civis da União refere-se exclusivamente ao rol de dependentes a serem considerados para fins de transmissão da reparação econômica em caso de morte do anistiado político. (Cf. AgInt no REsp 2.117.227/RN, Segunda Turma, da relatoria do ministro Francisco Falcão, DJ 11/04/2024; REsp 2.117.227/RN, decisão monocrática do ministro Francisco Falcão, DJ 20/02/2024; AgInt no REsp 1.592.366/RS, Segunda Turma, da relatoria do ministro Francisco Falcão, DJ 24/04/2020; MS 23.225/DF, Primeira Seção, da relator do ministro Sérgio Kukina, DJ 19/02/2021.)
4. Na concreta situação dos autos, a parte apelante visa assegurar o direito à transferência da reparação econômica instituída pela atual lei de anistia, na mesma forma da pensão militar definida pela Lei 3.765/60, em sua redação original, após a morte do genitor, anistiado político. Todavia, não há previsão legal para a pretensão da recorrente, que pleiteia, além disso, um direito antes mesmo da implementação.
5. Apelação não provida.
6. Nos termos do art. 85, § 11, do CPC/2015, majoro os honorários advocatícios em desfavor da parte recorrente em 10% (dez por cento) sobre o valor já arbitrado na instância de origem, observados, se aplicáveis, os limites percentuais previstos nos §§ 2.º e 3.º do referido dispositivo legal, observada a gratuidade de justiça.
A C Ó R D Ã O
Decide a Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator.
Brasília/DF, 25 de setembro de 2024.
Desembargador Federal JOÃO CARLOS MAYER SOARES