
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:RAQUEL DE FATIMA BASTOS CESARIO
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: VICENTE ALVES DE SOUSA - GO21667-A
RELATOR(A):ANTONIO OSWALDO SCARPA
PODER JUDICIÁRIO FEDERAL
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 26 - DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO SCARPA
PJE/TRF1-Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1021142-48.2023.4.01.9999
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: RAQUEL DE FATIMA BASTOS CESARIO
RELATÓRIO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO SCARPA (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSS em face de sentença que julgou procedente o pedido de pensão por morte formulado pela parte autora, condenando o recorrido em honorários advocatícios.
Em suas razões recursais, requer o apelante, preliminarmente, que a requerente deu causa ao indeferimento forçado do pedido e, no mérito, requer a reforma da sentença, aduzindo que o instituidor da pensão não ostentava a qualidade de segurado especial (rurícola).
Com contrarrazões.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIO FEDERAL
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 26 - DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO SCARPA
PJE/TRF1-Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1021142-48.2023.4.01.9999
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: RAQUEL DE FATIMA BASTOS CESARIO
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO SCARPA (RELATOR):
Impõe-se o conhecimento da apelação, ante a presença dos pressupostos e requisitos para sua admissibilidade.
O INSS alega que falta à autora interesse de agir, pois a autodeclaração de segurado especial não foi apresentada administrativamente, o que teria causado o indeferimento forçado do pedido.
Foi juntado aos autos a cópia do processo administrativo, com indeferimento motivado pela ausência de qualidade de segurado especial do falecido (fl. 84 do PDF). Não é possível presumir a má-fé da requerente por não haver apresentado o documento exigido pela autarquia, pois verifica-se que o processo administrativo foi instruído com diversas provas do trabalho rurícola do instituidor do benefício. Nesses termos temos jurisprudência desta Corte:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADOR RURAL. FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL. AUSÊNCIA DE REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. INDEFERIMENTO FORÇADO. INOCORRÊNCIA. TERMO INICIAL. MULTA. APELAÇÃO DESPROVIDA. SENTENÇA MANTIDA. 1. A sentença proferida na vigência do CPC/2015 não está sujeita à remessa necessária, pois a condenação nela imposta não tem o potencial de ultrapassar o limite previsto no art. 496, § 3º, do novo CPC. 2. A prescrição atinge as prestações anteriores ao quinquênio que antecedeu o ajuizamento da ação, nos termos da Súmula 85/STJ. 3. Verifica-se a comprovação do prévio requerimento administrativo nos autos, não se podendo presumir a conduta fraudulenta do segurado com o propósito de obter o indeferimento forçado do benefício. A não apresentação dos documentos exigidos pelo INSS, por si só, não é suficiente para configurar a má-fé do segurado, mesmo porque, ela não se presume. 4. DIB a contar do requerimento administrativo. 5. A jurisprudência desta Corte, acompanhando entendimento firmado no e. STJ, adotou o posicionamento quanto à legitimidade da imposição de multa diária prevista no art. 461 do CPC/1973 (art. 537 do NCPC) em face da Fazenda Pública, para o caso de descumprimento de ordem judicial que determina a implantação do benefício previdenciário. Entretanto, a multa diária deve ser fixada segundo juízo de razoabilidade e proporcionalidade, de modo a funcionar como meio coercitivo para evitar a inércia por parte do ente público, sem, contudo, importar em obtenção de vantagem injustificada pela parte. Ademais, já decidiu o e. STJ que: A decisão que arbitra astreintes, instrumento de coerção indireta ao cumprimento do julgado, não faz coisa julgada material, podendo, por isso mesmo, ser modificada, a requerimento da parte ou de ofício, seja para aumentar ou diminuir o valor da multa, seja para suprimi-la. Precedentes. (STJ, REsp n. 1.881.709/RJ, Relator Min. Ricardo Villas Boas Cueva, Terceira Turma, DJe 04/12/2020) 6. Correção monetária e juros moratórios conforme Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal. 7. Honorários de advogado de advogado majorados em um ponto percentual sobre o valor arbitrado na origem, nos termos do art. 85, §11, do CPC/2015. 8. Apelação do INSS desprovida. De ofício, fixados os critérios de juros e correção monetária. (AC 1026435-33.2022.4.01.9999, DESEMBARGADOR FEDERAL EDUARDO MORAIS DA ROCHA, TRF1 - PRIMEIRA TURMA, PJe 30/05/2023 PAG.)
Desse modo, afasto a preliminar suscitada.
DO MÉRITO
O objeto da presente demanda é o instituto da pensão por morte, previsto no artigo 201 da Constituição Federal, que em seu inciso V aduz que é devida “pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes”, com a finalidade de preservar a qualidade de vida da família, no caso de morte daquele que é responsável pela sua subsistência. Posteriormente, o artigo 74 da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, regulamentou a questão, prevendo que “a pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não”.
Preliminarmente, importa destacar que a concessão da pensão por morte rege-se pela lei vigente à época do óbito (Súmula 340 do STJ) mediante o preenchimento dos seguintes requisitos: a) a ocorrência do evento morte; b) a demonstração da qualidade do segurado do instituidor na data do óbito e; c) a condição de dependente (art. 74, Lei nº 8.213/91).
A Lei nº 8.213/91, em seu artigo 16, indica os beneficiários que ostentam a qualidade de dependentes do segurado, e, em seu §4º, dispõe que é presumida a dependência econômica do cônjuge, da companheira, do companheiro e do filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou portador de deficiência.
Aos dependentes de segurado especial de que trata o art. 11, inciso VII, da referida lei, fica garantida a concessão de pensão por morte no valor de um salário-mínimo, exigindo-se a comprovação da qualidade de segurado do instituidor mediante início razoável de prova material, corroborada por prova testemunhal coerente e robusta, ou prova documental plena, não sendo admissível a prova exclusivamente testemunhal.
O art. 26, I da Lei 8.213/91, por sua vez, prevê que o deferimento de pensão por morte independe do cumprimento de carência, mas é necessário que o óbito tenha ocorrido enquanto o trabalhador tinha a qualidade de segurado.
A par disso, o artigo 106 da Lei 8.213/91 elenca o rol de documentos aptos à comprovação do exercício da atividade rural, frise-se, de caráter meramente exemplificativo, conforme entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça e deste Colegiado (REsp 1081919/PB, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 02/06/2009, DJe 03/08/2009, e AC 0047556-22.2016.4.01.9199, DESEMBARGADOR FEDERAL JAMIL ROSA DE JESUS OLIVEIRA, TRF1 e-DJF1 02/09/2022 PAG), a saber:
Art. 106. A comprovação do exercício de atividade rural será feita, complementarmente à autodeclaração de que trata o § 2º e ao cadastro de que trata o § 1º, ambos do art. 38-B desta Lei, por meio de, entre outros:
I – contrato individual de trabalho ou Carteira de Trabalho e Previdência Social;
II – contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural;
III - (revogado);
IV - Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, de que trata o inciso II do caput do art. 2º da Lei nº 12.188, de 11 de janeiro de 2010, ou por documento que a substitua;
V – bloco de notas do produtor rural;
VI – notas fiscais de entrada de mercadorias, de que trata o § 7º do art. 30 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, emitidas pela empresa adquirente da produção, com indicação do nome do segurado como vendedor;
VII – documentos fiscais relativos a entrega de produção rural à cooperativa agrícola, entreposto de pescado ou outros, com indicação do segurado como vendedor ou consignante;
VIII – comprovantes de recolhimento de contribuição à Previdência Social decorrentes da comercialização da produção;
IX – cópia da declaração de imposto de renda, com indicação de renda proveniente da comercialização de produção rural; ou
X – licença de ocupação ou permissão outorgada pelo Incra.
Nessa linha, é o entendimento deste Colegiado:
APELAÇAO. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. QUALIDADE DE SEGURADO ESPECIAL. PROVA MATERIAL. PROVA TESTEMUNHAL. SENTENÇA MANTIDA. CORREÇÃO MONETÁRIA. RECURSO DESPROVIDO. 1. . Recorre o INSS contra sentença que julgou procedente o pedido autoral de aposentadoria por idade rural. Argui que, não obstante a regulamentação legal dada a matéria, verifica-se que a parte autora não se desincumbiu do ônus de comprovar sua alegada condição de segurado especial, e que a documentação trazida aos presentes autos apresenta-se inservível por si só. Subsidiariamente, que seja aplicado o art.1º F para fins de correção monetária. 2. A concessão do benefício de aposentadoria rural por idade exige a demonstração do trabalho rural, cumprindo-se o prazo de carência previsto no artigo 142 da Lei n. 8213/91, mediante início razoável de prova material, corroborada com prova testemunhal, ou prova documental plena. Como requisito etário, exige-se a idade superior a 60 anos para homem e 55 anos para mulher (artigo 48, § 1º da Lei de Benefícios). 3. No tocante à prova do labor rural, é pacífica a jurisprudência do STJ e desta Corte no sentido de que o rol do art. 106 da Lei 8.213/91 é meramente exemplificativo, (STJ AgRG no REsp 1073730/CE) sendo admissíveis, portanto, outros documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, além dos ali previstos, nos quais esteja especificada a profissão da parte autora ou de seu cônjuge/companheiro como trabalhador rural. 4. A parte autora atingiu a idade mínima necessária para aposentar, conforme documento de fl. 12. 5. Na hipótese, quanto a qualidade de segurada especial, a parte autora juntou como início de prova material: indeferimento administrativo; conta de energia; documentos pessoais; certidão de casamento em 1979, constando a profissão de lavrador do nubente, extensível à esposa; certidão de nascimento de filho constando a profissão de lavrador do genitor em 1981; INFBEN do marido da apelada demonstrando que este é aposentado por invalidez RURAL; declaração de residência. 6. Deste modo, está comprovada a qualidade de segurada especial da apelada, em especial pela certidão de casamento em que a profissão do marido como lavrador fica evidenciada, bem como os vínculos rurais da autora no CNIS. Restou comprovado ainda que autora continuou morando com o marido mesmo após divorciarem, separando-se novamente há cerca de um ano da data sentença de 1ºgrau. A prova testemunhal, fl. 56 confirmou o início de prova material, conforme conclusões do juiz sentenciante, devendo ser dado primazia, pois teve contato imediato com a parte e testemunhas. 7. Diante da análise do conjunto probatório, a apelada demonstrou o cumprimento dos requisitos. Há de se observar que não há necessidade de que em tais documentos seja imprescindível a informação se referir unicamente ao segurado, nem que corresponda a todo o período de carência. Ademais, o rol de documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, inscrito no art. 106, parágrafo único, da Lei 8.213-91, é meramente exemplificativo, e não taxativo, sendo admissíveis, portanto, outros documentos além dos previstos no mencionado dispositivo. 8. Sobre as parcelas pretéritas incide correção monetária pelo Manual de Cálculos da Justiça Federal, cujos parâmetros se harmonizam com a orientação que se extrai do julgamento do TEMA 905 STJ. Ressalva do entendimento desta Relatora pela aplicação do IPCA-E (TEMA 810 STF). Incidência da SELIC após a entrada em vigor da EC 113\2021. 9. Recurso do INSS desprovido. (AC 0047556-22.2016.4.01.9199, DESEMBARGADOR FEDERAL JAMIL ROSA DE JESUS OLIVEIRA, TRF1 e-DJF1 02/09/2022 PAG)
Da análise dos autos, verifica-se que a parte autora juntou aos autos os seguintes documentos: a) certidão de óbito de Dorvalino Gomes de Amorim, falecido em 16/02/2022; b) certidão de casamento que qualifica o falecido como vaqueiro; c) certidão de nascimento datada de 2006, que qualifica o falecido como vaqueiro; d) certidão de nascimento datada de 2012, que qualifica o falecido como trabalhador rural; e) CTPS com vínculo como trabalhador rural de 01/2004 a 05/2015; f) extrato previdenciário da requerente com vínculos como contribuinte individual e curtos vínculos como empregada urbana.
Os depoimentos produzidos em juízo foram uníssonos em atestar a atividade rural do falecido.
A testemunha Sebastião Ferreira de Oliveira afirmou “que ele [o de cujus] prestava serviços rurais; que ele prestava serviços para outros lugares também; que ele era diarista; que foi assim até a morte dele; que a esposa morava com ele nessa casa, que ela trabalha de negócio de merenda no colégio, que ela ia e voltava todos os dias".
Como se vê, resta evidente o início de prova material da atividade rurícola do falecido, ainda que de forma descontínua, no período anterior ao falecimento, em especial a qualificação como segurado especial nas certidões apresentadas e os depoimentos prestados em juízo.
Atendidos os requisitos indispensáveis à concessão do benefício previdenciário (1. início de prova material que demonstre a condição de rurícola do falecido, corroborada por prova testemunhal e 2. dependência econômica do demandante) os autores fazem jus ao benefício de pensão por morte, nos termos da sentença prolatada.
A correção monetária e juros de mora devem observar o disposto no Manual de Cálculos da Justiça Federal, cujos parâmetros se harmonizam com a orientação que se extrai do julgamento do Tema 905 STJ e Tema 810 STF.
Em face do exposto, nego provimento à apelação do INSS, nos termos do voto do relator.
É como voto.
Desembargador Federal ANTÔNIO SCARPA
Relator
PODER JUDICIÁRIO FEDERAL
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 26 - DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO SCARPA
PJE/TRF1-Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1021142-48.2023.4.01.9999
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: RAQUEL DE FATIMA BASTOS CESARIO
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSO CIVIL. FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL. INDEFERIMENTO FORÇADO. INOCORRÊNCIA. PENSÃO POR MORTE RURAL. QUALIDADE DE SEGURADO. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. CORROBORAÇÃO POR PROVA TESTEMUNHAL. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA PRESUMIDA. BENEFÍCIO DEVIDO. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA.
1. O INSS alega que falta à autora interesse de agir, pois a autodeclaração de segurado especial não foi apresentada administrativamente, o que teria causado o indeferimento forçado do pedido. No entanto, não é possível presumir a má-fé da requerente por não haver apresentado o documento exigido pela autarquia, pois verifica-se que o processo administrativo foi instruído com diversas provas do trabalho rurícola do instituidor do benefício. Precedentes.
2. A pensão por morte é benefício previdenciário regido pela lei vigente à época do óbito do segurado instituidor, sendo ele aposentado ou não, devida aos seus dependentes, nos termos do art. 74 da Lei 8.213/91.
3. São requisitos indispensáveis à concessão do benefício: o óbito, a dependência econômica em relação ao falecido, e a qualidade de segurado especial do instituidor da pensão (nos termos do art. 11, inciso VII da Lei 8.213/91), devendo esta qualidade ser comprovada pelo início de prova material, corroborada por prova testemunhal coerente e robusta, ou prova documental plena, não sendo admissível a prova exclusivamente testemunhal.
4. Apresentados documentos que, aliados à prova testemunhal colhida em juízo, comprovam o início razoável de prova material da atividade rural do falecido.
5. Dependência econômica legalmente presumida (art. 16, §4º, da Lei nº 8.213/91).
6. Correção monetária e juros de mora devem observar o disposto no Manual de Cálculos da Justiça Federal, cujos parâmetros se harmonizam com a orientação que se extrai do julgamento do Tema 905 STJ e Tema 810 STF.
7. Mantida a condenação em honorários advocatícios nos termos da sentença a quo, devendo ser majorados em 1% (um por cento), a teor do disposto no art. 85, § 11, do CPC.
8. Apelação do INSS desprovida.
A C Ó R D Ã O
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, à unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator.
Brasília (DF), (data da Sessão).
Desembargador Federal ANTÔNIO SCARPA