
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:NEUTO PEREIRA MARINHO
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: PALLOMA DE CARVALHO REBOUCAS - GO33613-A
RELATOR(A):MARCELO VELASCO NASCIMENTO ALBERNAZ

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 03 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1010009-43.2022.4.01.9999
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: NEUTO PEREIRA MARINHO
Advogado do(a) APELADO: PALLOMA DE CARVALHO REBOUCAS - GO33613-A
RELATÓRIO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSS contra sentença na qual foi julgado procedente o pedido de aposentadoria rural por idade, desde a data do requerimento administrativo.
O recorrente requer o recebimento do recurso em seu duplo efeito. No mérito, sustenta em suas razões que a parte autora não apresentou início razoável de prova material da sua condição de segurada especial. Aduz que a esposa do autor foi servidora pública estadual, entre 1985 e 2017, na Secretaria da Educação, o que descaracteriza a sua condição de segurado especial. Assim, requer a reforma da sentença com a improcedência do pedido inicial. Eventualmente argui a prescrição quinquenal.
A parte autora apresentou contrarrazões.
É o relatório.
Desembargador Federal MARCELO ALBERNAZ
Relator

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 03 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1010009-43.2022.4.01.9999
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: NEUTO PEREIRA MARINHO
Advogado do(a) APELADO: PALLOMA DE CARVALHO REBOUCAS - GO33613-A
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ (RELATOR):
Preliminarmente, consigno que o recurso preenche os requisitos subjetivos e objetivos de admissibilidade.
Do efeito suspensivo
Diante do julgamento do recurso nesta oportunidade, resta prejudicado o pedido de atribuição de efeito suspensivo.
DO MÉRITO
A concessão do benefício de aposentadoria por idade ao trabalhador rural exige o preenchimento da idade mínima de 60 anos para homens e 55 anos para mulher, bem como a efetiva comprovação de exercício em atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido (art. 48, §§ 1º e 2º, e art. 142, ambos da Lei nº 8.213/91).
O efetivo exercício da atividade campesina deve ser demonstrado através do início de prova material.
O art. 106 da Lei nº 8.213/91 elenca diversos documentos aptos à comprovação do exercício de atividade rural, sendo pacífico na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que tal rol é meramente exemplificativo (REsp 1.719.021/SP, Segunda Turma, Relator Ministro Herman Benjamin, julgado em 1º/3/2018, DJe 23/11/2018).
Assim, a fim de comprovar o tempo de serviço rural, a jurisprudência admite outros documentos além dos previstos na norma legal, tais com a certidão de casamento, a carteira de sindicato rural com comprovantes de recolhimento de contribuições, o boletim escolar de filhos que tenham estudado em escola rural (STJ AgRG no REsp 967344/DF), certidão de casamento que atesta a condição de lavrador do cônjuge ou do próprio segurado (STJ, AR 1067/SP, AR1223/MS); declaração de Sindicato de Trabalhadores Rurais, devidamente homologada pelo Ministério Público (STJ, AR3202/CE), desde que contemporâneos ao período que se pretende comprovar.
Registra-se, na oportunidade, não ser necessário que o início de prova material corresponda a todo o período equivalente à carência do benefício, conforme disposto na Súmula 14 da TNU, nem que o exercício de atividade rural seja integral ou contínuo (art. 48, §§ 1º e 2º, da Lei nº 8.213/91).
Convém registrar, ainda, que documentos tais como declarações de sindicatos sem a devida homologação do INSS e do Ministério Público; a certidão eleitoral com anotação indicativa da profissão de lavrador; declarações escolares, de Igrejas, de ex-empregadores e afins; prontuários médicos em que constem as mesmas anotações; além de outros que a esses possam se assemelhar não são aptos a demonstrar o início de prova material, na medida em que não se revestem de maiores formalidades.
Fixadas essas premissas, passo à análise do caso concreto.
No caso dos autos, a parte autora, nascida em 27/1/1959, preencheu o requisito etário em 27/1/2019 (60 anos) e requereu administrativamente o benefício de aposentadoria por idade rural em 22/1/2019, o qual restou indeferido por ausência de comprovação de efetivo exercício de atividade rural. Ajuizou a presente ação em 02/12/2019, pleiteando a concessão do benefício supracitado a contar do requerimento administrativo.
Para comprovação da qualidade de segurado e carência, a parte autora trouxe aos autos, entre outros, os seguintes documentos: certidão de casamento, em 1987, constando a profissão de lavrador; certidão de nascimento do filho em 1993, constando a profissão como lavrador; escritura de inventário, partilha e divisão amigável referente ao espólio dos genitores do autor, datada de 2012, na qual o autor recebe gleba de terras como herança; certidão de casamento dos seus genitores, constando a profissão do pai como lavrador; CCIR de imóvel rural (Fazenda Volta Feliz) anos 2006/2009 em nome do autor; comprovantes de recolhimentos de ITR (2004/2018).
Da análise dos documentos apresentados, verifica-se que a certidão de casamento, em 1987, constando a profissão de lavrador; a certidão de nascimento do filho em 1993, constando a profissão como lavrador; a escritura de inventário, partilha e divisão amigável referente ao espólio dos genitores do autor, datada de 2012, na qual o autor recebe gleba de terras como herança; o CCIR de imóvel rural (Fazenda Volta Feliz) anos 2006/2009 em nome do autor; e os comprovantes de recolhimentos de ITR (2004/2018) constituem início razoável de prova material da sua condição de segurado especial.
Consta no CNIS do autor recolhimentos como urbano nos seguintes períodos: 19/11/1981 a 6/6/1983; 1/12/2009 a 31/01/2010; 16/2/2010 a 12/2010; 3/1/2011 a 1/2013.
Diante disso, tem-se que o autor demonstrou por início de prova material o exercício do labor rural no período de 1987 (certidão de casamento posterior ao primeiro vínculo urbano) a 2009 (início do segundo vínculo urbano) e a partir de novembro de 2013, após receber imóvel rural como herança, até a data do implemento do requisito etário.
O INSS alega em suas razões que a esposa do requerente manteve longo vínculo urbano junto ao Munícipio, entre 1985 e 2017, fato que afastaria a condição de segurado especial do autor.
Segundo entendimento firmado pelo STJ no julgamento do REsp 1.304.479-SP, sob o rito do art. 543-C do CPC, o fato de um dos membros do grupo exercer atividade incompatível com o regime de economia familiar não descaracteriza, por si só, a atividade agrícola dos demais componentes, caso haja prova em nome próprio, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar.
Nessa seara, no caso em análise, o vínculo da esposa do autor com o Município, de 1985 a 2017, não afasta a condição de segurado especial do mesmo, tendo em vista que este apresentou prova robusta em nome próprio e não restou demonstrada nos autos a dispensabilidade do labor rural do autor para o sustento da família, diante do salário auferido pela esposa como trabalhadora urbana.
Ademais, o início de prova material foi corroborado pela prova testemunhal colhida, que confirmou o exercício da atividade rural pela parte autora, pelo prazo de carência necessário à concessão do benefício.
Assim, somando-se os períodos descontínuos (1987 a 2009 e a partir de novembro de 2013), é possível contar 180 meses de atividade rural, no período imediatamente anterior ao implemento do requisito etário.
Assim, tendo em vista que a prova testemunhal colhida nos autos corrobora a pretensão da parte autora e considerando ainda que o INSS não trouxe aos autos outros documentos aptos a desconstituir a qualidade de segurado especial, deve ser mantido o benefício de aposentadoria por idade rural.
Da Data de Início do Benefício (DIB)
Em regra, o termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo (DER).
Não obstante, no caso em análise, a parte autora apresentou requerimento administrativo em 22/1/2019, antes de implementar o requisito etário, o que se deu em 27/1/2019.
Nessa seara, o Tema 995 do STJ estabelece que "é possível a reafirmação da DER (Data de Entrada do Requerimento) para o momento em que implementados os requisitos para a concessão do benefício, mesmo que isso se dê no interstício entre o ajuizamento da ação e a entrega da prestação jurisdicional nas instâncias ordinárias, nos termos dos arts. 493 e 933 do CPC/2015, observada a causa de pedir".
Note-se que o implemento do requisito etário ocorreu antes do indeferimento administrativo, aplicando-se, na integralidade, a diretriz do Tema 995/STJ.
Assim, no caso em questão, a sentença merece reparo, a fim de que seja reconhecida a reafirmação da DER, com a fixação do termo inicial do benefício na data em que a parte autora completou todos os requisitos para a sua concessão, o que se deu em 27/1/2019.
Por fim, o pedido eventual não merece acolhimento.
Tendo em vista que a presente ação foi ajuizada em 02/12/2019, não incide prescrição quinquenal, pois não transcorreu prazo superior a cinco anos desde a data do implemento do requisito etário (Súmula n. 85/STJ).
JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA
As parcelas vencidas devem ser acrescidas de correção monetária pelo INPC e juros moratórios nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal, que se encontra atualizado nos termos do julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 870.947-SE, em sede de repercussão geral (Tema 810), e pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.495.146/MG (Tema 905). “Nos termos do art. 3° da Emenda Constitucional nº113/2021, após 8/12/2021, deverá incidir apenas a taxa SELIC para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação de mora até o efetivo pagamento” (AC 1017905-06.2023.4.01.9999, DESEMBARGADORA FEDERAL NILZA REIS, TRF1 - NONA TURMA, PJe 26/03/2024).
DESPESAS PROCESSUAIS
"Nas causas ajuizadas perante a Justiça Estadual, no exercício da jurisdição federal (§3º do art. 109 da CF/88), o INSS está isento das custas somente quando lei estadual específica prevê a isenção, como ocorre nos estados de Minas Gerais, Goiás, Rondônia, Mato Grosso, Bahia, Acre, Tocantins e Piauí (AC 0024564-48.2008.4.01.9199, Rel. Desembargador Federal Francisco de Assis Betti, Segunda Turma, e-DJF1 28/05/2020)" (AC 1026342-07.2021.4.01.9999, DESEMBARGADOR FEDERAL MORAIS DA ROCHA, TRF1 - PRIMEIRA TURMA, PJe 26/07/2023).
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Tendo a apelação sido parcialmente provida sem inversão do resultado, descabe a majoração de honorários advocatícios na fase recursal (Tema 1059/STJ).
CONCLUSÃO
Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação interposta pelo INSS, apenas para fixar a DIB na data do implemento do requisito etário (27/1/2019), nos termos da fundamentação do voto.
É como voto.
Desembargador Federal MARCELO ALBERNAZ
Relator

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 03 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1010009-43.2022.4.01.9999
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: NEUTO PEREIRA MARINHO
Advogado do(a) APELADO: PALLOMA DE CARVALHO REBOUCAS - GO33613-A
EMENTA
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. REQUISITOS PREENCHIDOS. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADO POR PROVA TESTEMUNHAL. VÍNCULO URBANO DA ESPOSA NÃO DESCARACTERIZA A CONDIÇÃO DE SEGURADO ESPECIAL. REAFIRMAÇÃO DA DER. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
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O benefício de aposentadoria por idade rural exige a comprovação de idade mínima e de exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, pelo período correspondente à carência.
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O início de prova material do exercício de atividade rural pode ser complementado por prova testemunhal idônea, conforme jurisprudência consolidada.
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O vínculo urbano da esposa do autor, por si só, não afasta a condição de segurado especial, conforme entendimento firmado pelo STJ, desde que não se demonstre a dispensabilidade do labor rural para a subsistência do grupo familiar.
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Reafirmação da Data de Entrada do Requerimento (DER), conforme Tema 995 do STJ, fixando-se o termo inicial do benefício na data de implementação do requisito etário (27/1/2019).
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Não há prescrição quinquenal, nos termos da Súmula n. 85/STJ, uma vez que a ação foi ajuizada antes de transcorridos cinco anos desde o implemento do requisito etário.
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Apelação parcialmente provida para ajustar a Data de Início do Benefício (DIB) à data de cumprimento dos requisitos para a aposentadoria.
Tese de julgamento:
“1. O vínculo urbano da esposa não afasta a condição de segurado especial do autor, desde que haja prova robusta em nome próprio e não se demonstre a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência familiar.
2. É possível a reafirmação da DER para a data em que o segurado implementa os requisitos para a concessão do benefício.”
Legislação relevante citada:
Lei nº 8.213/1991, art. 48, §§ 1º e 2º
Lei nº 8.213/1991, art. 142
Súmula 85/STJ
Jurisprudência relevante citada:
STJ, REsp 1.719.021/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 01/03/2018, DJe 23/11/2018
STJ, Tema 995 (REsp 1.727.063/SP)
ACÓRDÃO
Decide a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, à unanimidade, dar parcial provimento à apelação do INSS, nos termos do voto do Relator.
Brasília/DF.
Desembargador Federal MARCELO ALBERNAZ
Relator
