
POLO ATIVO: JOSE HILTON FERREIRA DOS SANTOS
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: HIALEY CARVALHO ARANHA - MA10520-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR(A):MARCELO VELASCO NASCIMENTO ALBERNAZ

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 03 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1019161-18.2022.4.01.9999
APELANTE: JOSE HILTON FERREIRA DOS SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: HIALEY CARVALHO ARANHA - MA10520-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo autor em face da sentença que julgou improcedente o pedido formulado na inicial, sob o argumento de que a parte autora não comprovou os requisitos para a concessão do benefício por incapacidade requerido.
O apelante postula a anulação da sentença, com o retorno dos autos à origem, para que possa produzir a prova testemunhal e pericial, alegando cerceamento de defesa.
Não foram apresentadas contrarrazões.
É o relatório.
Desembargador Federal MARCELO ALBERNAZ
Relator

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 03 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1019161-18.2022.4.01.9999
APELANTE: JOSE HILTON FERREIRA DOS SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: HIALEY CARVALHO ARANHA - MA10520-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ (RELATOR):
Preliminarmente, consigno que o recurso preenche os requisitos subjetivos e objetivos de admissibilidade.
Mérito
Os requisitos indispensáveis para a concessão do benefício previdenciário de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez são: a) a qualidade de segurado; b) a carência de 12 (doze) contribuições mensais, salvo nas hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei n. 8.213/91; c) a incapacidade parcial ou total e temporária (auxílio-doença) ou permanente e total (aposentadoria por invalidez) para atividade laboral.
Das provas – qualidade de segurado especial
A controvérsia reside na comprovação do preenchimento dos requisitos para a concessão de benefício por incapacidade para o trabalho da parte autora, em especial quanto à incapacidade laboral e à qualidade de segurado especial rural.
O reconhecimento da qualidade de segurado especial desafia o preenchimento dos seguintes requisitos fundamentais: a existência de início de prova material da atividade rural exercida e a corroboração dessa prova indiciária por robusta prova testemunhal.
O art. 106 da Lei nº 8.213/91 elenca diversos documentos aptos à comprovação do exercício de atividade rural, sendo pacífico na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que tal rol é meramente exemplificativo (REsp 1.719.021/SP, Segunda Turma, Relator Ministro Herman Benjamin, julgado em 1º/3/2018, DJe 23/11/2018).
Assim, a fim de comprovar o tempo de serviço rural, a jurisprudência admite outros documentos além dos previstos na norma legal, tais com a certidão de casamento, a carteira de sindicato rural com comprovantes de recolhimento de contribuições, o boletim escolar de filhos que tenham estudado em escola rural (STJ AgRG no REsp 967344/DF), certidão de casamento que atesta a condição de lavrador do cônjuge ou do próprio segurado (STJ, AR 1067/SP, AR1223/MS); declaração de Sindicato de Trabalhadores Rurais, devidamente homologada pelo Ministério Público (STJ, AR3202/CE), desde que contemporâneos ao período que se pretende comprovar.
Convém registrar, ainda, que documentos tais como declarações de sindicatos sem a devida homologação do INSS e do Ministério Público; a certidão eleitoral com anotação indicativa da profissão de lavrador; declarações escolares, de Igrejas, de ex-empregadores e afins; prontuários médicos em que constem as mesmas anotações; além de outros que a esses possam se assemelhar não são aptos a demonstrar o início de prova material, na medida em que não se revestem de maiores formalidades.
Caso dos autos
Como início de prova material da condição de segurado especial, o autor juntou os seguintes documentos: certidão de nascimento de seus filhos, sem qualificação quanto à profissão; declaração de exercício de atividade rural emitida por sindicato rural, sem homologação do INSS ou do MP; ficha de cadastro no sindicato dos trabalhadores rurais de Morros; e recibo de pagamento de contribuição sindical ao sindicato rural.
O início de prova material do labor campesino do apelante restou comprovado pela ficha de cadastro no sindicato dos trabalhadores rurais de Morros e recibo de pagamento de contribuição sindical ao sindicato rural.
Dessa forma, havendo início de prova material a prova testemunhal torna-se indispensável, já que pode corroborar o conteúdo das provas apresentadas pela parte autora.
O autor postulou produção de prova pericial e arrolou testemunhas na petição inicial. Na réplica, reiterou o pedido de produção de prova testemunhal e informou ter juntado perícia médica produzida em outro processo. No caso, mesmo havendo perícia realizada em outro processo, a prova pericial é necessária para aferir a subsistência e o prazo provável de duração de eventual incapacidade do autor. Por sua vez, a prova testemunhal é imprescindível para corroborar o início de prova material sobre a condição de segurado especial. Note-se que, em despacho anterior à réplica, o juízo de origem já havia indicado que esse era o momento próprio para especificação de provas pela parte autora. Diante disso, já tendo cumprido a determinação judicial na réplica e sendo as provas oral e pericial indispensáveis para o esclarecimento dos fatos, a mera ausência de nova especificação de provas pela parte autora não pode ser interpretada em seu desfavor.
Note-se que o direito à ampla defesa e ao contraditório é amparado pelo art. 5º, LV, da Constituição Federal.
Deve-se atentar que, em matéria previdenciária, as regras processuais devem ser aplicadas atendendo-se, na medida do possível, à busca da verdade real.
Em se tratando de benefício devido a trabalhador rural, tem-se que a prova testemunhal é essencial à comprovação da atividade, uma vez que se presta a corroborar os inícios de prova material apresentados. Trata-se, pois, de prova que, segundo o entendimento desta Corte, é indispensável à adequada solução do processo.
Assim, ao abreviar a fase instrutória, sem considerar a necessidade de produção de prova testemunhal, o magistrado cerceia o direito de defesa e de produção de provas da parte autora.
Esse é também o entendimento pacífico desta Corte:
PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. AUXÍLIO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA. TRABALHADOR RURAL. NÃO REALIZAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. PROVA TESTEMUNHAL NÃO PRODUZIDA. CERCEAMENTO DA DEFESA. SENTENÇA ANULADA COM RETORNO DOS AUTOS À VARA DE ORIGEM. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PREJUDICADA. 1. A controvérsia reside na comprovação do preenchimento dos requisitos para a concessão de benefício por incapacidade pela parte autora, em especial quanto à incapacidade laboral e à qualidade de segurado especial rural. 2. Para comprovar o início de prova material da condição de segurado especial, a parte autora juntou os seguintes documentos: contrato particular de compra de imóvel rural, registrado em cartório e datado de 14/02/2018; notas fiscais que comprovam a venda de café referente aos anos de 2018, 2019, 2020 e 2021; e certidão de casamento do autor, registrado em 04/01/1986, na qual consta sua profissão como agricultor. O início de prova material do efetivo trabalho rurícola do apelante restou comprovado por todos os documentos acima. Havendo início de prova material, como ocorre no presente caso, é necessário que a mesma seja complementada por prova testemunhal idônea. 3. A parte apelante solicitou a produção de prova testemunhal, para que pudesse comprovar a sua qualidade de segurado especial. Todavia, a audiência de instrução e julgamento, na qual a apelante pretendia que fosse colhido o depoimento de suas testemunhas, foi indeferida pelo Juízo de origem (ID 419189007 - Pág. 12 fl. 14 e ID 419189007 - Pág. 312 fl. 14). 4. O direito à ampla defesa e ao contraditório é amparado pelo art. 5º, LV, da Constituição Federal e decorre dele a nulidade de qualquer decisão que ao contraditório não for submetida - especialmente quando infringir algum prejuízo. Em se tratando de benefício devido a trabalhador rural, tem-se que a prova testemunhal é essencial à comprovação da atividade, uma vez que se presta a corroborar os inícios de prova material apresentados. Trata-se, pois, de prova que, segundo o entendimento desta Corte, é indispensável à adequada solução do processo. Precedentes. 5. Assim, ao abreviar a fase instrutória, sem considerar a necessidade de produção de prova testemunhal, o magistrado cerceia o direito de defesa e de produção de provas da parte autora. 6. Os requisitos indispensáveis para a concessão do benefício previdenciário de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez são: a) a qualidade de segurado; b) a carência de 12 (doze) contribuições mensais, salvo nas hipóteses previstas no art. 26, inciso II, da Lei n. 8.213/1991; c) incapacidade para o trabalho ou atividade habitual por mais de 15 dias ou, na hipótese da aposentadoria por invalidez, incapacidade (permanente e total) para atividade laboral. 7. O que distingue os benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez, é que a aposentadoria por invalidez exige a incapacidade total e permanente para o trabalho, enquanto para o auxílio-doença a incapacidade deverá ser parcial ou total e temporária. 8. Nos autos consta laudo emitido por médico particular, datado de 26/03/2021 (ID 419189007 - Pág. 31 fl. 33); laudo de perícia realizada pelo INSS na data de 18/05/2021 (ID 419189007 - Pág. 277 fl. 279); e laudo médico pericial judicial complementar (ID 419189007 - Pág. 297 fl. 299). Todos os documentos colacionados atestaram que a parte autora (agricultor) sofreu acidente de motocicleta na data de 26/03/2021, que resultou em fratura do punho, sendo submetida a tratamento cirúrgico. Devido ao quadro de saúde do autor, houve incapacidade laboral pelo período de 180 (cento e oitenta) dias. Assim, restou comprovada a incapacidade temporária da parte autora. Sendo essa incapacidade suficiente para a concessão de auxílio-doença pelo período necessário para a recuperação da capacidade laboral do autor. Portanto, diante da comprovação da incapacidade laboral do autor, ainda que temporária, é necessária a verificação dos demais requisitos para a concessão do benefício por incapacidade. Não sendo possível o imediato julgamento da lide, posto que não houve a realização da prova testemunhal, que corrobora o início da prova material da qualidade de segurado especial rural. 9. Sentença anulada. Apelação da parte autora prejudicada. Remessa dos autos ao Juízo de origem para regular instrução e julgamento do feito. (AC 1009959-46.2024.4.01.9999, DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO VELASCO NASCIMENTO ALBERNAZ, TRF1 - PRIMEIRA TURMA, PJe 24/09/2024 PAG.)
PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. AUXÍLIO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA. TRABALHADOR RURAL. NÃO REALIZAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. PROVA TESTEMUNHAL NÃO PRODUZIDA. CERCEAMENTO DA DEFESA. SENTENÇA ANULADA COM RETORNO DOS AUTOS À VARA DE ORIGEM. APELAÇÃO DO INSS PREJUDICADA. 1. A controvérsia central reside no preenchimento do requisito de segurado especial. 2. Os requisitos indispensáveis para a concessão do benefício previdenciário de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez são: a) a qualidade de segurado; b) a carência de 12 (doze) contribuições mensais; c) a incapacidade parcial ou total e temporária (auxílio-doença) ou permanente e total (aposentadoria por invalidez) para atividade laboral. 3. Considera-se demonstrado o exercício de atividade rural, havendo início de prova material complementada por prova testemunhal idônea. 4. Quando ausente o início de prova material plena e a oitiva das testemunhas, com o julgamento antecipado do feito, há cerceamento da defesa. 5. Anulação da sentença, de ofício e envio dos autos à origem para a audiência de instrução e julgamento com oitiva das testemunhas e regular prosseguimento do feito. (AC 1002350-46.2023.4.01.9999, DESEMBARGADORA FEDERAL CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM, TRF1 - SEGUNDA TURMA, PJe 18/09/2023 PAG.
As atividades rurais são, geralmente, exercidas por pessoas extremamente simples e com grau de vulnerabilidade elevado, cuja comprovação é difícil e qualquer meio de prova é útil na busca da verdade real, principalmente a oitiva das testemunhas arroladas.
In casu, afigura-se necessária a realização de prova testemunhal, com a colheita de depoimentos que elucidem as circunstâncias do labor rurícola alegadamente exercido pela parte autora.
Noutro compasso, a presente ação visa à concessão de benefício por incapacidade, sendo imprescindível a realização de perícia médica judicial para a análise de seu mérito.
O Juízo de origem julgou improcedente o pedido da parte autora, em julgamento antecipado da lide, sem a realização da perícia médica judicial, requerida pela autora em sua exordial.
A realização de perícia médica judicial se faz imprescindível para determinar a existência de incapacidade laboral, sua duração e o momento de seu início, dado que a condição de segurado é avaliada com base na data em que a incapacidade teve início.
Ainda que haja provas colacionadas pelas partes nos autos, a realização da perícia médica judicial não é dispensável.
Afinal, o perito médico judicial é profissional equidistante dos interesses dos litigantes, efetuando uma avaliação eminentemente técnica. Desse modo, um laudo produzido pelo expert qualifica-se pela imparcialidade, devendo ser priorizado ao juntado pelas partes. Assim, um laudo juntado pelas partes não substitui a perícia médica judicial.
Além disso, a ausência de realização da prova pericial acima citada cerceia o direito das partes, mesmo na ausência de requerimento para sua produção. Nesse contexto, cabe ao juiz, no silêncio dos demandantes, designá-la de ofício, em consonância com o art. 370 do CPC.
Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA/APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. NECESSIDADE DE COMPLEMENTAÇÃO DO LAUDO MÉDICO JUDICIAL OU DE REALIZAÇÃO DE NOVA PROVA PERICIAL. SENTENÇA ANULADA. 1. Os requisitos indispensáveis para a concessão do benefício previdenciário de auxílio-doença/aposentadoria por invalidez são: a) a qualidade de segurado; b) a carência de 12 (doze) contribuições mensais, salvo nas hipóteses previstas no art. 26, II, e 39, I, da Lei 8.213/91; c) incapacidade para o trabalho ou atividade habitual por mais de 15 dias ou, na hipótese da aposentadoria por invalidez, incapacidade (permanente e total) para atividade laboral. 2. O deferimento do benefício de aposentadoria por invalidez/auxílio-doença pressupõe a comprovação de que a parte autora deve ser qualificada como segurada do RGPS e que ela está incapacitada para o desempenho do labor que exercia. 3. A realização de perícia médica judicial, em demanda cuja pretensão versa sobre a concessão de benefício por incapacidade, é procedimento indispensável para o deslinde da questão. 4. O laudo oficial deve apresentar-se conclusivo, detalhando a patologia da qual sofre a parte demandante, sem deixar em dúvida o grau de evolução da doença reconhecida, o que demonstrará a incapacidade ou não da parte autora para as atividades a que ela estava habilitada a desempenhar. Também deve conter elementos que permitam aferir se, ao tempo do surgimento da incapacidade, a parte autora era segurada e cumpria a carência exigida. Caso em que o laudo pericial não é suficiente para o julgamento da causa, pois não contém elementos que indiquem a possível data de início da incapacidade. 5. Apelação da autora provida para anular a sentença, com o retorno dos autos à origem para a complementação/realização da necessária prova técnica.
(AC 1031185-15.2021.4.01.9999, JUIZ FEDERAL FAUSTO MENDANHA GONZAGA, TRF1 - PRIMEIRA TURMA, PJe 30/10/2023 PAG.)
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. AUSÊNCIA DE PERÍCIA MÉDICA JUDICIAL e DE ESTUDO SOCIOECONÔMICO. NULIDADE. SENTENÇA ANULADA. 1. A realização de prova pericial médica e de estudo socioeconômico são requisitos indispensáveis para dirimir sobre concessão de benefício assistencial, devendo o Juízo requerê-los de ofício, na busca da verdade real. 2. Constatada nos autos a inexistência de realização de perícia médica e do estudo socioeconômico, a sentença apresenta vício de nulidade por cerceio de defesa. 6. Dessa forma, ausente prova determinante de incapacidade e de hipossuficiência, impõe-se a anulação da sentença, devendo os autos serem remetidos à vara de origem para produção de prova pericial médica e da aferição da renda per capita familiar através da perícia socioeconômica. 7. Apelação da parte autora provida. Sentença anulada. (AC 0073178-79.2011.4.01.9199 / MG, Rel. JUIZ FEDERAL HERMES GOMES FILHO, 2ª CÂMARA REGIONAL PREVIDENCIÁRIA DE MINAS GERAIS, e-DJF1 de 14/03/2016) (sem grifos no original)
Na hipótese, observa-se que a falta da perícia médica torna impossível a avaliação da incapacidade laborativa da parte autora, sua origem e o momento em que ela surgiu.
CONCLUSÃO
Pelo exposto, dou provimento à apelação da parte autora para anular a sentença e determinar o retorno dos autos ao juízo de origem para a produção das provas pericial e testemunhal, assegurando a continuidade da regular instrução do processo, nos termos acima explicitados.
É como voto.
Desembargador Federal MARCELO ALBERNAZ
Relator

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 03 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1019161-18.2022.4.01.9999
APELANTE: JOSE HILTON FERREIRA DOS SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: HIALEY CARVALHO ARANHA - MA10520-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. PROVA TESTEMUNHAL NÃO PRODUZIDA. AUSÊNCIA DE PERÍCIA MÉDICA JUDICIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM. APELAÇÃO PROVIDA.
1. Os requisitos indispensáveis para a concessão do benefício previdenciário de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez são: a) a qualidade de segurado; b) a carência de 12 (doze) contribuições mensais, salvo nas hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei n. 8.213/91; c) a incapacidade parcial ou total e temporária (auxílio-doença) ou permanente e total (aposentadoria por invalidez) para atividade laboral.
2. A controvérsia reside na comprovação do preenchimento dos requisitos para a concessão de benefício por incapacidade para o trabalho da parte autora, em especial quanto à incapacidade laboral e à qualidade de segurado especial rural.
3. O reconhecimento da qualidade de segurado especial desafia o preenchimento dos seguintes requisitos fundamentais: a existência de início de prova material da atividade rural exercida e a corroboração dessa prova indiciária por robusta prova testemunhal.
4. O art. 106 da Lei nº 8.213/91 elenca diversos documentos aptos à comprovação do exercício de atividade rural, sendo pacífico na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que tal rol é meramente exemplificativo (REsp 1.719.021/SP, Segunda Turma, Relator Ministro Herman Benjamin, julgado em 1º/3/2018, DJe 23/11/2018). Assim, a fim de comprovar o tempo de serviço rural, a jurisprudência admite outros documentos além dos previstos na norma legal, tais com a certidão de casamento, a carteira de sindicato rural com comprovantes de recolhimento de contribuições, o boletim escolar de filhos que tenham estudado em escola rural (STJ AgRG no REsp 967344/DF), certidão de casamento que atesta a condição de lavrador do cônjuge ou do próprio segurado (STJ, AR 1067/SP, AR1223/MS); declaração de Sindicato de Trabalhadores Rurais, devidamente homologada pelo Ministério Público (STJ, AR3202/CE), desde que contemporâneos ao período que se pretende comprovar. Convém registrar, ainda, que documentos tais como declarações de sindicatos sem a devida homologação do INSS e do Ministério Público; a certidão eleitoral com anotação indicativa da profissão de lavrador; declarações escolares, de Igrejas, de ex-empregadores e afins; prontuários médicos em que constem as mesmas anotações; além de outros que a esses possam se assemelhar não são aptos a demonstrar o início de prova material, na medida em que não se revestem de maiores formalidades.
5. Como início de prova material da condição de segurado especial, o autor juntou os seguintes documentos: certidão de nascimento de seus filhos, sem qualificação quanto à profissão; declaração de exercício de atividade rural emitida por sindicato rural, sem homologação do INSS ou do MP; ficha de cadastro no sindicato dos trabalhadores rurais de Morros; e recibo de pagamento de contribuição sindical ao sindicato rural. O início de prova material do labor campesino do apelante restou comprovado pela ficha de cadastro no sindicato dos trabalhadores rurais de Morros e recibo de pagamento de contribuição sindical ao sindicato rural. Dessa forma, havendo início de prova material a prova testemunhal torna-se indispensável, já que pode corroborar o conteúdo das provas apresentadas pela parte autora.
6. O autor postulou produção de prova pericial e arrolou testemunhas na petição inicial. Na réplica, reiterou o pedido de produção de prova testemunhal e informou ter juntado perícia médica produzida em outro processo. No caso, mesmo havendo perícia realizada em outro processo, a prova pericial é necessária para aferir a subsistência e o prazo provável de duração de eventual incapacidade do autor. Por sua vez, a prova testemunhal é imprescindível para corroborar o início de prova material sobre a condição de segurado especial. Note-se que, em despacho anterior à réplica, o juízo de origem já havia indicado que esse era o momento próprio para especificação de provas pela parte autora. Diante disso, já tendo cumprido a determinação judicial na réplica e sendo as provas oral e pericial indispensáveis para o esclarecimento dos fatos, a mera ausência de nova especificação de provas pela parte autora não pode ser interpretada em seu desfavor.
7. Em se tratando de benefício devido a trabalhador rural, tem-se que a prova testemunhal é essencial à comprovação da atividade, uma vez que se presta a corroborar os inícios de prova material apresentados. Trata-se, pois, de prova que, segundo o entendimento desta Corte, é indispensável à adequada solução do processo.
8. A presente ação visa à concessão de benefício por incapacidade, sendo imprescindível a realização de perícia médica judicial para a análise de seu mérito.
9. Apelação da parte autora provida para anular a sentença e determinar o retorno dos autos ao juízo de origem para a produção das provas pericial e testemunhal.
Tese de julgamento:
- A ausência de realização de prova testemunhal essencial para a comprovação de segurado especial e de perícia médica judicial em ações que envolvem benefício por incapacidade configura cerceamento de defesa, impondo a anulação da sentença.
Legislação relevante citada:
Lei nº 8.213/1991, art. 42, 59
CPC, art. 370.
Jurisprudência relevante citada:
TRF1, AC 1009959-46.2024.4.01.9999, Rel. Des. Fed. Marcelo Velasco Nascimento Albernaz, Primeira Turma, j. 24.09.2024.
TRF1, AC 1031185-15.2021.4.01.9999, Rel. Juiz Federal Fausto Mendanha Gonzaga, Primeira Turma, j. 30.10.2023.
ACÓRDÃO
Decide a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, à unanimidade, dar provimento à apelação da parte autora, nos termos do voto do relator.
Brasília/DF.
Desembargador Federal MARCELO ALBERNAZ
Relator
