
POLO ATIVO: CIRLEI MARIA MOHLECKE
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: ROSELI INES REIS - MT11666/O, RODRIGO ANNONI PAZETO - MT7324-A e ANA LUCIA STEFFANELLO - MT4709/B
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR(A):URBANO LEAL BERQUO NETO

PROCESSO: 1023963-30.2020.4.01.9999 PROCESSO REFERÊNCIA: 1004139-45.2018.8.11.0040
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
POLO ATIVO: CIRLEI MARIA MOHLECKE
REPRESENTANTES POLO ATIVO: ROSELI INES REIS - MT11666/O, RODRIGO ANNONI PAZETO - MT7324-A e ANA LUCIA STEFFANELLO - MT4709/B
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR: URBANO LEAL BERQUO NETO
R E L A T Ó R I O
O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL URBANO LEAL BERQUÓ NETO (Relator):
Trata-se de apelação interposta pela autora em face de sentença que julgou improcedente o pedido de concessão de benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, revogando-se a decisão concessiva do benefício de gratuidade de Justiça e condenando a apelante em litigância de má-fé em razão da alteração da verdade dos fatos quanto a real atividade ocupada pela requerente, assim como sua realidade financeira, impondo multa processual em um décuplo do valor das custas processuais iniciais, revertida em favor da Fazenda Pública Estadual. A apelada foi condenada, ainda, em honorários advocatícios arbitrados em R$ 1.000,00.
Em suas razões, o apelante requer a reforma da sentença para que seja julgado procedente o pedido, ao argumento de que os documentos apresentados e a prova oral produzida se desvela suficientes a comprovar a atividade rural apontada na inicial.
Sustenta que o entendimento do Juízo monocrático de que a atividade familiar não se enquadra como regime de economia familiar de subsistência e sim de grandes produtores de soja deve ser retificado, pois comprova que foi beneficiária do programa da reforma agrária, mediante concessão de Lote Rural com pouco mais de 81 ha. Que a comercialização de mais de 500 mil quilos de soja comercializados em 2001 a 2003, embora seja verdade, não descaracteriza sua qualificação como segurada especial, pois representa uma média de produção anual de 2.766 sacas de soja por ano, considerando que a cada saca possui 60kg.
Assevera que comparar a sua vida campesina com a de grandes produtores rurais é uma grande incongruência e sustenta, uma vez mais, que permaneceu em regime de economia familiar até meados do ano de 2.003, conforme faz prova os documentos acostados aos autos.
Discorre que o fato de figurar como empresária desde 2008 não guarda qualquer relação com o pedido apresentado nos autos, tendo em vista que o período que busca ver reconhecido como segurada especial se situa entre os anos de 1.984 a 2002, não tendo ocultado a informação de que exerceu atividade remunerada. Ademais, requer seja afastada a condenação em litigância de má-fé, ao argumento de que o julgador de Primeiro Grau sequer especificou a motivação e a fundamentação capaz de justificar a penalidade.
No que tange ao pedido de Assistência Judiciária Gratuita, sustenta que ao tempo do ingresso da ação, em 2018, encontrava-se em condições financeira delicada, contudo, superada a dificuldade financeira, concorda com o recolhimento das custas, entretanto, afastada a condenação de litigância de má-fé.
Ao final, requereu o provimento do recurso para que lhe seja reconhecido o direito ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.
A parte recorrida, regularmente intimada, não apresentou contrarrazões.
É o relatório.

PROCESSO: 1023963-30.2020.4.01.9999 PROCESSO REFERÊNCIA: 1004139-45.2018.8.11.0040
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
POLO ATIVO: CIRLEI MARIA MOHLECKE
REPRESENTANTES POLO ATIVO: ROSELI INES REIS - MT11666/O, RODRIGO ANNONI PAZETO - MT7324-A e ANA LUCIA STEFFANELLO - MT4709/B
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR: URBANO LEAL BERQUO NETO
V O T O
O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL URBANO LEAL BERQUÓ NETO (Relator):
Presentes os pressupostos recursais, conheço do recurso.
Diante da inexistência de preliminares ou/e defesa indireta de mérito, mister a depuração, de pronto, do cerne da pretensão, ora vertida em base recursal, lembrando que se trata de conflito de interesses condizente à aposentadoria por tempo de contribuição em que a autora objetiva ver reconhecida sua qualidade de segurada especial no período de 1984 a 2003 para que, somado a outros períodos contributivos na condição de trabalhadora urbana e contribuinte individual, posterior ao ano de 2003, cumpra os requisitos indispensáveis à concessão do benefício.
A autora sustenta contar com 18 anos de labor rural de subsistência, o que somado ao período urbano (13 anos e 7 meses), seria suficiente ao preenchimento dos requisitos da aposentadoria por tempo de contribuição (tempo de serviço/contribuição e carência).
Sem razão a recorrente, pois a aposentadoria por tempo de contribuição será devida ao segurado que completar trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher, assim como o cumprimento de carência de 180 contribuições, como regra geral, observando a tabela prevista no art. 142 da Lei 8.213/91 (art. 201, §7°, CF, com redação anterior à EC 103/2019).
No caso dos segurados inscritos no RGPS até a publicação da EC n. 20/98, há a possibilidade de concessão da aposentadoria por tempo de contribuição com renda mensal proporcional. Para isso, deverá contar com 53 anos de idade, se homem, e 48 anos de idade, se mulher; tempo de contribuição de 30 anos, se homem, e 25 anos, se mulher; e um período adicional de contribuição equivalente a 40% do tempo que, na data da publicação da referida emenda (15/12/1998), faltaria para atingir o limite de tempo constante do requisito anterior (art. 9°, §1°, da EC 20/98).
No caso concreto, a autora, nascida em 31/07/1972, contava com apenas 47 anos de idade na DER (23/01/2018), razão pela qual deveria comprovar o tempo mínimo de contribuição para a concessão do benefício pleiteado e carência (30 anos de tempo de serviço e 180 contribuições mensais).
Ocorre, todavia, que a autora não possui contribuições em número mínimo de meses necessários à concessão do benefício, tendo em vista que afirma em sua inicial possuir 13 anos e 07 meses de contribuições junto ao INSS, na condição de segurada obrigatória (empregada com vínculo na CTPS) e contribuições na condição de Contribuinte individual, o que não é suficiente para o preenchimento do requisito da carência (180 contribuições).
Verifica-se, portanto, que o que pretende a autora é computar, para fins de complemento do tempo de serviço/contribuição e carência, o período relativo aos anos de 1984 a 2003, em que teria ostentado a qualidade de trabalhadora rural, segurada especial, sem recolhimentos vertidos ao RGPS, o que não encontra amparo legal e/ou jurisprudencial.
Com efeito, ao teor do art. 39, incisos I e II, da Lei 8.213/91, independente de contribuições, os segurados especiais fazem jus aos benefícios de aposentadoria por idade, aposentadoria por invalidez, auxílio-doença, auxílio-reclusão, auxílio-acidente, salário-maternidade, pensão por morte, mas não fazem jus a aposentadoria por tempo de contribuição. Vejamos:
Art. 39. Para os segurados especiais, referidos no inciso VII do caput do art. 11 desta Lei, fica garantida a concessão:
I - de aposentadoria por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão ou de pensão, no valor de 1 (um) salário mínimo, e de auxílio-acidente, conforme disposto no art. 86 desta Lei, desde que comprovem o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido, observado o disposto nos arts. 38-A e 38-B desta Lei; ou (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)
II - dos benefícios especificados nesta Lei, observados os critérios e a forma de cálculo estabelecidos, desde que contribuam facultativamente para a Previdência Social, na forma estipulada no Plano de Custeio da Seguridade Social.
Parágrafo único. Para a segurada especial fica garantida a concessão do salário-maternidade no valor de 1 (um) salário mínimo, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, nos 12 (doze) meses imediatamente anteriores ao do início do benefício. (Incluído pela Lei nº 8.861, de 1994)
Verifica-se, portanto, que inexiste no regramento legal o direito a percepção da aposentadoria por tempo de serviço/tempo de contribuição, ao segurado especial, sem o preenchimento dos requisitos gerais da Lei 8.213/91.
Como visto, em linhas volvidas, ao teor do art. 39, inciso II, da Lei 8.213/91, para fazer jus aos demais benefícios especificados na Lei, dentre eles a aposentadoria por tempo de contribuição, é indispensável que o segurado comprove contribuição facultativa à previdência social.
Nesse sentido, inclusive, é o entendimento Sumulado pela Corte da Cidadania, in verbis:
“O trabalhador rural, na condição de segurado especial, sujeito à contribuição obrigatória sobre a produção rural comercializada, somente faz jus à aposentadoria por tempo de serviço, se recolher contribuições facultativas.” (Súmula 272 STJ)
O art. 55, §2º do mesmo Diploma normativo, ao seu turno, estabelece que o tempo de serviço do segurado especial, trabalhador rural, anterior a vigência da Lei 8.213/91, poderá ser computado independentemente do recolhimento das contribuições correspondente, por outro lado, não poderá ser utilizado para fins de carência.
Se para a aposentadoria por idade do trabalhador rural, o segurado especial está dispensado de carência, ao teor do art. 26, inciso III, do mesmo Diploma normativo acima reportado, por outro lado, a aposentadoria por tempo de serviço/contribuição exige, ao teor dos artigos 52 e 55, §2º, do mesmo Códex, o cumprimento da carência, não podendo ser confundido prova de tempo de atividade rural (tempo de serviço) com tempo de carência, que corresponde ao número mínimo de contribuições mensais vertidas ao RGPS e indispensáveis à obtenção do benefício por tempo de contribuição (art. 24 da Lei 8.213/91).
Conclui-se, portanto, que a atividade rural anterior a 1991 pode, independentemente de recolhimento de contribuições previdenciárias, ser contabilizada para a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, exceto para efeito de carência, nos termos do art. 55, § 2º, da Lei nº 8.213/91, devendo ser, neste caso, somada a outros períodos de contribuição até perfazer o tempo de contribuição necessário a aquisição do benefício, todavia, a autora conta com apena 13 anos e 7 meses de contribuições (inferior a 180 contribuições, 15 anos).
Conquanto o STJ tenha assentado no Tema Repetitivo sob o número 1007 que: “O tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do art. 48, §3º da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo”, verifica-se que tal entendimento se aplica restritivamente ao âmbito da aposentadoria por idade, não para aposentadoria por tempo de contribuição, conforme pretende a apelante.
Ainda que assim não fosse, como acertadamente decidiu o julgador de Primeiro Grau, a atividade rural alegada pela autora não se configura como de subsistência, dado o voluma das comercializações praticadas pela autora, seu genitor e cônjuge.
Com efeito, o período anterior a ocorrência do casamento da autora em que ela alega ter laborado em regime de subsistência junto ao seu genitor não pode ser considerado, tendo em vista que os documentos dos autos indicam comercialização de produtos incompatível com o alegado regime de subsistência. Com efeito, em uma única transação comercial, no ano de 1984, o genitor da autora comercializou mais de 2.300 litros de leites, assim como comercializou em uma única operação (03/1979) mais de 2.100 litros de leite, no mês 04/1990 comercializou mais de 2.300 litros de leite, assim como comercializou, em uma única operação, em 05/1987, 300 sacas de soja (18.000 kg de soja), o que, a toda evidência, não é compatível com a alegada condição de trabalhadora rural.
De igual modo, o Juízo sentenciante agiu com acerto no que tange ao período posterior ao casamento da autora, em que apelante sustenta ter permanecido na lide rural de subsistência (casamento lavrado em 1.993), pois os documentos dos autos revelam produção de grande volume, incompatível com o alegado labor de subsistência.
Embora a recorrente sustentar que retira seu sustento de pequeno imóvel rural, situado junto a Projeto de Assentamento da Reforma Agrária, há Notas Fiscais de comercialização de grãos (soja, trigo e milho) tanto em nome da autora como de seu cônjuge que apontam volumes muito acima daqueles comercializados pelos pequenos produtores rurais cujo labor se enquadra como de subsistência.
Consta dos autos Nota Fiscal em nome da autora que comprova que em uma única comercialização vendeu mais de 7.000kg de soja (mais de 177 sacas), no ano de 1992; As Notas Fiscais em nome do cônjuge da autora revelam, ainda, que somente no ano de 2001 o grupo familiar comercializou mais de 500.000kg de soja, a saber:
- Nota Fiscal 7247 – datada em 01/08/2001 – 243.230kg de soja em grão;
- Guia Municipal de Produtor – simples remessa nº 109537 – datada em 02/03/2001 – 27.530kg de soja em grão;
- Nota Fiscal 3169 – datada em 09/03/2001 – 243.230kg de soja em grão.
Ademais, a prova testemunhal foi contrária a pretensão da autora, pois consoante bem assinalado pelo julgador sentenciante, a testemunha afirmou que a autora e sua família faziam uso de maquinários agrícolas, em especial tratores, o que desnatura completamente o alegado labor como sendo de subsistência.
Quanto à multa por litigância de má-fé, nos termos do art. 5º do CPC, “aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.”
O art. 80, incisos I e II, do CPC, ao seu turno, dispõe que “considera-se litigante de má-fé aquele que: (...); I – deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso; II - alterar a verdade dos fatos”.
Desse modo, no presente caso resta caracterizada a conduta da autora/apelante de alterar a verdade dos fatos objetivando auferir benefício ao qual não faz jus (ocultou sua ocupação como empresária e sua real situação econômica para fazer jus ao benefício da gratuidade de Justiça), assim como deduziu pretensão contra fato incontroverso (atividade rural de grande volume e incompatível como regime de subsistência).
Em sua inicial a autora se qualifica como agricultora, ocultando sua real ocupação/qualificação, na condição de empresária, assim como sustentou, a todo o momento, que durante todo o período de 1984 a 2003 foi trabalhadora rural de subsistência, no entanto, restou demonstrado que jamais se enquadrou na condição de mera agricultora que vive em regime de economia familiar e/ou trabalhadora rural em regime de subsistência, mas trata-se, em verdade, de grupo familiar que exploram atividade rural em grande escala, tratando-se de grandes produtores, razão pela qual a condenação da autora nas penas da litigância de má-fé (art. 81 do CPC) deve ser mantida.
Ademais, o julgador de Primeiro Grau fundamentou, acertadamente, a condenação da autora na pena de litigância de má-fé pelo fato de que a autora se qualificou em sua exordial como agricultora, omitindo sua real ocupação, posto que a apelante figura como empresária desde o ano de 2008, cujo capital social declarado da sociedade empresarial é de R$ 311.000,00, o que afasta a alegada condição de agricultora ostentada na inicial, assim como afasta a alegada condição de hipossuficiente que justificou a concessão da gratuidade de Justiça, o que guarda amparo legal ao teor do art. 100, parágrafo único, do Código de Processo Civil, in verbis:
Art. 100. (...)
Parágrafo único. Revogado o benefício, a parte arcará com as despesas processuais que tiver deixado de adiantar e pagará, em caso de má-fé, até o décuplo de seu valor a título de multa, que será revertida em benefício da Fazenda Pública estadual ou federal e poderá ser inscrita em dívida ativa. (Sem grifos no original)
Conquanto a apelante discorra, genericamente, que concorda com o recolhimento das custas processuais em razão do desaparecimento de sua condição de hipossuficiente, sustentando que ao tempo do ajuizamento da ação encontrava-se em condição financeira delicada, nada trouxe aos autos para corroborar com suas alegações, havendo, por outro lado, comprovação de que ao tempo do ajuizamento já figurava como empresária, em empreendimento cujo capital social é incompatível com a alegada miserabilidade, razão pela qual a condenação da multa deve ser mantida.
Vale pontuar, por oportuno, que eventual dificuldade momentânea em pagar as custas processuais e despesas de ingresso não constitui fundamento para concessão de benefício da gratuidade de Justiça, pois ao teor do §6º do art. 98 do CPC, o juiz poderia conceder em favor da apelante o direito ao parcelamento das despesas processuais que a autora tivesse que adiantar no curso do processo, mediante comprovação da impossibilidade de fazê-lo em parcela única.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso da autora, nos termos da fundamentação supra.
Em razão do não provimento recursal, majoro os honorários de sucumbência fixados na origem em um ponto percentual.
É como voto.
Desembargador Federal URBANO LEAL BERQUÓ NETO
Relator

PROCESSO: 1023963-30.2020.4.01.9999 PROCESSO REFERÊNCIA: 1004139-45.2018.8.11.0040
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
POLO ATIVO: CIRLEI MARIA MOHLECKE
REPRESENTANTES POLO ATIVO: ROSELI INES REIS - MT11666/O, RODRIGO ANNONI PAZETO - MT7324-A e ANA LUCIA STEFFANELLO - MT4709/B
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSO CIVIL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TRABALHADORA RURAL. SEGURADA ESPECIAL. CONJUNTO PROBATÓRIO DESFAVORÁVEL. VOLUME DE COMERCIALIZAÇÃO ELEVADO. GRANDES PRODUTORES RURAIS. DESCARCTERIZAÇÃO DO REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. AUTORA EMPRESÁRIA. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 100 DO CPC. RECURSO IMPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA.
1. Embora a apelante objetiva ver reconhecido período de labor rural como segurada especial, como acertadamente decidiu o julgador de Primeiro Grau, a atividade rural alegada não se configura como de subsistência, dado o voluma das comercializações praticadas pela autora, seu genitor e cônjuge. Com efeito, em uma única transação comercial, no ano de 1984, o genitor da autora comercializou mais de 2.300 litros de leites, assim como comercializou em uma única operação (03/1979) mais de 2.100 litros de leite, no mês 04/1990 comercializou mais de 2.300 litros de leite, assim como comercializou, em uma única operação, em 05/1987, 300 sacas de soja (18.000 kg de soja), o que, a toda evidência, não é compatível com a alegada condição de trabalhadora rural de subsistência.
2. De igual modo, o Juízo sentenciante agiu com acerto no que tange ao período posterior ao casamento da autora, em que apelante sustenta ter permanecido na lide rural de subsistência (casamento lavrado em 1.993), pois os documentos dos autos revelam produção de grande volume, incompatível com o alegado labor de economia familiar. Consta dos autos Nota Fiscal em nome da autora que comprova que em uma única comercialização vendeu mais de 7.000kg de soja (mais de 177 sacas), no ano de 1992; As Notas Fiscais em nome do cônjuge da autora revelam, ainda, que somente no ano de 2001 o grupo familiar comercializou mais de 500.000kg de soja. Ademais, a prova testemunhal foi contrária a pretensão da autora, pois consoante bem assinalado pelo julgador sentenciante, a testemunha afirmou que a autora e sua família faziam uso de maquinários agrícolas, em especial tratores, o que desnatura completamente o alegado labor como sendo de subsistência.
3. Quanto à multa por litigância de má-fé, posterior a revogação do benefício de gratuidade de Justiça, nos termos do parágrafo único, art. 100, do CPC, “Revogado o benefício, a parte arcará com as despesas processuais que tiver deixado de adiantar e pagará, em caso de má-fé, até o décuplo de seu valor a título de multa, que será revertida em benefício da Fazenda Pública estadual ou federal e poderá ser inscrita em dívida ativa”.
4. Neste ponto, o julgador de Primeiro Grau fundamentou, acertadamente, a condenação da autora na pena de litigância de má-fé pelo fato de que a autora se qualificou em sua exordial como agricultora, omitindo sua real ocupação, posto que a apelante figura como empresária desde o ano de 2008, cujo capital social declarado da sociedade empresarial é de R$ 311.000,00, o que afasta a alegada condição de agricultora ostentada na inicial, assim como afasta a alegada condição de hipossuficiente que justificou a concessão da gratuidade de Justiça.
5. Conquanto a apelante discorra, genericamente, que concorda com o recolhimento das custas processuais em razão do desaparecimento de sua condição de hipossuficiente, sustentando que ao tempo do ajuizamento da ação encontrava-se em condição financeira delicada, nada trouxe aos autos para corroborar com suas alegações, havendo, por outro lado, comprovação de que ao tempo do ajuizamento já figurava como empresária, em empreendimento cujo capital social é incompatível com a alegada miserabilidade, razão pela qual a condenação da multa deve ser mantida.
6. Recurso a que se nega provimento.
A C Ó R D Ã O
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO à apelação interposta, nos termos do voto do Relator.
Desembargador Federal URBANO LEAL BERQUÓ NETO
Relator
