
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:JOSIANE SILVA CARDOSO
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: MARCOS CALAHARI BORGES DE SOUZA - BA43336-A
RELATOR(A):CANDICE LAVOCAT GALVAO JOBIM

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
GABINETE DA DESEMBARGADORA FEDERAL CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM
APELAÇÃO CÍVEL (198)1040398-63.2021.4.01.3300
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOSIANE SILVA CARDOSO
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM (RELATORA):
Trata-se de recurso de apelação interposto pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL em face da sentença que julgou procedenteos pedidos de restabelecimento de benefício de amparo assistencial à pessoa com deficiência (LOAS), a partir da data da cessação, ocorrida em 26/02/2021, e de anulação da cobrança administrativa que buscava a restituição dos valores recebidos.
Nas razões recursais (ID 337009654), a parte apelante alega que não foi demonstrada nos autos a condição de miserabilidade da parte autora e que deve ocorrer a restituição dos valores recebidos indevidamente.
As contrarrazões foram apresentadas (ID 337009658).
Parecer ministerial pelo desprovimento da apelação (ID 344530159).
É o relatório.
Desembargadora Federal CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM
Relatora

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
GABINETE DA DESEMBARGADORA FEDERAL CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM
APELAÇÃO CÍVEL (198)1040398-63.2021.4.01.3300
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOSIANE SILVA CARDOSO
VOTO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM (RELATORA):
Inicialmente, assente-se a dispensa de remessa necessária no presente caso concreto, em face do teor da norma do inciso I do § 3º do art. 496 do Código de Processo Civil, nos termos dos recentes precedentes do Superior Tribunal de Justiça (a propósito: REsp. 1735097/RS; REsp. 1844937/PR).
Consigno, ainda, que a prescrição atinge as prestações vencidas anteriormente ao quinquênio que antecede o ajuizamento da ação, nos termos da Súmula nº 85/STJ.
A pretensão formulada pela parte autora na inicial é de restabelecimento de benefício de amparo assistencial à pessoa com deficiência previsto na Lei nº 8.742/93.
É cediço que é necessária a presença cumulativa dos seguintes requisitos para concessão do benefício de prestação continuada: a) ser a pessoa portadora de deficiência ou idosa (65 anos ou mais); e b) comprovar a condição de miserabilidade nos termos do art. 203, V, da Constituição Federal.
O INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL alega em suas razões de apelação que não restou demonstrada nos autos a condição de miserabilidade da parte autora, como exigido pelo art. 20, §3º, da Lei nº 8.742/93, para fins de concessão do benefício de prestação continuada, razão pela qual pugna pela reforma da sentença.
Como a questão submetida a exame em sede de apelação cinge-se à demonstração da hipossuficiência financeira da parte autora, limito-me a analisar a referida questão e não procedo ao exame da comprovação de ser a parte autora portadora de deficiência que acarreta impedimento de longo prazo, já reconhecida pela sentença.
Pois bem.
A respeito da miserabilidade, assim dispõe o art. 20 da Lei nº 8.742/93:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
(...)
§ 3º Observados os demais critérios de elegibilidade definidos nesta Lei, terão direito ao benefício financeiro de que trata o caput deste artigo a pessoa com deficiência ou a pessoa idosa com renda familiar mensal per capita igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 14.176, de 2021)
(...)
§ 8º A renda familiar mensal a que se refere o § 3º deverá ser declarada pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido. (Incluído pela Lei nº 9.720, de 1998)
§9º Os rendimentos decorrentes de estágio supervisionado e de aprendizagem não serão computados para os fins de cálculo da renda familiar per capita a que se refere o § 3o deste artigo. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)
(...)
§11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento. (Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015)
§11-A. O regulamento de que trata o § 11 deste artigo poderá ampliar o limite de renda mensal familiar per capita previsto no § 3º deste artigo para até 1/2 (meio) salário-mínimo, observado o disposto no art. 20-B desta Lei. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021)
(...)
§ 14. O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo. (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020)
Relativamente à transcrita norma do art. 20, §3º, da Lei nº 8.742/93, o Eg. STJ, quando do julgamento do REsp n. 1.112.557/MG, sob o regime de recursos repetitivos, firmou o entendimento de que “a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade” (REsp n. 1.112.557/MG, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, julgado em 28/10/2009, DJe de 20/11/2009).
A referida norma também passou pelo crivo do Plenário do STF quando do julgamento dos RE 567985 e 580963, e da Reclamação nº 4374, oportunidade em que foi declarada a inconstitucionalidade parcial da norma, sem declaração de nulidade.
Diante da constatação de que uma nova realidade normativo-social alterou a realidade objetiva verificada à época do julgamento da ADI nº 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal assentou que o parâmetro previsto pelo mencionado art. 20, §3º, não mais atende à aferição da situação de hipossuficiência do idoso ou do deficiente, para fins de percepção do benefício, daí porque não pode ser ele invocado como fundamento exclusivo para o seu indeferimento.
Assim, a hipossuficiência financeira do requerente do benefício assistencial deve ser avaliada pelo julgador considerando todo o conjunto probatório apresentado no bojo dos autos e não apenas a renda per capita.
Ademais, a própria Lei nº 8.742/93 também prevê a possibilidade de se utilizar outros elementos probatórios que demonstrem a situação de vulnerabilidade do grupo familiar (art. 20, §11). Tais elementos, embora fixados inicialmente para o exercício do poder regulamentar, também podem auxiliar o Poder Judiciário na análise do caso concreto.
Dessa forma, conforme o legislador, o grau da deficiência e o grau da dependência de terceiros são aspectos relevantes a serem observados para que se promova a ampliação do critério legal até 1/2 salário mínimo (Art. 20-B, incisos I e II).
No caso dos autos, o laudo socioeconômico, realizado em 25/08/2021, informa que a parte autora reside com sua genitora e com dois irmãos também deficientes, ambos com transtorno do espectro autista – CID: F84 (ID 337009616).
A renda familiar consiste em 2 (dois) benefícios assistenciais recebidos pelos irmãos, os quais não devem ser computados no cálculo da renda per capita, nos termos do art. 20, §14, da Lei nº 8.742/93, e em salário recebido pela mãe, que consistia no valor de R$ 2.449,00, na data de cessação do benefício – 26/02/2021, conforme extrato previdenciário anexado aos autos (ID 337009636, fl. 5).
Considerando apenas o valor bruto do salário da genitora sem deduzir as despesas, a renda per capita seria de R$ 612,25, o que ultrapassaria o limite per capita legal. Contudo, é necessário considerar que a família é composta por 3 (três) pessoas com deficiência mental, que demandam um cuidado permanente e um gasto alto com consultas, exames e medicamentos. Nesse sentido, além das despesas ordinárias, o laudo socioeconômico informa o gasto trimestral de R$ 1.290,00 com consultas ao neurologista e exames, gastos mensais de R$ 400,00 com uma cuidadora, R$ 189,90 com medicamentos não fornecidos pela rede pública e R$ 2.000,00 com alimentação e higiene. Dessa forma, verifica-se que a renda per capita efetiva não supera o critério de 1/2 salário mínimo.
Ademais, é incontroverso o impedimento de longo prazo da parte autora somado a crises de epilepsia, e ainda a patologia dos irmãos, situação familiar muito peculiar que autoriza uma maior flexibilização do critério legal da renda per capita, conforme princípio geral concretizado no art. 20-B da Lei nº 8.742/93.
Portanto, considerando as circunstâncias do caso, a flexibilização do requisito legal relativo à renda per capita, conforme entendimento do STF e do STJ, o grau da deficiência e os gastos elevados da família, verifico que foi comprovada a condição de miserabilidade, nos termos do art. 203, V, da Constituição Federal e do arts. 20 e 20-B da Lei nº 8.742/93.
Impõe-se, portanto, a manutenção da sentença.
Por fim, a correção monetária e os juros de mora, como consectários legais da condenação principal, possuem natureza de ordem pública e podem ser analisados de ofício pelos magistrados. Vejamos o entendimento do STJ:
PROCESSUAL CIVIL. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. QUESTÕES DE ORDEM PÚBLICA. ALTERAÇÃO. POSSIBILIDADE. 1. Consoante o entendimento do STJ, a correção monetária e os juros de mora, como consectários legais da condenação principal, possuem natureza de ordem pública e podem ser analisados pelas instâncias ordinárias até mesmo de ofício, o que afasta suposta violação do princípio do non reformatio in pejus. 2. Agravo interno não provido. (AGINT NO RESP N. 1.663.981/RJ, RELATOR MINISTRO GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, JULGADO EM 14/10/2019, DJE DE 17/10/2019)
Dessa forma, sobre o montante da condenação incidirão correção monetária e juros de mora nos termos estabelecidos pelo Manual de Cálculos da Justiça Federal atualizado, observados os parâmetros estabelecidos no RE 870.947 (Tema 810/STF) e no REsp 1.492.221 (Tema 905/STJ), respeitada a prescrição quinquenal.
Reconhecido o erro do INSS ao cessar o benefício, ficam prejudicadas as questões recursais relativas à restituição de valores recebidos pela parte autora.
Majoro os honorários de sucumbência em 2%, ante o oferecimento de contrarrazões, nos termos do § 11 do art. 85 do Código de Processo Civil, e determino a sua incidência com base na Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça.
Ante o exposto, CONHEÇO do recurso e, no mérito, NEGO PROVIMENTO à apelação do INSS. ALTERO, de ofício, os índices de correção monetária e dos juros de mora.
É como voto.
Desembargadora Federal CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM
Relatora

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
GABINETE DA DESEMBARGADORA FEDERAL CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM
APELAÇÃO CÍVEL (198)1040398-63.2021.4.01.3300
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOSIANE SILVA CARDOSO
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO DE AMPARO SOCIAL À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ART. 203, V, CF/88. ART. 20, § 3º, DA LEI Nº 8.742/93. MISERABILIDADE CONFIGURADA. SENTENÇA MANTIDA. APELAÇÃO DO INSS DESPROVIDA. ÍNDICES DE JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA ALTERADOS DE OFÍCIO.
1. A questão submetida a exame em sede de apelação cinge-se à demonstração da hipossuficiência financeira da parte autora, conforme exigido pelo art. 20, §3º, da Lei nº 8.742/93, para fins de restabelecimento do benefício de prestação continuada.
2. Relativamente à norma do art. 20, §3º, da Lei nº 8.742/93, o Eg. STJ, quando do julgamento do REsp n. 1.112.557/MG, sob o regime de recursos repetitivos, firmou o entendimento de que “a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade” (REsp n. 1.112.557/MG, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, julgado em 28/10/2009, DJe de 20/11/2009).
3. O Plenário do STF, quando do julgamento dos RE 567985 e 580963, e da Reclamação nº 4374, declarou a inconstitucionalidade parcial da norma, sem declaração de nulidade.
4. O Supremo Tribunal Federal assentou que o parâmetro previsto pelo mencionado art. 20, §3º não mais atende à aferição da situação de hipossuficiência do idoso ou do deficiente, para fins de percepção do benefício, daí porque não pode ser ele invocado como fundamento exclusivo para o seu indeferimento.
5. A hipossuficiência financeira do requerente do benefício assistencial deve ser avaliada pelo julgador considerando todo o conjunto probatório apresentado no bojo dos autos e não apenas a renda per capita.
6. No caso dos autos, o laudo socioeconômico realizado em 25/08/2021 informa que a parte autora reside com sua genitora e com dois irmãos também deficientes, ambos com transtorno do espectro autista – CID: F847. A renda familiar consiste em 2 (dois) benefícios assistenciais recebidos pelos irmãos, os quais não devem ser computados no cálculo da renda per capita, nos termos do art. 20, §14, da Lei nº 8.742/93, e em salário recebido pela mãe, que consistia no valor de R$ 2.449,00, na data de cessação do benefício – 26/02/2021, conforme extrato previdenciário anexado aos autos.
7. Considerando apenas o valor bruto do salário da genitora sem deduzir as despesas, a renda per capita seria de R$ 612,25, o que ultrapassaria o limite per capita legal. Contudo, é necessário considerar que a família é composta por 3 (três) pessoas com deficiência mental, que demandam um cuidado permanente e um gasto alto com consultas, exames e medicamentos. Nesse sentido, além das despesas ordinárias, o laudo socioeconômico informa o gasto trimestral de R$ 1.290,00 com consultas ao neurologista e exames, gastos mensais de R$ 400,00 com uma cuidadora, R$ 189,90 com medicamentos não fornecidos pela rede pública e R$ 2.000,00 com alimentação e higiene. Dessa forma, verifica-se que a renda per capita efetiva não supera o critério de 1/2 salário mínimo.
8. Ademais, é incontroverso o impedimento de longo prazo da parte autora somado a crises de epilepsia, e ainda a patologia dos irmãos, situação familiar muito peculiar que autoriza uma maior flexibilização do critério legal da renda per capita, conforme princípio geral concretizado no art. 20-B da Lei nº 8.742/93.
9. Considerando as circunstâncias do caso, a flexibilização do requisito legal relativo à renda per capita, conforme entendimento do STF e do STJ, o grau da deficiência e os gastos elevados da família, verifico que foi comprovada a condição de miserabilidade, nos termos do art. 203, V, da Constituição Federal e do arts. 20 e 20-B da Lei nº 8.742/93.
10. Impõe-se, portanto, a manutenção da sentença.
11. A correção monetária e os juros de mora, como consectários legais da condenação principal, possuem natureza de ordem pública e podem ser analisados de ofício pelos magistrados, conforme entendimento do STJ (AGINT NO RESP N. 1.663.981/RJ, RELATOR MINISTRO GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, JULGADO EM 14/10/2019, DJE DE 17/10/2019). Dessa forma, sobre o montante da condenação incidirão correção monetária e juros de mora nos termos estabelecidos pelo Manual de Cálculos da Justiça Federal atualizado, observados os parâmetros estabelecidos no RE 870.947 (Tema 810/STF) e no REsp 1.492.221 (Tema 905/STJ), respeitada a prescrição quinquenal.
12. Reconhecido o erro do INSS ao cessar o benefício, ficam prejudicadas as questões recursais relativas à restituição de valores recebidos pela parte autora.
13. Apelação do INSS desprovida.
ACÓRDÃO
Decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO ao recurso de apelação e ALTERAR, de ofício, os índices de juros e correção monetária, nos termos do voto da Relatora.
Brasília, na data lançada na certidão do julgamento.
Desembargadora Federal CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM
Relatora
