
POLO ATIVO: AILTON DA SILVA
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: RENATO GHANNAM - GO20212-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR(A):JOAO LUIZ DE SOUSA

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 6 - DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO LUIZ DE SOUSA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1010955-20.2019.4.01.9999
RELATÓRIO
O EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO LUIZ DE SOUSA (RELATOR):
A parte autora interpôs recurso de apelação contra sentença que julgou improcedente o pedido de pensão por morte rural em razão do reconhecimento da ocorrência da prescrição do fundo de direito pleiteado inicialmente.
Em suas razões de recurso, a parte alegou, em suma, a suficiência de prova material apta à concessão do benefício pleiteado, sustentando violação à ampla defesa por não ter sido procedida a colheita de prova testemunhal, além de afastar a ocorrência do instituto prescricional.
Requer a reforma da sentença com o retorno dos autos ao juízo de primeiro grau para que proceda à instrução e julgamento.
Autos conclusos.
É o relatório.

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 6 - DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO LUIZ DE SOUSA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1010955-20.2019.4.01.9999
VOTO
O EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO LUIZ DE SOUSA (RELATOR):
Preliminarmente, quanto à prescrição do fundo de direito, consoante entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça, bem assim desta Corte, é descabida a aplicação deste entendimento em matéria previdenciária. Contudo, à luz da Súmula 85 do STJ, há a prescrição das parcelas vencidas após o quinquênio que precedeu ao ajuizamento da demanda, eis que a relação previdenciária se afigura de trato sucessivo.
“PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. PRESCRIÇÃO. ART. 103 , PARÁGRAFO ÚNICO , DA LEI 8.213 /1991. INDEFERIMENTO DE BENEFÍCIO. NEGATIVA EXPRESSA DO INSS. FUNDO DE DIREITO. IMPOSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO DO ART. 103 DA LEI 8.213 /1991. DECADÊNCIA E PRESCRIÇÃO.
1. A autarquia previdenciária pretende configurar a prescrição do fundo de direito em razão de o benefício ter sido negado administrativamente, com amparo no art. 103 , parágrafo único , da Lei 8.213 /1991 e na Súmula 85/STJ. 2. O STJ consolidou o entendimento de que não há prescrição do fundo de direito dos benefícios previdenciários do Regime Geral de Previdência Social, e que tal instituto somente atinge as parcelas sucessivas anteriores ao prazo prescricional. Nesse sentido: AgRg no REsp 1.384.787/CE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 10.12.2013; AgRg no REsp 1.096.216/RS, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Sexta Turma, DJe 2.12.2013. 3. A interpretação contextual do caput e do parágrafo único do art. 103 da Lei 8.213 /1991 conduz à conclusão de que o prazo que fulmina o direito de revisão do ato de concessão ou indeferimento de benefício previdenciário é o decadencial de dez anos (caput), e não o lapso prescricional quinquenal (parágrafo único) que incide apenas sobre as parcelas sucessivas anteriores ao ajuizamento da ação. 4. A aplicação da prescrição quinquenal prevista no parágrafo único do art. 103 da Lei 8.213 /1991 sobre o fundo de direito tornaria letra morta o previsto no caput do mesmo dispositivo legal. 5. Recurso Especial não provido. (STJ - REsp 1397103 CE 2013/0258282-4 - Relator (a): Ministro HERMAN BENJAMIN - Julgamento: 11/03/2014 - Órgão Julgador: T2 - SEGUNDA TURMA -Publicação: DJe 19/03/2014) – grifo meu
“PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. DECADÊNCIA/PRESCRIÇÃO. PENSÃO POR MORTE. ÓBITO ANTERIOR ÀS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELA MP 1.596-14. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO: ÓBITO DA EX-SEGURADA. ART. 74 DA LEI 8.213/91, REDAÇÃO VIGENTE NA DATA DO ÓBITO. 1. Embora na sentença não se tenha quantificado os valores devidos ao autor, como o valor do benefício corresponde a um salário mínimo mensal a partir da citação na data da prolação da sentença (06/06/2013), é possível deduzir que os valores em jogo são inferiores a 60 (sessenta) salários mínimos, pelo que desnecessário empreender o reexame necessário, nos termos do art. 496, I do NCPC/2015. 2. Descabe a análise recursal do pedido do INSS envolvendo a adequação dos juros e correção monetária à Lei n. 9.494/97, visto que formulado em sede de contrarrazões ao recurso de apelação do Autor. Apenas mediante o manuseio do recurso próprio - apelação - é possível a modificação da sentença. Descabe o recebimento das contrarrazões como apelação adesiva, quanto ao ponto, porquanto o fato constitui erro grosseiro. 3. Em se tratando de benefícios de natureza previdenciária, de prestação continuada, não há que se falar na existência de prescrição do fundo do direito, mas apenas das parcelas vencidas em momento anterior aos cinco anos que precederam o ajuizamento da ação, nos termos do entendimento cristalizado na Súmula 85 do Superior Tribunal de Justiça. 4. Em se tratando de matéria previdenciária, vigora o princípio interpretativo do tempus regit actum, não podendo lei posterior alcançar as relações pretéritas quando do evento supostamente desencadeador de eventual benefício. Tendo a companheira do autor falecido em 24/08/1996, deve ser aplicado o art. 74 da Lei n. 8.213/91 em sua redação original, que determina o pagamento do benefício a contar da data do óbito. A alteração do dispositivo pela MP n. 1.596-14, convertida na Lei n. 9.528/97, não alcança os benefícios devidos desde data anterior. 5. Apelação do autor a que se dá provimento, para fixar a DIB do benefício na data do óbito (24/08/1996), observada a prescrição quinquenal.” (AC 0006401-10.2014.4.01.9199 / GO, Rel. JUIZ FEDERAL SAULO JOSÉ CASALI BAHIA, 1ª CÂMARA REGIONAL PREVIDENCIÁRIA DA BAHIA, e-DJF1 de 19/09/2016) – grifo meu
Adentrando o mérito, a orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte, deve-se aplicar, para a concessão de benefício de pensão por morte, a legislação vigente ao tempo do óbito do instituidor, in verbis:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. MENOR SOB GUARDA. ÓBITO DO SEGURADO OCORRIDO APÓS A LEI 9.528/97. NÃO-CABIMENTO. MERA EXPECTATIVA DE DIREITO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 340/STJ. ENTENDIMENTO PACÍFICO NO ÂMBITO DA TERCEIRA SEÇÃO DO STJ. 1. Com o advento da Medida Provisória nº 1.523/96, reeditada até sua conversão na Lei nº 9.528, em 10 de dezembro de 1997, retirou-se o menor sob guarda do rol de dependentes previsto no art. 16, § 2º, da Lei nº 8.213/91. 2. Assentou-se na jurisprudência desta Corte o entendimento de que a concessão da pensão por morte reger-se-á pela norma vigente ao tempo da implementação da condição fática necessária à concessão do benefício, qual seja, a data do óbito do segurado (Súmula 340/STJ). 3. Tendo o óbito ocorrido na vigência da Medida Provisória nº 1.523/96, inviável a concessão da
pensão por morte ao menor sob guarda. Precedentes da Terceira Seção. 4. Inexiste direito adquirido do menor sob guarda designado antes da Medida Provisória nº 1.523/96, pois as condições para a percepção do benefício são aferidas ao tempo do óbito do segurado instituidor, fato gerador da pensão. 5. Agravo regimental improvido. (STJ - AgRg no REsp: 778012 MG 2005/0145009-4, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 20/10/2009, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: --> DJe 09/11/2009)
In casu, a instituidora da pensão faleceu na vigência da Lei n. 9.528/97 que alterou dispositivos da Lei 8.213/91.
Assim, nos termos do art. 74 da legislação de regência, o benefício de pensão por morte será devido:
Art. 74. A pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não, a contar da data
I - do óbito, quando requerida até trinta dias depois deste;
II - do requerimento, quando requerida após o prazo previsto no inciso anterior;
III - da decisão judicial, no caso de morte presumida.
No tocante à categoria dos dependentes, à data do óbito, antes das modificações introduzidas pela Lei nº 12.470/2011, preceituava o art. 16 da Lei 8.213/91, com as alterações dadas pelas Leis nº 9.032/95 e nº 9.528/97, in verbis:
Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:
I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido;
II - os pais;
III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido;
§ 1º A existência de dependente de qualquer das classes deste artigo exclui do direito às prestações os das classes seguintes.
§ 2º O enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica na forma estabelecida no Regulamento.
§ 3º Considera-se companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser casada, mantém união estável com o segurado ou com a segurada, de acordo com o § 3º do art. 226 da Constituição Federal.
§ 4º A dependência econômica das pessoas indicadas no inciso I é presumida e a das demais deve ser comprovada.
Assim, para que os dependentes do segurado tenham direito à percepção do benefício de pensão por morte, perfaz-se necessária a presença de alguns requisitos à sua concessão, quais sejam: a) o óbito do segurado; b) a qualidade de dependente; e c) a dependência econômica, que pode ser presumida ou comprovada (art. 16, §4º, da Lei 8.213/91).
Cumpre salientar, ainda, que não há carência para o benefício de pensão por morte, nos termos do art. 26, I, da Lei n. 8.213/91.
A comprovação da qualidade de trabalhador rural ocorre mediante início de prova material devidamente corroborado pela prova testemunhal produzida em juízo acerca do labor campesino exercido em vida pelo falecido.
No tocante à prova do labor rural, cumpre registrar que o eg. Superior Tribunal de Justiça adotou, em matéria previdenciária, a solução pro misero, dada a notória dificuldade dos trabalhadores rurais na comprovação dessa atividade.
Inexistente, pois, rol taxativo dos documentos (STJ AgRG no REsp 1073730/CE), são aceitáveis, como início razoável de prova material documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, a ficha de alistamento militar, o certificado de dispensa de incorporação (CDI), o título eleitoral em que conste como lavrador a profissão do segurado (STJ, AgRG no REsp 939191/SC), carteira de sindicato rural e boletim escolar de filhos que tenham estudado em escola rural (STJ AgRG no REsp 967344/DF), certidão de casamento, certidão de óbito do cônjuge, certidão de nascimento de filhos, carteira de trabalho e previdência social (CTPS), certificado de reservista, declaração de Sindicato de Trabalhadores Rurais, devidamente homologada pelo Ministério Público (STJ, AR3202/CE), certidões do INCRA, guias de recolhimento de ITR, documentos fiscais de venda de produtos rurais, ficha/carteira de filiação em sindicato de trabalhadores rurais, recibos de pagamento a sindicato rural, certidão de registro de imóveis relativos à propriedade rural, contratos de parceria agrícola, entre outros registros públicos contemporâneos ao período em que se quer comprovar, nos quais esteja especificada a profissão da parte autora ou de seu cônjuge como trabalhador rural.
Ressalte-se o entendimento manifestado no julgamento REsp 267.355/MS, relatado pelo Ministro Jorge Scartezzini, publicado no DJ 20.11.2000: “A qualificação profissional de lavrador ou agricultor do marido, constante dos assentamentos de registro civil, é extensível à esposa, e constitui indício aceitável de prova material do exercício da atividade rural...”.
Ressalto, por oportuno, que a existência de eventuais registros no CNIS de vínculos de natureza urbana esparsos e de curta duração não afastam a condição de segurado especial, comprovada pelo acervo probatório constante dos autos.
No mesmo sentido, também não desconfigura a qualidade de rurícola a simples filiação à Previdência Social como contribuinte individual autônomo, com indicação de ocupação diversa, sem vínculos comprovados ou existência de vínculos na carteira de trabalho como diarista, bóia-fria ou safrista.
Além da qualidade de segurada especial da falecida, o autor pretende comprovar a alegação de união estável. Assim, não tendo sido instruído o processo com a colheita de prova testemunhal, impõe-se anular a sentença para determinar o retorno dos autos à primeira instância, visando o regular processamento do feito, já que para comprovação da união estável da requerente com o falecido no momento do óbito é indispensável a realização de audiência, com oitiva de testemunhas, bem como análise por aquele juízo dos documentos apresentados, além dos que podem vir a ser apresentados durante a instrução, sob pena de supressão de instância.
Ante o exposto, dou provimento à apelação da parte autora para anular a sentença, de forma a afastar a ocorrência da prescrição do fundo do direito pleiteado, bem como determinar o regular prosseguimento do feito.
Sem honorários recursais, na forma do art. 85, § 11, do CPC porquanto não preenchidos os requisitos simultâneos fixados pelo Superior Tribunal de Justiça para sua aplicação (cf. AgInt nos EREsp 1539725/DF, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/08/2017, DJe 19/10/2017).
É como voto.

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 6 - DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO LUIZ DE SOUSA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1010955-20.2019.4.01.9999
APELANTE: AILTON DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: RENATO GHANNAM - GO20212-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. RURAL. SEGURADO ESPECIAL. PENSÃO POR MORTE. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. AUSÊNCIA DE PROVA TESTEMUNHAL. PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO. NÃO OCORRÊNCIA. SENTENÇA ANULADA. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PROVIDA.
1. A parte autora interpôs recurso de apelação contra sentença que julgou improcedente o pedido de pensão por morte rural em razão do reconhecimento da ocorrência da prescrição do fundo de direito pleiteado inicialmente.
2. Preliminarmente, quanto à prescrição do fundo de direito, consoante entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça, bem assim desta Corte, é descabida a aplicação deste entendimento em matéria previdenciária. Contudo, à luz da Súmula 85 do STJ, há a prescrição das parcelas vencidas após o quinquênio que precedeu ao ajuizamento da demanda, eis que a relação previdenciária se afigura de trato sucessivo.
3. Segundo a orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte, deve-se aplicar, para a concessão de benefício de pensão por morte, a legislação vigente ao tempo do óbito do instituidor. A Lei nº. 8.213/91, à época do óbito, não exigia, para fins de comprovação de união estável, a apresentação de início de prova material, tendo tal inovação legislativa sido acrescentada apenas em 2019 (lei nº 13.846).
4. Além da qualidade de segurada especial da falecida, o autor pretende comprovar a alegação de união estável. Assim, não tendo sido instruído o processo com a colheita de prova testemunhal, impõe-se anular a sentença para determinar o retorno dos autos à primeira instância, visando ao regular processamento do feito, já que para comprovação da união estável da requerente com o falecido no momento do óbito é indispensável a realização de audiência, com oitiva de testemunhas, bem como análise por aquele juízo dos documentos apresentados, além dos que podem vir a ser apresentados durante a instrução, sob pena de supressão de instância.
5. Sem honorários recursais, na forma do art. 85, § 11, do CPC porquanto não preenchidos os requisitos simultâneos fixados pelo Superior Tribunal de Justiça para sua aplicação (cf. AgInt nos EREsp 1539725/DF, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/08/2017, DJe 19/10/2017).
6. Apelação da parte autora provida para anular a sentença e determinar o retorno à origem para o regular prosseguimento do feito.
ACÓRDÃO
Decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação, com determinação de retorno dos autos à origem, nos termos do voto do Relator.
Brasília - DF.
ASSINADO DIGITALMENTE
Desembargador Federal João Luiz de Sousa
Relator
