
POLO ATIVO: GENESIA DE CASTRO LAVAREDA
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: ANDERSON MANFRENATO - SP234065-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR(A):URBANO LEAL BERQUO NETO

PROCESSO: 1019129-81.2020.4.01.9999 PROCESSO REFERÊNCIA: 0000701-64.2013.8.04.6000
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
POLO ATIVO: GENESIA DE CASTRO LAVAREDA
REPRESENTANTES POLO ATIVO: ANDERSON MANFRENATO - SP234065-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR: URBANO LEAL BERQUO NETO
RELATÓRIO
O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL URBANO LEAL BERQUÓ NETO (Relator):
Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos da autora, negando-lhe o benefício previdenciário da pensão por morte
Em suas razões, a autora alega ter preenchido todos os requisitos necessários à concessão da pensão por morte, especialmente a qualidade de segurado especial do de cujus.
Regularmente intimada para contrarrazões, a autarquia manteve-se silente.
É o relatório.

PROCESSO: 1019129-81.2020.4.01.9999 PROCESSO REFERÊNCIA: 0000701-64.2013.8.04.6000
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
POLO ATIVO: GENESIA DE CASTRO LAVAREDA
REPRESENTANTES POLO ATIVO: ANDERSON MANFRENATO - SP234065-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR: URBANO LEAL BERQUO NETO
V O T O
O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL URBANO LEAL BERQUÓ NETO (Relator):
Presentes os pressupostos recursais, conheço do recurso.
Passo à análise do apelo da autora, que alega o preenchimento dos requisitos necessários à concessão da pensão por morte.
Os requisitos indispensáveis para a concessão do benefício previdenciário da pensão por morte são: a) a qualidade de segurado do falecido por ocasião do óbito; b) a ocorrência do evento morte; c) a condição de dependente de quem objetiva a pensão. Salienta-se que o benefício independe de carência e é regido pela legislação à época do óbito.
O juízo a quo julgou improcedente o pedido ao fundamento da inexistência de início de prova material da qualidade de segurado do falecido contemporânea ao óbito.
Pois bem! Nada obstante o ditame do art. 38-B, § 1º, da Lei nº 8.213/1991 rezar que “a partir de 1º de janeiro de 2023, a comprovação da condição e do exercício da atividade rural do segurado especial ocorrerá, exclusivamente, pelas informações constantes do cadastro a que se refere o art. 38-A desta Lei” - sendo que o aludido repositório é o Cadastro Nacional de Informações Sociais, CNIS -, admite-se, para momentos anteriores de labor o uso de outras modalidades probatórias (art. cit, § 2º). Tal se mostra compreensível dada à precariedade da inserção efetiva de elementos testificadores de trabalho campesino a quem o desenvolve, sobretudo quando se tratar de exercício da atividade em localidades afastadas, insertas a grandes distâncias dos centros urbanos.
No tocante à comprovação da qualidade de segurado do falecido, compulsando os autos, verifica-se que há documentos que demonstram o preenchimento do requisito, em razão do labor rural exercido por ele antes do óbito. Dentre estes documentos, destacam-se (i) a certidão de casamento, realizado em 1968, da qual consta que o falecido era, à época, agricultor (fl. 19); e (ii) a certidão de óbito, ocorrido em 1988, na qual constou que o de cujus era agricultor (fl. 28).
No que tange a tal ponto de análise, cumpre, de modo definitivo, lembrar que
É pacífica a jurisprudência do STJ e desta Corte no sentido de que o rol do art. 106 da Lei 8.213/91 é meramente exemplificativo, (STJ AgRG no REsp 1073730/CE) sendo admissíveis, portanto, outros documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, além dos ali previstos. São idôneos, portanto, certidões de casamento, de óbito, de nascimento dos filhos, Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), certificado de reservista, carteiras de beneficiário do extinto INAMPS, entre outros registros públicos, sendo certo que a qualificação profissional de lavrador ou agricultor constante desses documentos não só aproveita em favor de seu titular, mas é extensível a cônjuge/companheiro(a) e aos filhos. Igualmente aceitáveis documentos tais como certidões do INCRA, guias de recolhimento de ITR, documentos fiscais de venda de produtos rurais, certidão de registro de imóveis relativos à propriedade rural, contratos de parceria agrícola e todos outros que indiciem a ligação da parte autora com o trabalho e a vida no meio rural. Eventual enquadramento do segurado ou do cônjuge/companheiro como empregador rural tampouco descaracteriza a condição de segurado especial do beneficiário, seja por conta das provas produzidas, seja em virtude das disposições do Decreto-lei 1.166/71, segundo o qual a qualificação de empregador II-B é uma denominação a quem, proprietário ou não, mesmo sem empregado, em regime de economia familiar, explore imóvel rural que lhe absorva toda a força de trabalho e lhe garanta a subsistência. Pontuo, ainda, que não desconfigura a qualidade de rurícola a existência de empregados temporários (art.11, VII, § 1º, da Lei 8.213/91) e a comercialização do excedente da produção feita diretamente pelo agricultor (art. 25 da Lei 8.212/91). A jurisprudência do STJ já firmou entendimento no sentido de que o tamanho da propriedade rural, por si só, não tem o condão de descaracterizar o regime de economia familiar quando, preenchidos os demais requisitos legalmente exigidos (...).” (REsp 1649636, STJ, Rel. MIn. Herman Benjamin, 2ª T, DJE 19/04/2017).
Analisando detidamente a prova dos autos sob o prisma da jurisprudência do STJ, verifico que os documentos são, sim, válidos como início de prova material, que deve ser corroborado por prova testemunhal.
Nesse sentido, confira-se:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. VOTO-VISTA DO MIN. MAURO CAMPBELL MARQUES. ALINHAMENTO COM A POSIÇÃO DO NOBRE COLEGA. APOSENTADORIA POR IDADE. ATIVIDADE RURAL. INÍCIO RAZOÁVEL DE PROVA MATERIAL RECONHECIDO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS E CORROBORADO POR PROVA TESTEMUNHAL. VALORAÇÃO DO CONJUNTO PROBATÓRIO. POSSIBILIDADE. ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ AFASTADO. 1. A controvérsia gira em torno do preenchimento dos requisitos para a concessão de pensão por morte à autora. 2. A jurisprudência do STJ se mostra firme no sentido de que o reconhecimento de tempo de serviço rurícola exige que a prova testemunhal corrobore um início razoável de prova material, sendo certo que o rol de documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, inscrito no art. 106, parágrafo único, da Lei 8.213/1991, é meramente exemplificativo, e não taxativo. 3. Segundo a orientação do STJ, as certidões de nascimento, casamento e óbito, bem como certidão da Justiça Eleitoral, carteira de associação ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais, ficha de inscrição em Sindicato Rural, contratos de parceria agrícola, podem servir como início da prova material nos casos em que a profissão de rurícola estiver expressamente mencionada desde que amparados por convincente prova testemunhal. Precedentes: AgRg no AREsp 577.360/MS, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 22/6/2016, e AR 4.507/SP, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Terceira Seção, DJe 24/8/2015. 4. O acórdão recorrido concluiu desconsiderar as provas materiais, afastando a decisão do juízo sentenciante que presidiu a instrução do feito, que bem valorou as provas ao ter estabelecido contato direto com as partes, encontrando-se em melhores condições de aferir a condição de trabalhador rural afirmada pelo autor e testemunhas ouvidas. 5. O juízo acerca da validade e eficácia dos documentos apresentados como o início de prova material do labor campesino não enseja reexame de prova, vedado pela Súmula 7/STJ, mas sim valoração do conjunto probatório existente. Precedentes: AgRg no REsp 1.309.942/MG, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 11/4/2014, e AgRg no AREsp 652.962/SP, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 3/9/2015. 6. Recurso Especial provido. (RESP - RECURSO ESPECIAL - 1650326 2017.00.05876-0, HERMAN BENJAMIN, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:30/06/2017)
Na hipótese dos autos, em que pese a existência de início de prova material do exercício de atividade rural pelo de cujus em regime de economia familiar, esta não foi corroborada por prova testemunhal em razão de o juízo a quo ter incorrido em verdadeiro error in procedendo.
É que, embora tenha sido realizada audiência de instrução e julgamento, as duas testemunhas arroladas pela parte autora foram dispensadas de prestar o compromisso de dizer a verdade por serem amigas íntimas da apelante e, portanto, suspeitas, tendo sido ouvidas apenas como informantes, nos termos do art. 447, §3º, I e §5º, do CPC, quando deveria ter o magistrado oportunizado à parte autora substituir ou arrolar outras testemunhas, a serem ouvidas em nova audiência, dada a essencialidade da prova para o deslinde da controvérsia.
Assim sendo, o juízo de primeiro grau, atentando contra o Princípio da Cooperação (art. 6), julgou o mérito, sem facultar à parte autora a produção da prova testemunhal necessária à solução do feito. Inclusive, ao sentenciar, o juízo a quo considerou não existir prova quanto à qualidade de segurado do de cujus.
Dessa maneira, é de se anular a sentença que, sem oportunizar a possível e relevante prova testemunhal, julga a lide em evidente cerceamento de defesa, violando-se os Princípios constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa (art. 5, LIV e LV, CRFB), razão pela qual reconheço a nulidade da sentença.
In verbis, precedentes do STJ e deste Tribunal, prolatados em situações assemelhadas à versada nos autos:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO DA PRESIDÊNCIA. RECONSIDERAÇÃO. AÇÃO DE DESPEJO C/C COBRANÇA. AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO. DESNECESSIDADE. AUSÊNCIA DE NULIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA CARACTERIZADO. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA INSTRUÇÃO PROBATÓRIA. AGRAVO INTERNO PROVIDO PARA DAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. 1. Agravo interno provido para reconsiderar a decisão agravada. Novo exame do efeito. 2. A ausência de realização de audiência de conciliação não é causa de nulidade do processo quando a parte não demonstra prejuízo pela não realização do ato processual, conforme ocorreu no caso dos autos. 3. No mérito, há cerceamento de defesa quando, a despeito de pedido de produção probatória, o magistrado julga de forma antecipada o pedido desfavoravelmente à parte, com fundamento na ausência de provas. Precedentes. 4. Evidenciado o cerceamento de defesa, deve ser declarada a nulidade do julgado, determinando-se o retorno dos autos à origem para possibilitar a instrução probatória, notadamente a colheita da prova oral. 5. Agravo interno provido para reconsiderar a decisão agravada e, em novo exame do feito, conhecer do agravo para dar provimento ao recurso especial.
(STJ - AgInt no AREsp: 1968508 PE 2021/0297017-4, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 14/02/2022, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/02/2022)
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. TRABALHADOR RURAL. IMPROCEDÊNCIA RECONHECIDA SEM QUE FOSSE OPORTUNIZADA A SUBSTITUIÇÃO DE TESTEMUNHA. EXISTÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. SENTENÇA ANULADA. APELAÇÃO PROVIDA. 1. O magistrado a quo, após indeferir o pedido de substituição da testemunha ausente ou de designação de nova data para a realização da sua oitiva, julgou improcedente o pedido de concessão de pensão por morte (segurado especial) em razão da ausência de início de prova material, bem como pelo fato do falecido, ao tempo do óbito, não possuir idade suficiente para se aposentar. 2. Considerando que a certidão de óbito acostada à fl.19 (que qualifica o de cujus como "lavrador"), em tese, é apta a figurar como início de prova material; que em processos desta natureza é do interesse da própria parte autora o comparecimento da testemunha, e ainda, que a audiência de instrução limitou-se a inquirir pessoa qualificada na condição de informante (v. mídia digital à fl.76), deveria o julgador de primeiro grau, a bem da instrução processual e para não ensejar a alegação de cerceamento de defesa (como de fato suscitou a apelante), ter permitido a substituição da testemunha ausente ou designado nova data para a sua oitiva. 3. Patenteado o cerceamento de defesa, mostra-se de rigor a anulação da sentença impugnada, devendo o feito, por conseguinte, retomar o seu curso regular na instância de origem, viabilizando a oitiva da testemunha GLAUCIMEIRE FERREIRA ou de outra cuja indicação deve ser franqueada ao polo ativo. 4. Apelação parcialmente provida para anular a sentença.
(AC 0001323-35.2014.4.01.9199, JUIZ FEDERAL POMPEU DE SOUSA BRASIL, TRF1 - 1ª CÂMARA REGIONAL PREVIDENCIÁRIA DA BAHIA, e-DJF1 07/02/2018 PAG.)
Tendo sido configurado o cerceamento de defesa, em face da improcedência do pedido, deve a sentença ser anulada, ante a impossibilidade do julgamento sem a oitiva de testemunhas, visando o regular processamento e julgamento do feito, oportunizando à parte autora a produção da prova testemunhal em nova audiência de instrução e julgamento.
Em face do exposto, ANULO A SENTENÇA DE OFÍCIO e determino o retorno dos autos à Vara de origem, a fim de que seja colhida a prova testemunhal, determinando o regular processamento e julgamento do feito. Julgo prejudicada a apelação interposta pela parte autora.
É como voto.
Desembargador Federal URBANO LEAL BERQUÓ NETO
Relator

PROCESSO: 1019129-81.2020.4.01.9999 PROCESSO REFERÊNCIA: 0000701-64.2013.8.04.6000
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
POLO ATIVO: GENESIA DE CASTRO LAVAREDA
REPRESENTANTES POLO ATIVO: ANDERSON MANFRENATO - SP234065-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. CONSTITUCIONAL. PENSÃO POR MORTE. TRABALHADOR RURAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. JULGAMENTO SEM OITIVA DE TESTEMUNHAS. DEPOIMENTO DE INFORMANTES. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. SENTENÇA ANULADA DE OFÍCIO. RECURSO DA PARTE AUTORA PREJUDICADO.
1. Trata-se de apelação em face de sentença que julgou improcedentes os pedidos da parte autora, negando-lhe o benefício previdenciário da pensão por morte.
2. In casu, embora tenha sido realizada audiência de instrução e julgamento, as duas testemunhas arroladas pela parte autora foram dispensadas de prestar o compromisso de dizer a verdade por serem amigas íntimas da apelante e, portanto, suspeitas, tendo sido ouvidas apenas como informantes, nos termos do art. 447, §3º, I e §5º, do CPC, quando deveria ter o magistrado oportunizado à parte autora substituir ou arrolar outras testemunhas, a serem ouvidas em nova audiência.
3. O comando exarado há de ser anulado, tendo em vista que sua prolação julgando improcedente o pedido do benefício requerido pela parte autora se deu sem a produção de prova testemunhal, que também é imprescindível ao deferimento da prestação em testilha, na hipótese (nos autos verificada) em que a prova material apresentada seja apenas indiciária.
4. Restou evidente, portanto, o cerceamento de defesa, violando-se os princípios constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa (art. 5, LIV e LV, CRFB), motivo que leva à necessidade de anulação da sentença.
5. Sentença anulada de ofício. Apelação da parte autora prejudicada.
A C Ó R D Ã O
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, ANULAR A SENTENÇA DE OFÍCIO e julgar prejudicada a apelação da parte autora, nos termos do voto do Relator.
Desembargador Federal URBANO LEAL BERQUÓ NETO
Relator
