
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
POLO PASSIVO:SERGIO DE MIRANDA SANTOS
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: LORENI HOFFMANN ZEITZ - RO7333-A
RELATOR(A):CANDICE LAVOCAT GALVAO JOBIM

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
GABINETE DA DESEMBARGADORA FEDERAL CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM
APELAÇÃO CÍVEL (198)1022252-82.2023.4.01.9999
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
APELADO: SERGIO DE MIRANDA SANTOS
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM (RELATORA):
Trata-se de recurso de apelação interposto pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL em face da sentença que julgou procedente o pedido de restabelecimento de benefício de amparo assistencial à pessoa com deficiência (LOAS), a partir da data de sua cessação, ocorrida em 01/10/2021.
Nas razões recursais (ID 372467640, fls. 18 a 23), a parte apelante alega que deve ser alterado o termo inicial do benefício, argumentando que na data cessação a renda per capita era superior a 1/4 de salário mínimo, bem como o patrimônio era incompatível com o conceito de miserabilidade.
As contrarrazões foram apresentadas (ID 372467640, fls. 3 a 10).
É o relatório.
Desembargadora Federal CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM
Relatora

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
GABINETE DA DESEMBARGADORA FEDERAL CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM
APELAÇÃO CÍVEL (198)1022252-82.2023.4.01.9999
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
APELADO: SERGIO DE MIRANDA SANTOS
VOTO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM (RELATORA):
Inicialmente, assente-se a dispensa de remessa necessária no presente caso concreto, em face do teor da norma do inciso I do § 3º do art. 496 do Código de Processo Civil, nos termos dos recentes precedentes do Superior Tribunal de Justiça (a propósito: REsp. 1735097/RS; REsp. 1844937/PR).
Consigno, ainda, que a prescrição atinge as prestações vencidas anteriormente ao quinquênio que antecede o ajuizamento da ação, nos termos da Súmula nº 85/STJ.
No que se refere ao mérito, a pretensão formulada pela parte autora na inicial é de restabelecimento de benefício de amparo assistencial à pessoa com deficiência previsto na Lei nº 8.742/93.
É cediço que é necessária a presença cumulativa dos seguintes requisitos para concessão do benefício de prestação continuada: a) ser a pessoa portadora de deficiência ou idosa (65 anos ou mais); e b) comprovar a condição de miserabilidade nos termos do art. 203, V, da Constituição Federal.
O INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL alega em suas razões de apelação que deve ser alterado o termo inicial do benefício, argumentando que na data do requerimento administrativo a renda per capita era superior a 1/4 de salário mínimo, bem como o patrimônio era incompatível com o conceito de miserabilidade, razão pela qual pugna pela reforma da sentença.
Como a questão submetida a exame em sede de apelação cinge-se ao termo inicial do benefício, sendo controvertido com base apenas na miserabilidade, passo à análise sobre a presença ou não desse requisito à época da cessação do benefício.
Pois bem.
A respeito da miserabilidade, assim dispõe o art. 20 da Lei nº 8.742/93:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
(...)
§ 3º Observados os demais critérios de elegibilidade definidos nesta Lei, terão direito ao benefício financeiro de que trata o caput deste artigo a pessoa com deficiência ou a pessoa idosa com renda familiar mensal per capita igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 14.176, de 2021)
(...)
§ 8º A renda familiar mensal a que se refere o § 3º deverá ser declarada pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido. (Incluído pela Lei nº 9.720, de 1998)
§9º Os rendimentos decorrentes de estágio supervisionado e de aprendizagem não serão computados para os fins de cálculo da renda familiar per capita a que se refere o § 3o deste artigo. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)
(...)
§11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento. (Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015)
§11-A. O regulamento de que trata o § 11 deste artigo poderá ampliar o limite de renda mensal familiar per capita previsto no § 3º deste artigo para até 1/2 (meio) salário-mínimo, observado o disposto no art. 20-B desta Lei. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021)
(...)
§ 14. O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo. (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020)
Relativamente à transcrita norma do art. 20, §3 º, da Lei nº 8.742/93, o Eg. STJ, quando do julgamento do REsp n. 1.112.557/MG, sob o regime de recursos repetitivos, firmou o entendimento de que “a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade” (REsp n. 1.112.557/MG, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, julgado em 28/10/2009, DJe de 20/11/2009).
A referida norma também passou pelo crivo do Plenário do STF quando do julgamento dos RE 567985 e 580963 e da Reclamação nº 4374, oportunidade em que foi declarada a inconstitucionalidade parcial da norma, sem declaração de nulidade.
Diante da constatação de que uma nova realidade normativo-social alterou a realidade objetiva verificada à época do julgamento da ADI nº 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal assentou que o parâmetro previsto pelo mencionado art. 20, §3 º, não mais atende à aferição da situação de hipossuficiência do idoso ou do deficiente, para fins de percepção do benefício, daí porque não pode ser ele invocado como fundamento exclusivo para o seu indeferimento.
Assim, a hipossuficiência financeira do requerente do benefício assistencial deve ser avaliada pelo julgador considerando todo o conjunto probatório apresentado no bojo dos autos e não apenas a renda per capita.
No caso dos autos, o benefício foi cessado (01/10/2021) em razão da renda familiar que consistia nos proventos auferidos pelo genitor da parte autora no valor de R$ 1.635,71 e no valor de R$ 550,00, conforme consulta ao sistema de atendimentos do INSS. A renda per capita, portanto, era de R$ 728,57 na data da cessação do benefício, sendo o salário mínimo vigente no valor de R$ 1.100,00. Assim, não houve ilegalidade na cessação do benefício.
Não obstante, o laudo socioeconômico realizado em 22/08/2023 informa que a parte autora reside em casa própria somente com a mãe (ID 372467640, fls. 87 a 89). A renda familiar consistia apenas em ajuda recebida pela avó da parte autora, no valor de R$ 200,00.
Verifica-se, assim, que houve alteração no grupo familiar após o ajuizamento da ação e que a parte autora encontra-se em situação de miserabilidade.
Nesse contexto, o caso dos autos configura situação excepcional que exige a fixação do termo inicial do benefício na data do laudo socioeconômico, em 22/08/2023 (ID 372467640, fl. 87 a 89).
Ademais, a fixação da DIB na data da perícia social, neste caso concreto, não diverge do entendimento firmado pelo STJ, que, apesar de já ter se manifestado no sentido de não considerar correta a fixação da DIB na data do laudo pericial, faz a ressalva de situações excepcionais.
Com efeito, o STJ entende que “em regra, ela [a perícia judicial] declara uma situação fática a ela preexistente” (REsp n. 1.910.344/GO, DJe de 10/10/2022). Contudo, tal entendimento não pode resultar em concessão de benefício em época na qual não estavam presentes os requisitos para a sua concessão. Por isso, trata-se de uma regra geral que admite exceções em situações específicas como a destes autos.
Impõe-se, portanto, o provimento da apelação do INSS, a fim de se alterar o termo inicial do benefício para a data do laudo socioeconômico.
Quanto aos índices de correção monetária e dos juros de mora, inicialmente, destaco que tais índices, como são consectários legais da condenação principal, possuem natureza de ordem pública e podem ser analisados de ofício pelos magistrados. Vejamos o entendimento do STJ:
PROCESSUAL CIVIL. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. QUESTÕES DE ORDEM PÚBLICA. ALTERAÇÃO. POSSIBILIDADE. 1. Consoante o entendimento do STJ, a correção monetária e os juros de mora, como consectários legais da condenação principal, possuem natureza de ordem pública e podem ser analisados pelas instâncias ordinárias até mesmo de ofício, o que afasta suposta violação do princípio do non reformatio in pejus. 2. Agravo interno não provido.
(AGINT NO RESP N. 1.663.981/RJ, RELATOR MINISTRO GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, JULGADO EM 14/10/2019, DJE DE 17/10/2019)
No presente caso, verifico que o Juízo a quo deixou de observar a EC nº 113/2021 na fixação de tais índices.
Dessa forma, sobre o montante da condenação incidirão correção monetária e juros de mora nos termos estabelecidos pelo Manual de Cálculos da Justiça Federal atualizado, observados os parâmetros estabelecidos na EC nº 113/2021 e respeitada a prescrição quinquenal.
Mantenho a verba honorária fixada na sentença. Deixo de majorar os honorários advocatícios, em face do entendimento firmado pelo STJ no Tema 1.059 (Resp. n. 1865663/PR), segundo o qual a aplicação da norma inserta no art. 85, §11, do CPC pressupõe que o recurso tenha sido integralmente desprovido ou não conhecido pelo tribunal.
Ante o exposto, CONHEÇO do recurso e, no mérito, DOU PROVIMENTO à apelação do INSS para, reformando parcialmente a sentença, alterar o termo inicial do benefício para a data do laudo socioeconômico, em 22/08/2023; e ALTERO, de ofício, os índices dos juros e da correção monetária.
É como voto.
Desembargadora Federal CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM
Relatora

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
GABINETE DA DESEMBARGADORA FEDERAL CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM
APELAÇÃO CÍVEL (198)1022252-82.2023.4.01.9999
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
APELADO: SERGIO DE MIRANDA SANTOS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO DE AMPARO SOCIAL À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ART. 203, V, CF/88. ART. 20, § 3º, DA LEI Nº 8.742/93. TERMO INICIAL. MISERABILIDADE NÃO CONFIGURADA À ÉPOCA DA CESSAÇÃO DO BENEFÍCIO. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. APELAÇÃO DO INSS PROVIDA. ÍNDICES DE JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA ALTERADOS DE OFÍCIO.
1. Pretensão formulada pela parte autora na inicial de restabelecimento de benefício de amparo assistencial à pessoa com deficiência previsto na Lei nº 8.742/93.
2. A questão submetida a exame em sede de apelação cinge-se ao termo inicial do benefício.
3. Relativamente à norma do art. 20, §3 º, da Lei nº 8.742/93, o Eg. STJ, quando do julgamento do REsp n. 1.112.557/MG, sob o regime de recursos repetitivos, firmou o entendimento de que “a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade” (REsp n. 1.112.557/MG, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, julgado em 28/10/2009, DJe de 20/11/2009).
4. O Supremo Tribunal Federal assentou que o parâmetro previsto pelo mencionado art. 20, §3º, não mais atende à aferição da situação de hipossuficiência do idoso ou do deficiente, para fins de percepção do benefício, daí porque não pode ser ele invocado como fundamento exclusivo para o seu indeferimento.
5. A hipossuficiência financeira do requerente do benefício assistencial deve ser avaliada pelo julgador considerando todo o conjunto probatório apresentado no bojo dos autos e não apenas a renda per capita.
6. No caso dos autos, o benefício foi cessado (01/10/2021) em razão da renda familiar que consistia nos proventos auferidos pelo genitor da parte autora no valor de R$ 1.635,71 e no valor de R$ 550,00, conforme consulta ao sistema de atendimentos do INSS. A renda per capita, portanto, era de R$ 728,57 na data da cessação do benefício, sendo o salário mínimo vigente no valor de R$ 1.100,00. Assim, não houve ilegalidade na cessação do benefício.
7. Contudo, o laudo socioeconômico realizado em 22/08/2023 informa que a parte autora reside em casa própria somente com a mãe. A renda familiar consistia apenas em ajuda recebida pela avó da parte autora, no valor de R$ 200,00. Verifica-se, assim, que houve alteração no grupo familiar após o ajuizamento da ação e que a parte autora encontra-se em situação de miserabilidade.
8. Portanto, o termo inicial do benefício deve ser fixado na data do laudo socioeconômico, em 22/08/2023, tendo em vista que não estava configurada a condição de miserabilidade na data da cessação do benefício.
9. Sobre o montante da condenação incidirão correção monetária e juros de mora nos termos estabelecidos pelo Manual de Cálculos da Justiça Federal atualizado, observados os parâmetros estabelecidos na EC nº 113/2021 e respeitada a prescrição quinquenal.
10. Apelação do INSS provida.
ACÓRDÃO
Decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, DAR PROVIMENTO ao recurso de apelação e ALTERAR, de ofício, os índices para correção monetária e juros, nos termos do voto da Relatora.
Brasília, na data lançada na certidão do julgamento.
Desembargadora Federal CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM
Relatora
