
POLO ATIVO: DAIANA MENDES LIMA
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: FRANCISCO DAS CHAGAS DE OLIVEIRA BISPO - MA6259-A e ELISANGELA LIMA DE MACEDO - MA19072-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
RELATOR(A):EULER DE ALMEIDA SILVA JUNIOR

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 1009307-29.2024.4.01.9999
RELATÓRIO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pela parte autora contra sentença que negou salário-maternidade rural (ID 418643552 - Pág. 25 a 29).
Nas razões recursais (ID 418643552 - Pág. 8 a 24), a parte recorrente pediu a anulação da sentença para que seja reaberta a instrução probatória, porquanto restou caracterizado o cerceamento do direito de defesa, pois o juízo de origem dispensou a realização da prova oral em audiência e proferiu desde logo a sentença de forma prematura.
A parte recorrida não apresentou contrarrazões (certidão ID 418643552 - Pág. 3).
É o relatório.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 1009307-29.2024.4.01.9999
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA (RELATOR):
Presentes os pressupostos recursais (competência do relator e da turma julgadora, tempestividade, adequação, dialeticidade, congruência e observância das normas pertinentes a eventual preparo recursal).
A concessão do benefício previdenciário intitulado salário-maternidade à segurada especial, que tenha por base atividades rurais, exercidas em regime de economia familiar ou regime equivalente, depende da demonstração, por prova idônea e suficiente (prova documental plena ou ao menos início razoável de prova material contemporânea à prestação laboral confirmada e complementada por prova testemunhal), da qualidade de segurado especial, e observância dos demais requisitos legais da legislação de regência (arts. 11, VII; 39, II; 71 e conexos da Lei 8.213/1991 e § 2º do art. 93 do Regulamento aprovado pelo Decreto 3.048/1999).
O entendimento jurisprudencial dominante estabeleceu os seguintes critérios sobre a idoneidade e suficiência probatória do trabalho rural em regime de economia familiar ou equivalente, aplicáveis subsidiariamente à situação do salário-maternidade, observadas as devidas proporções (comparativamente à aposentadoria por idade e outros benefícios): 1) necessidade de produção de prova documental plena ou início de prova material confirmada e complementada pela prova testemunhal (Súmula 149 do STJ e Súmula 27 do TRF1); 2) mitigação da prova documental legal estabelecida no art. 106 da Lei 8.213/1991; 3) utilização de CTPS como prova plena, quando seus dados forem inseridos no CNIS ou demonstrado o recolhimento de contribuições no período, ou como prova relativa, na forma da Súmula 75 da TNU; 4) contemporaneidade temporal ampliada da prova documental, nos termos da Súmula 577 do STJ c/c Súmulas 14 e 34 da TNU e Tese 2, 11 e 17 da TNU; 5) mitigação da dimensão da propriedade em que se deu a atividade (Tese 1115 do STJ e Súmula 30 da TNU); 6) imediatidade da atividade ao tempo abrangido pelo requerimento, respeitado o direito adquirido quanto ao cumprimento pretérito de todas as condições (Tese 642 do STJ e Súmulas 54 e 11 da TNU c/c art. 5º, XXXVI, da CF/88); 7) extensão da prova material da condição de rurícola em nome de membros do grupo familiar convivente, principalmente cônjuge, companheiros e filhos, assim como pai e mãe antes do casamento ou união estável (Súmula 06 da TNU c/c §4º do art. 16 da Lei 8.213/1991), possibilitada a desconsideração da atividade urbana de membro do grupo familiar convivente quando o trabalho rural se apresentar indispensável para a sobrevivência desse grupo familiar (Teses 532 e 533 do STJ e Súmula 41 do TNU); 8) na situação de atividade intercalada, a relativização de concorrência de trabalho urbano breve e descontinuado do próprio beneficiário ou de membros do grupo familiar convivente (Tese 37 da TNU, Tema 301 da TNU e Súmula 46 da TNU); 9) resguardo da atividade especial própria da mulher casada com marido trabalhador urbano ou mantida por pensão alimentícia deste (Tese 23 da TNU). 10) qualificação da atividade conforme a atividade do empregado e não de acordo com o ramo de atividade do empregador (Tese 115 da TNU), o que possibilita a utilização de vínculos formais de trabalho, com exercício de atividades agrárias, como segurado especial; 11) possibilidade de consideração das atividades rurais exercidas por menor de idade em regime de economia familiar, nos termos da Súmula 5 da TNU e da Tese 219 da TNU (entre 12 e 14 anos até o advento da Lei 8.213/1991, e a partir de 14 anos após a referida data); 12) inclusão da situação do “boia-fria” como segurado especial (Tese 554 do STJ); 13) possibilidade de estabelecimento de residência do grupo familiar do segurado especial em aglomerado urbano, fora do local de exercício das atividades agrárias (inciso VII do art. 11 da Lei 8.213/1991, redação dada pela Lei 11.718/2008).
Os critérios jurisprudenciais que implicam interpretação extensiva à legislação de regência deverão ser aplicados com razoável parcimônia, pois, em dado caso concreto, uma única situação excepcional (quando relevante, intensa e abrangente) ou o conjunto de situações excepcionais (ainda que acessórias e menos abrangentes, quando individualmente consideradas) pode descaracterizar a situação de segurado especial em regime de economia familiar.
Possui especial relevância as Teses 11 e 17 da TNU, nos seguintes termos:
Tema 11 da TNU. A exigência de início de prova material contemporânea para concessão do salário-maternidade à segurada especial pode ser flexibilizada.
Tema 17 da TNU. A exigência de início de prova material para concessão do salário-maternidade à segurada especial pode ser flexibilizada.
As referidas teses foram potencializadas no julgamento da ADI 2.110, no qual o STF, por maioria, com base no voto do ministro Edson Fachin, declarou a inconstitucionalidade da norma que passou a exigir carência de 10 meses de contribuição para a concessão do salário-maternidade para as trabalhadoras autônomas (contribuintes individuais), para as trabalhadoras rurais (seguradas especiais) e para as contribuintes facultativas. Para os ministros que acompanharam o voto vencedor em comento, a exigência de cumprimento de carência apenas para algumas categorias de trabalhadoras viola o princípio da isonomia. Consta da certidão do julgamento da ADI 2.110, no que se refere ao salário-maternidade, o seguinte (original sem destaque):
"Decisão: O Tribunal, por maioria, conheceu parcialmente das ADIs 2.110 e 2.111 e, na parte conhecida, (a) julgou parcialmente procedente o pedido constante da ADI 2.110, para declarar a inconstitucionalidade da exigência de carência para a fruição de salário-maternidade, prevista no art. 25, inc. III, da Lei nº 8.213/1991, na redação dada pelo art. 2º da Lei nº 9.876/1999, vencidos, nesse ponto, os Ministros Nunes Marques (Relator), Alexandre de Moraes, André Mendonça, Cristiano Zanin e Gilmar Mendes;".
No caso dos autos, o parto ocorreu em 02/01/2019 (ID 418643552 - Pág. 183) e a parte autora requereu administrativamente o benefício de salário-maternidade na qualidade de segurada especial em 17/09/2019 (ID 418643552 - Pág. 173).
Para comprovar o exercício de atividade rural, foi juntada a seguinte documentação (ID 418643552 - Pág. 138; 145; 156 e 157; ID 418643552 - Pág. 188 a 201): ficha de histórico escolar da autora; memorial descritivo do imóvel denominado Fazenda São Paulo, em nome de João Ferreira Lima (genitor da autora), em 20/02/2017; dados cadastrais da autora no CNIS, com indicação de endereço no povoado Gata, atualizado em 26/11/2018; certidão de inteiro teor do nascimento do filho, nascido em 02/01/2019, registrado em 22/02/2019, em virtude da qual se postula o benefício, de onde se extrai a profissão de lavradora da autora; certidão eleitoral, com indicação da profissão de trabalhadora rural da autora e endereço na cidade de Pindaré-Mirim/MA, expedida em 31/05/2019; declaração do proprietário do imóvel rural, Sr. João Ferreira Lima (genitor da autora), de que a autora exerceu atividade rural na sua propriedade denominada Fazenda São Paulo, localizado no Povoado Gata (Assentamento São Paulo), município de Pindaré-Mirim/MA, assinada em 03/09/2019; InfoDap do agricultor familiar em nome do genitor da autora, categoria de assentado pelo PNRA, emitida em 01/11/2019 e válida até 01/11/2021; dados da família no cadastro único, com indicação dos membros da unidade familiar composto pelo genitor da autora, ela e outros membros, todos com endereço no Povoado Gata, família incluída em 31/05/2006 e atualizado os dados em 20/12/2019.
Contudo, depreende-se do processo que não fora realizada audiência de instrução para colheita de prova oral, por entender o juízo de origem pela desnecessidade de produção de outras provas, porquanto "verifica-se que a presente controvérsia discute matéria unicamente de direito, sendo cabível julgamento antecipado da lide" (ID 418643552 - Pág. 35).
A prolação de sentença sem a abertura da fase probatória e designação de data para realização da oitiva de testemunhas implica prejuízo ao direito de defesa da autora, a ensejar a anulação da sentença para que seja reaberta a instrução, oportunizando-se a complementação da prova imprescindível à adequada composição do conflito.
A qualificação de segurado especial como rurícola, por sua natureza e finalidade, exige a produção de prova testemunhal em audiência, porquanto indispensável para corroborar o início de prova material na comprovação do exercício da atividade rural em regime de subsistência no período necessário para concessão do benefício requerido, momento em que o juiz apreciará a valoração das demais circunstâncias da situação fática em conjunto com os elementos de prova, tendente à formação da convicção do julgador.
Por outro lado, o próprio julgamento de improcedência por insuficiência de provas constitui evidente prejuízo para a parte autora.
Nessas condições, e tendo a parte autora postulado a realização de audiência de instrução (ID 418643552 - Pág. 171; ID 418643552 - Pág. 45), mostra-se imprescindível, sob pena de cerceamento de defesa, a complementação probatória com a oitiva de testemunhas, a fim de que sejam esclarecidas as circunstâncias em que se deu a alegada atividade rural da parte autora a corroborar, ou não, os indícios materiais, bem como delimitar, tanto quanto possível, o período abrangido pela suposta atividade rurícola.
Com efeito, cabe ressaltar que o exercício de atividade rural deve ser comprovado mediante a produção de prova material suficiente, ainda que inicial, complementada por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida exclusivamente, a teor do art. 55, § 3º, da Lei n. 8.213/91 e da Súmula 149 do STJ.
Houve cerceamento ao direito de defesa em detrimento da parte autora pelos seguintes motivos: 1) a ação sugere a necessidade de oitiva de testemunhas em audiência, porque se trata de pedido de salário-maternidade por nascimento de filho próprio à segurada especial, sendo necessário comprovar o exercício de atividade rural em regime de economia familiar; 2) a petição inicial e especificação de provas requereram, expressamente, a produção de prova testemunhal, com a designação de audiência de instrução e julgamento; 3) houve o julgamento da causa da sem a devida instrução e produção das provas requeridas pela parte autora, que eram indispensáveis para o julgamento da demanda; 4) a sentença foi proferida sem oportunizar a parte autora complementação da prova documental por testemunhas, como lhe faculta a legislação de regência (Súmula 149 do STJ e arts. 442 e 442 do CPC/2015).
Assim tem decidido este Tribunal acerca da matéria:
“...2. A qualidade de segurado especial deve ser comprovada por início de prova material, corroborada por prova testemunhal. 3. Configura cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide, sem a produção de prova testemunhal, pois somente com a completa instrução do processo é que se pode realizar exame a respeito da suficiência da prova produzida para a comprovação da qualidade de segurado especial.”. (AC 1006033-62.2021.4.01.9999, DESEMBARGADORA FEDERAL MAURA MORAES TAYER, TRF1 - PRIMEIRA TURMA, PJe 25/04/2022 PAG.)
Portanto, é inconteste que a impossibilidade de produção da prova testemunhal requerida pela autora, prejudicou a demonstração do seu direito, violando diretamente garantia prevista no inciso LV, art. 5º, da CF.
Nesse contexto, a anulação da sentença e retorno dos autos à origem é medida que se impõe.
Ante o exposto, conheço do recurso para, no mérito, dar-lhe provimento para anular a sentença recorrida, determinar o retorno dos autos ao Juízo de origem, com a consequente reabertura da instrução processual, oportunizada a inquirição de testemunhas e novo julgamento da causa.
Honorários advocatícios de sucumbência a serem arbitrados quando da prolação da nova sentença, quando será levado em consideração o trabalho efetuado no processamento da apelação.
É o voto.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 28 - DESEMBARGADOR FEDERAL EULER DE ALMEIDA
Processo Judicial Eletrônico
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
PROCESSO: 1009307-29.2024.4.01.9999
PROCESSO DE REFERÊNCIA: 0800929-16.2020.8.10.0108
RECORRENTE: DAIANA MENDES LIMA registrado(a) civilmente como DAIANA MENDES LIMA
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. SALÁRIO-MATERNIDADE RURAL. QUALIDADE DE SEGURADA ESPECIAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. AUSÊNCIA DE PROVA TESTEMUNHAL. JULGAMENTO ANTECIPADO DO MÉRITO. NULIDADE DA SENTENÇA. CERCEAMENTO DE DEFESA CONFIGURADO. SENTENÇA ANULADA. REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL NO JUÍZO DE ORIGEM.
1. O salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade.
2. A concessão de salário-maternidade em face de atividades rurais, exercidas em regime de economia familiar ou regime equivalente, depende da demonstração, por prova idônea e suficiente (prova documental plena ou ao menos início razoável de prova material contemporânea à prestação laboral confirmada e complementada por prova testemunhal), da condição de segurado especial, e observância dos demais requisitos legais da legislação de regência (arts. 11, VII; 39, II; 71 e conexos da Lei 8.213/1991 e § 2º do art. 93 do Regulamento aprovado pelo Decreto 3.048/1999).
3. A prolação de sentença sem a abertura da fase probatória e designação de data para realização da oitiva de testemunhas implica prejuízo ao direito de defesa da autora, a ensejar a anulação da sentença para que seja reaberta a instrução, oportunizando-se a complementação da prova imprescindível à adequada composição do conflito.
4. Houve cerceamento ao direito de defesa em detrimento da parte autora pelos seguintes motivos: a) a ação sugere a necessidade de oitiva de testemunhas em audiência, porque se trata de pedido de salário-maternidade por nascimento de filho próprio à segurada especial, sendo necessário comprovar o exercício de atividade rural em regime de economia familiar; b) a petição inicial e interlocutória de especificação de provas requereram, expressamente, a produção de prova testemunhal, com a designação de audiência de instrução e julgamento; c) houve o julgamento da causa da sem a devida instrução e produção das provas requeridas pela parte autora, que eram indispensáveis para o julgamento da demanda; d) a sentença foi proferida sem oportunizar a parte autora complementação da prova documental por testemunhas, como lhe faculta a legislação de regência (Súmula 149 do STJ e arts. 442 e 442 do CPC/2015).
5. Apelação da parte autora provida. Sentença anulada para a reabertura da instrução processual e realização de audiência para a oitiva de testemunhas.
ACÓRDÃO
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, dar provimento à apelação da parte autora, nos termos do voto do Relator.
Brasília/DF, data e assinatura eletrônicas.
Desembargador Federal EULER DE ALMEIDA
Relator
