
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:MARIA DO CARMO MOREIRA DA SILVA
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: JOSE RIBAMAR RIBEIRO DA SILVA - PI3960-A, LEANNE RIBEIRO DA SILVA - PI9150-A, MARCO DANILO RIBEIRO DA SILVA - PI12548-A e LENARA RIBEIRO DA SILVA - PI8981-A
RELATOR(A):URBANO LEAL BERQUO NETO

PROCESSO: 1000856-03.2020.4.01.4002 PROCESSO REFERÊNCIA: 1000856-03.2020.4.01.4002
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:MARIA DO CARMO MOREIRA DA SILVA
REPRESENTANTES POLO PASSIVO: JOSE RIBAMAR RIBEIRO DA SILVA - PI3960-A, LEANNE RIBEIRO DA SILVA - PI9150-A, MARCO DANILO RIBEIRO DA SILVA - PI12548-A e LENARA RIBEIRO DA SILVA - PI8981-A
RELATOR: URBANO LEAL BERQUO NETO
R E L A T Ó R I O
O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL URBANO LEAL BERQUÓ NETO (Relator):
Trata-se de apelação interposta pelo INSS em face de sentença que julgou parcialmente procedente a pretensão de restabelecimento de Renda Mensal Vitalícia com posterior conversão em aposentadoria por idade rural, segurada especial, e declaração de inexigibilidade do débito decorrente do recebimento indevido de RMV no período em que a autora gozou de benefício previdenciário de pensão por morte.
Em suas razões, o INSS sustenta o desacerto do julgado ao argumento de que a autora teria recebido indevidamente o benefício assistencial de renda mensal vitalícia por incapacidade (concedida em 1993) e de pensão por morte (concedida em 2002). Sustenta que não se trata de anulação ou revisão de ato concessivo de benefício, mas tão somente observância da presença ou não de requisitos legais para a manutenção do pagamento do benefício. Assevera quanto à legalidade do processo administrativo de apuração de irregularidade na concessão de benefícios, bem como o dever em devolução dos valores recebidos irregularmente.
Ressaltou que o princípio da ampla defesa foi observado no processo administrativo, e que o ressarcimento dos valores, seja em função da má-fé da beneficiária ou de erro da previdência sócial, decorre de expressa previsão legal, de modo que ao persegui-lo está executando a determinação imposta pela legislação em vigor, em cumprimento ao princípio da legalidade, consoante o caput do art. 37 da Constituição Federal de 1988. Ao final, requereu o provimento do recurso para julgar totalmente improcedente a pretensão inicial, condenando a autora no pagamento de honorários de sucumbência.
Regularmente intimada, a autora apresentou contrarrazões ao recurso.
É o relatório.

PROCESSO: 1000856-03.2020.4.01.4002 PROCESSO REFERÊNCIA: 1000856-03.2020.4.01.4002
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:MARIA DO CARMO MOREIRA DA SILVA
REPRESENTANTES POLO PASSIVO: JOSE RIBAMAR RIBEIRO DA SILVA - PI3960-A, LEANNE RIBEIRO DA SILVA - PI9150-A, MARCO DANILO RIBEIRO DA SILVA - PI12548-A e LENARA RIBEIRO DA SILVA - PI8981-A
RELATOR: URBANO LEAL BERQUO NETO
V O T O
O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL URBANO LEAL BERQUÓ NETO (Relator):
Presentes os pressupostos recursais, conheço do recurso.
Mister a depuração, de pronto, do cerne da pretensão, ora vertida em base recursal, lembrando que se trata de conflito de interesses condizente a possibilidade, ou não, do INSS exigir o ressarcimento ao erário dos valores recebidos indevidamente pela autora, a título de benefício assitencial da Renda Mensal Vitalícia por incapacidade no período em que a beneficiária recebeu, concomitantemente, benefício previdenciário de pensão por morte.
Com efeito, a autora pretendia, ao ajuizar a presente demanda, o restabelecimento de seu benefício assistencial de Renda Mensal Vitalícia por incapacidade, gozado de 02/1993 a 10/2019, com posterior conversão em aposentadoria por idade rural, ao argumento de que ao tempo da concessão do benefício assistencial já fazia jus ao benefício previdenciário. Requereu, ainda, a declaração de inexigibilidade do débito, imputado à autora pela Autarquia Previdenciária, em razão do recebimento simultâneo do benefício assistencial e pensão por morte.
Após o trâmite regular, sobreveio sentença de parcial procedência, julgando improcedente o pedido de restabelecimento do benefício assistencial, tendo em vista que com o gozo do benefício previdenciário de pensão por morte desaparece o requisito da miserabilidade para fazer jus ao benefício assistencial, assim como improcedente o pedido de aposentadoria por idade rural.
Por outro lado, restou procedente o pedido de desconstituição do débito, no valor de R$ 58.825,38, indevidamente cobrados pelo INSS, assim como condenou a autarquia a ressarcir as parcelas porventura descontadas do benefício de pensão por morte da autora, tendo em vista o recebimento de boa-fé por parte da autora, que não concorreu para o erro administrativo.
Sustenta, o recorrente, que seja em função da má-fé no recebimento dos valores ou por erro da previdência social, a devolução dos valores decorre de expressa previsão legal e constitucional.
Esquadrinhado o quadro de relevo, de início registro que, diferentemente das hipóteses de interpretação errônea e má aplicação da lei, em que se pode concluir que o segurado recebeu o benefício de boa-fé, o que lhe assegura o direito de não devolvê-lo, as hipóteses de erro material ou operacional devem ser analisadas caso a caso, pois é preciso verificar se o beneficiário tinha condições de compreender que o valor não era devido e se seria possível exigir dele comportamento diverso, diante do seu dever de lealdade para com a administração previdenciária.
Nesse contexto, ainda, o STJ, no julgamento do REsp 1381734/RN, sob a sistemática dos recursos repetitivos (Tema 979), firmou a seguinte tese:
"Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.”
Houve modulação de seus efeitos, entendendo que a tese somente deverá ser aplicada aos processos distribuídos a partir da publicação do respectivo acórdão, ocorrido em 23/04/2021. In casu, a presente demanda foi ajuizada em 07/02/2020.
De toda forma, seja qual for a situação que acarretou o recebimento indevido do benefício, somente haverá o dever de ressarcimento ao erário em caso de recebimento de má-fé.
Ocorre, todavia, que na hipótese dos autos não restou minimamente demonstrada à má-fé da autora na manutenção do recebimento do seu benefício assistencial após ter desaparecido o requisito de sua miserabilidade, decorrente da superveniente percepção de pensão por morte, revelando-se incabível a restituição dos valores recebidos a maior.
E neste ponto, a propósito, a sentença de primeiro grau se encontra bem fundamentada, razão pela qual deverá ser mantida, pois além de razoável, proporcional e ampla é suficientemente harmônica frente ao contexto fático-jurídico, cuja fundamentação é aqui invocada per relationem, em prestígio, aliás, à atividade judicante do 1º grau de jurisdição. Vejamos:
Como corolário da segurança jurídica, consagrou-se, a nível doutrinário e jurisprudencial, o princípio da boa-fé nas relações jurídicas e administrativas, porquanto não se pode punir quem, sem ter agido de má-fé, confiou no bom desempenho das funções exercidas pelo Estado para angariar algum direito que se entendia devido.
Sob outro enfoque, e com espeque nas garantias constitucionais que protegem o direito adquirido e o ato jurídico perfeito, construiu-se também o princípio da irrestituibilidade das verbas alimentares, tendo em vista a finalidade e o modo com que os alimentos são prestados, uma vez que o escopo primordial deles recai sobre a garantia da sobrevivência dos alimentandos e, por essa razão, são consumidos de imediato. De se considerar que o objetivo primordial deles é a garantia da sobrevivência do alimentando.
Portanto, é incabível a devolução ao erário de valores recebidos a tal título pela demandante, seja porque recebeu de boa-fé a verba que o INSS pretende ter restituída; seja porque a reportada verba ostenta caráter alimentar, e, portanto, é insusceptível de devolução, na medida em que se presume, repise-se, já tenha sido consumida pelo alimentando.
(...)
Caberia ao INSS analisar o preenchimento de todos os requisitos para manutenção de benefícios, mormente quando dispõe, em seu banco de dados, da condição da autora, enquanto beneficiária que era de renda mensal vitalícia por incapacidade, cuja implantação deu-se antes da concessão da pensão por morte (DIB da RMV: 04/02/1993, DIB da PPM: 10/06/2002). Mesmo ciente do impeditivo legal à manutenção dos pagamentos, continuou efetuando-os de modo contínuo. Se não agiu com o necessário desvelo em seu mister, não efetuando o cruzamento de dados dos benefícios, não pode agora tentar impingir à requerente encargo por demais oneroso, retendo considerável parcela dos seus proventos mensais.
É obrigação do INSS rever as benesses concedidas, fiscalizando sua regularidade de percepção, revisando, por exemplo, a prevalência da satisfação dos requisitos, tanto para a concessão quanto para a manutenção daquelas. E é assim, já há muito tempo. É o que se depreende da legislação específica a este aspecto e as modificações efetivadas no decorrer dos anos.
(...)
Assim, eventual recebimento indevido de renda decorrente benefícios inacumuláveis não é motivo suficiente para caracterizar má-fé da beneficiária, mormente quando a Autarquia Previdenciária incutiu no âmago da autora a ideia de que se tratava de situação envolta em legalidade.
Se é verdade que os benefícios são inacumuláveis e o pleito autoral de restabelecimento esbarra em óbice legal para tanto, de igual modo há de se ter em mente que os atos administrativos, ao gozarem de presunção de veracidade e de legitimidade, trazem consigo a certeza de que aquela percepção era escorreita, extreme de dúvidas, dentro da legalidade, portanto.
Assim, não ficou configurada a má-fé da beneficiária, mas sim, ao que parece, erro administrativo na manutenção dos benefícios, situação que somente fora corrigida após longos anos. Não pode o INSS, desta forma, valer-se de sua própria torpeza, repise-se, trazendo à autora o amargor de diminuição de sua renda mensal, relativa à pensão por morte, mediante descontos por erro a que não dera causa a beneficiária.
Ademais, entendo cabível a devolução dos valores que porventura já tenham sido descontados de sua pensão por morte, com os consectários legais pertinentes. (grifos acrescentados)
Desse modo, a sentença de primeiro grau se encontra bem fundamentada e não existem elementos nos autos que possam infirmar o quanto ali consignado.
Com efeito, da análise dos autos percebe-se que, embora tenha a requerente recebido indevidamente o benefício (em razão de superveniente recebimento de benefício previdenciário inacumulável), recebeu os valores de boa-fé, visto que se cuida de valores destinados à subsistência da assistida e que se trata de pessoa hipossuficiente e sem condições materiais de proceder à restituição, vivendo no limite do necessário à sobrevivência com dignidade, tendo em vista tratar-se de pessoa com incapacidade/deficiência e idosa (mais de 89 anos) e com baixa instrução (analfabeta).
Na hipótese dos autos, verifica-se que o INSS não logrou êxito em comprovar a má-fé da demandante por ocasião do recebimento do benefício assistencial, fato constitutivo de seu direito. Logo, revela-se incabível a restituição dos valores.
Ademais, vale registrar, por oportuno, que a boa-fé se presume ao passo que a má-fé exige comprovação, o que inocorreu no caso dos autos.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação interposta pelo INSS, nos termos da fundamentação supra.
Em razão do não provimento recursal, condeno o INSS ao pagamento de honorários que fixo em 11% sobre o proveito econômico obtido, eis que majoro em um ponto percentual os parâmetros fixados na origem.
É como voto.
Desembargador Federal URBANO LEAL BERQUÓ NETO
Relator

PROCESSO: 1000856-03.2020.4.01.4002 PROCESSO REFERÊNCIA: 1000856-03.2020.4.01.4002
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:MARIA DO CARMO MOREIRA DA SILVA
REPRESENTANTES POLO PASSIVO: JOSE RIBAMAR RIBEIRO DA SILVA - PI3960-A, LEANNE RIBEIRO DA SILVA - PI9150-A, MARCO DANILO RIBEIRO DA SILVA - PI12548-A e LENARA RIBEIRO DA SILVA - PI8981-A
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO E ADMINISTRATIVO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PENSÃO VITALÍCIA. RECEBIMENTO CONCOMITANTE COM PENSÃO POR MORTE. IMPOSSIBILIDADE. VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. A pretensão recursal do INSS diz respeito ao dever de ressarcimento dos valores auferidos pela autora de forma indevida, pelo período em que recebeu cumulativamente o benefício assistencial de Renda Mensal Vitalícia por incapacidade com pensão por morte. Sustenta, o recorrente, que seja em função da má-fé no recebimento dos valores ou por erro da previdência social, a devolução dos valores decorre de expressa previsão legal e constitucional.
2. E neste ponto, de início, há de se assinalar que, diferentemente das hipóteses de interpretação errônea e má aplicação da lei, em que se pode concluir que o segurado recebeu o benefício de boa-fé, o que lhe assegura o direito de não devolvê-lo, as hipóteses de erro material ou operacional devem ser analisadas caso a caso, pois é preciso verificar se o beneficiário tinha condições de compreender que o valor não era devido e se seria possível exigir dele comportamento diverso, diante do seu dever de lealdade para com a administração previdenciária.
3. Nesse contexto, ainda, o STJ, no julgamento do REsp 1381734/RN, sob a sistemática dos recursos repetitivos (Tema 979), firmou a seguinte tese: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.”
4. Houve modulação de seus efeitos, entendendo que a tese somente deverá ser aplicada aos processos distribuídos a partir da publicação do respectivo acórdão, ocorrido em 23/04/2021. In casu, a presente demanda foi ajuizada em 07/02/2020. De toda forma, seja qual for a situação que acarretou o recebimento indevido do benefício, somente haverá o dever de ressarcimento ao erário em caso de recebimento de má-fé. Ocorre, todavia, que na hipótese dos autos não restou minimamente demonstrada à má-fé da autora na manutenção do recebimento do seu benefício assistencial após ter desaparecido o requisito de sua miserabilidade, decorrente da percepção de pensão por morte, revelando-se incabível a restituição dos valores recebidos a maior. Vale registrar, a propósito, que a boa-fé se presume ao passo que a má-fé exige comprovação.
5. Apelação a que se nega provimento.
A C Ó R D Ã O
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO à apelação interposta pelo INSS, nos termos do voto do Relator.
Desembargador Federal URBANO LEAL BERQUÓ NETO
Relator
