
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
POLO PASSIVO:ERMELINA VIERIA GUIMARAES DE CARVALHO
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: MICHEL GODINHO DOS SANTOS - BA30241-A
RELATOR(A):MARCELO VELASCO NASCIMENTO ALBERNAZ

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 03 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 0001676-44.2016.4.01.3302
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
APELADO: ERMELINA VIERIA GUIMARAES DE CARVALHO
Advogado do(a) APELADO: MICHEL GODINHO DOS SANTOS - BA30241-A
RELATÓRIO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ (RELATOR):
O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) ajuizou ação de ressarcimento ao erário em face de ERMELINA VIEIRA GUIMARÃES DE CARVALHO, alegando que esta percebeu indevidamente aposentadoria por idade como segurado especial no período compreendido entre 02/05/1994 e 01/05/2012.
A sentença proferida reconheceu a prescrição com base no artigo 487, inciso II, do Código de Processo Civil (CPC).
Em sua apelação, a Autarquia Previdenciária alega, de forma resumida, que a Ré cometeu ilícito criminal, portanto, a ação seria imprescritível.
Foram apresentadas contrarrazões.
É o relatório.
Desembargador Federal MARCELO ALBERNAZ
Relator

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 03 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 0001676-44.2016.4.01.3302
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
APELADO: ERMELINA VIERIA GUIMARAES DE CARVALHO
Advogado do(a) APELADO: MICHEL GODINHO DOS SANTOS - BA30241-A
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ (RELATOR):
Preliminarmente, consigno que o recurso preenche os requisitos subjetivos e objetivos de admissibilidade.
Prescrição
Quanto à prescrição, é certo que o artigo 37, § 5º, da Constituição, ao dispor sobre a ocorrência de prescrição da pretensão de ressarcimento ao erário, estabelece que "a lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento".
Conforme já decidido pelo STF, “a Constituição, no mesmo dispositivo (art. 37, § 5º, CRFB) decota de tal comando para o Legislador as ações cíveis de ressarcimento ao erário, tornando-as, assim, imprescritíveis”. São, portanto, imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa” (RE 852475, Relator: Min. Alexandre de Moraes, Relator p/ Acórdão: Min. Edson Fachin, Tribunal Pleno, julgado em 08/08/2018, Processo Eletrônico Repercussão Geral - Mérito DJe-058 DIVULG 22-03-2019 PUBLIC 25-03-2019). (Sem grifos no original).
Por sua vez, em decisão proferida com repercussão geral reconhecida (Tema 666), o Supremo Tribunal Federal concluiu da seguinte forma: "É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil".
Além disso, aplica-se o prazo prescricional de 5 anos, nos termos do art. 1º do Decreto nº 20.910/32, à ação de ressarcimento de benefício previdenciário pago indevidamente, quando comprovada a má-fé do beneficiário (STJ. 2ª Turma. AgInt no REsp 1.998.744-RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 6/3/2023).
Portanto, a prescrição é a regra no ordenamento jurídico. Assim, ainda que configurada a má-fé do beneficiário no recebimento dos valores, inexistindo prazo específico definido em lei, o prazo prescricional aplicável é o de 5 anos, nos termos do art. 1º do Decreto 20.910/1932, em respeito aos princípios da isonomia e simetria.
Por fim, enquanto não reconhecida a natureza ímproba ou criminal do ato causador de dano ao erário, a pretensão de ressarcimento sujeita-se normalmente aos prazos prescricionais (STJ. 2ª Turma. AgInt no REsp 1.998.744-RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 6/3/2023).
No caso em questão, apesar de o INSS indicar a existência de ilícito criminal, não há nos autos qualquer evidência de inquérito policial ou ação penal que corrobore essa alegação.
Ademais, a sentença utilizou como prazo prescricional o período de 3 (três) anos, contrariando os entendimentos acima explicitados.
Portanto, levando em consideração que o INSS moveu a presente ação de ressarcimento ao erário em junho de 2016, é pertinente reconhecer a prescrição, apenas parcial, da pretensão referente ao período anterior a 5 (cinco) anos da propositura da ação.
Em consequência, passa-se ao exame das demais questões atinentes ao mérito da causa, conforme inteligência do art. 1.013, §§ 1º a 4º, do CPC.
DO MÉRITO
A matéria controvertida versa sobre a inexigibilidade de reposição ao erário de valores pagos, em razão do recebimento indevido de benefício previdenciário (aposentadoria por idade como segurado especial).
Na hipótese, nota-se que a autora requereu e teve deferido, administrativamente, a sua aposentadoria em 02/05/1994.
Em razão de revisão administrativa, foi suspenso o benefício previdenciário, tendo sido determinada a devolução de valores já percebidos, ante a irregularidade em sua concessão, visto que a Ré mantinha vínculo laborativo com a Prefeitura de Campo Formoso/BA.
Ressalta-se que a boa-fé é presumida, enquanto a má-fé necessita de comprovação. Em outras palavras, é essencial demonstrar a má-fé do beneficiário ou, inversamente, refutar a boa-fé da pessoa que alegadamente recebeu de forma indevida determinado benefício previdenciário.
A jurisprudência tem manifestado a orientação de que seria preciso avaliar a aptidão do segurado "para compreender, de forma inequívoca, a irregularidade do pagamento", tal como decidiu o Ministro Benedito Gonçalves, no julgamento do REsp 1381734/RN, Rel. Primeira Seção, julgado em 10/03/2021, DJe 23/04/2021.
Sobre a matéria, o Superior Tribunal de Justiça, sob o rito dos recursos repetitivos (Tema n. 979 - REsp 1.381.734), decidiu que, nos casos de valores pagos indevidamente pela Previdência Social em decorrência de erro administrativo (material ou operacional), sem que a hipótese seja de interpretação errônea ou equivocada de lei pela Administração, é devido o ressarcimento ao erário de tais verbas percebidas pelo segurado/beneficiário, salvo quando comprovada a sua boa-fé com a demonstração de que não lhe era possível constatar que o pagamento era indevido.
No julgamento do REsp n. 1.381.734 (Tema 979/STJ) foi firmada a seguinte tese:
"Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido." (Sem grifos no original).
No mesmo julgamento foi decidida a modulação dos efeitos da decisão, nos seguintes termos:
Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão.
Ante a modulação dos efeitos, apenas os processos distribuídos na primeira instância, a partir da data da publicação do acórdão, estarão sujeitos à devolução em caso de erro da administração (material ou operacional), ressalvada a comprovação de boa-fé do beneficiário. Tal não é a situação dos autos, uma vez que a ação foi proposta antes da publicação do acórdão em referência (acórdão publicado no DJe de 23/4/2021).
Considerando a restrição de eficácia temporal estabelecida pelo Superior Tribunal de Justiça, não se mostra relevante a discussão sobre a ausência, ou não, de boa-fé da parte segurada na percepção das verbas tidas por indevidas.
Nas circunstâncias do caso concreto, não há como inferir má-fé por parte da ré. Afinal, não há registro de que o INSS, durante o processo administrativo de concessão do benefício, tenha indagado a ré sobre outros vínculos empregatícios ou fontes de renda.
Além disso, presume-se que o INSS tinha conhecimento dos vínculos formais dos segurados com entes públicos. Não há prova de que a ré, mesmo concomitantemente, não exercia atividades rurais no período do requerimento administrativo, o que poderia demonstrar uma alteração maliciosa dos fatos perante o INSS.
Por fim, não há evidências de que a ré, na condição de pessoa comum, possuía ciência de que a simples manutenção de vínculo empregatício com ente público municipal acarretaria a perda do direito à aposentadoria por idade rural.
Portanto, a autarquia previdenciária não demonstrou, de forma inequívoca, a má-fé da ré. Deveria ter feito isso na esfera administrativa, inclusive para possibilitar a aplicação da teoria dos motivos determinantes.
Assim, tendo em vista a modulação dos efeitos aplicada pelo STJ no Tema n. 979 e ante a ausência de comprovação de má-fé, verifica-se que, no caso dos autos, é indevida a cobrança dos valores pagos como aposentadoria por idade como segurado especial.
Honorários advocatícios
Honorários advocatícios majorados na fase recursal em R$2.000,00 (dois mil reais), além do montante já fixado pelo Juízo de origem (art. 85, §11, CPC).
CONCLUSÃO
Ante o exposto, nego provimento à apelação do INSS, nos termos acima explicitados.
É como voto.
Desembargador Federal MARCELO ALBERNAZ
Relator

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 03 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO ALBERNAZ
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 0001676-44.2016.4.01.3302
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
APELADO: ERMELINA VIERIA GUIMARAES DE CARVALHO
Advogado do(a) APELADO: MICHEL GODINHO DOS SANTOS - BA30241-A
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA POR IDADE. SEGURADO ESPECIAL. REPOSIÇÃO AO ERÁRIO DE VALORES. INDEVIDA. MÁ-FÉ NÃO COMPROVADA. TEMA 979. MODULAÇÃO DOS EFEITOS. APELAÇÃO DO INSS NÃO PROVIDA.
1. A matéria controvertida versa sobre a inexigibilidade de reposição ao erário de valores pagos, em razão do recebimento indevido de benefício previdenciário (aposentadoria por idade como segurado especial).
2. O Supremo Tribunal Federal, em decisão proferida com repercussão geral reconhecida (Tema 666), assim concluiu: "É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil." Aplica-se à espécie, portanto, o prazo prescricional de 5 anos, nos termos do art. 1º do Decreto 20.910/1932. (AREsp 1441458/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/10/2020, DJe 17/11/2020) e (AC 0047626-35.2014.4.01.3500, JUIZ FEDERAL SAULO JOSÉ CASALI BAHIA, TRF1 - 1ª CÂMARA REGIONAL PREVIDENCIÁRIA DA BAHIA, PJe 27/06/2022 PAG).
3. A sentença utilizou como prazo prescricional o período de 3 (três) anos, contrariando os entendimentos acima explicitados. Portanto, levando em consideração que o INSS moveu a presente ação de ressarcimento ao erário em junho de 2016, é pertinente reconhecer a prescrição, apenas parcial, da pretensão referente ao período anterior a 5 (cinco) anos da propositura da ação.
4. A jurisprudência tem manifestado a orientação de que seria preciso avaliar a aptidão do segurado "para compreender, de forma inequívoca, a irregularidade do pagamento", tal como decidiu o Ministro Benedito Gonçalves, no julgamento do REsp 1381734/RN, Rel. Primeira Seção, julgado em 10/03/2021, DJe 23/04/2021.
5. Nas circunstâncias do caso concreto, não há como inferir má-fé por parte da ré. Afinal, não há registro de que o INSS, durante o processo administrativo de concessão do benefício, tenha indagado a ré sobre outros vínculos empregatícios ou fontes de renda. Além disso, presume-se que o INSS tinha conhecimento dos vínculos formais dos segurados com entes públicos.
6. Caso em que não há prova de que a ré, mesmo concomitantemente, não exercia atividades rurais no período do requerimento administrativo, o que poderia demonstrar uma alteração maliciosa dos fatos perante o INSS. Por fim, não há evidências de que a ré, na condição de pessoa comum, possuía ciência de que a simples manutenção de vínculo empregatício com ente público municipal acarretaria a perda do direito à aposentadoria por idade rural.
7. Tendo em vista a modulação dos efeitos aplicada pelo STJ no Tema n. 979 e ante a ausência de comprovação de má-fé, verifica-se que, no caso dos autos, é indevida a cobrança dos valores pagos como aposentadoria por idade rural irregularmente concedido.
8. Apelação não provida.
ACÓRDÃO
Decide a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS, nos termos do voto do Relator.
Brasília/DF.
Desembargador Federal MARCELO ALBERNAZ
Relator
